Estudo internacional alerta para impactos das mudanças climáticas na saúde.
As mudanças climáticas são a maior preocupação na área de saúde do século 21.
Por Julia Dias (Agência
Fiocruz de Notícias).
O aumento da temperatura global já
é sentido nas atuais ondas de calor, nas doenças transmitidas por
vetores e na segurança alimentar de populações de todas as regiões
do mundo. Para monitorar essa questão, 27 instituições acadêmicas
de todos os continentes, entre elas a Fiocruz, acabam de publicar o
relatório
Lancet Countdown [Contagem regressiva para a
saúde e mudanças climáticas].
O relatório, que existe desde 2016
e reúne um total de 41 indicadores, é um alerta para o risco que os
sistemas de saúde de todo mundo correm se os governos e a sociedade
não agirem rápido para frear o aquecimento global.
“Até pouco tempo os impactos na
saúde eram pouco estudados nesse campo, mas tudo recai sobre a
saúde”, explica Sandra Hacon, pesquisadora da Escola Nacional da
Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz) que participou do
estudo.
Pequenas mudanças de temperatura e
chuvas podem ter grande impacto na transmissão de doenças
transmitidas por vetores e pela água. Segundo o relatório, em 2016,
a capacidade vetorial global para a transmissão do vírus da dengue
foi a mais alta já registrada, subindo em 9,1% para o Aedes
aegypti e 11,1% para o Aedes albopictus, a partir da
linha de base de 1950. A cólera e a malária também registraram
aumentos associados a mudanças climáticas. Em 2016, a região
costeira do Báltico teve um aumento de 24% na capacidade de
transmissão de Vibrio cholerae, em comparação a 1980, e
os planaltos da África subsaariana registraram um aumento de 27%
capacidade de transmissão da malária, em comparação com 1950.
A vulnerabilidade a extremos de
calor também tem aumentado constantemente desde 1990 em todas as
regiões. Em 2017,157 milhões de pessoas a mais do que em 2000 foram
expostas a eventos de onda de calor, um aumento de 18 milhões de
pessoas em relação a 2016. Estas ondas estão associadas ao aumento
das taxas de estresse por calor, insolação, insuficiência cardíaca
e lesão renal aguda por desidratação. Idosos e pessoas que
trabalham ao ar livre, como agricultores e trabalhadores da
construção civil, são especialmente vulneráveis a essas
condições.
“As tendências nos impactos,
exposições e vulnerabilidades da mudança climática mostram um
nível inaceitavelmente alto de risco para a saúde atual e futura
das populações em todo o mundo”, alerta o documento, que foi
publicado pela mais importante revista europeia de medicina, a
Lancet, no dia 28 de novembro e contou com a participação do Banco
Mundial e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
“O Lancet Countdown é um parceiro
essencial para progresso na consecução dos objetivos do Acordo de
Paris, o mais importante tratado de saúde do século”, disse o
diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Os impactos das mudanças climáticas
também são sentidos nas economias nacionais e orçamentos
familiares. De acordo com a publicação, 153 bilhões de horas de
trabalho foram perdidas em 2017 por causa do calor, um aumento de
mais de 62 bilhões de horas desde 2000. Em 2017, um total de 712
eventos climáticos extremos resultaram em US $ 326 bilhões em
perdas econômicas, quase o triplo das perdas totais de 2016.
A segurança alimentar é outra área
atingida pelas mudanças climáticas, com a diminuição do
rendimento das colheitas em todas as regiões do mundo.
“Não podemos esperar para agir,
temos que ser proativos. Os prejuízos econômicos e na saúde são
muito altos se esperarmos os desastres acontecerem”, considera a
pesquisadora da Fiocruz. Globalmente, os gastos para a adaptação às
mudanças climáticas permanecem bem abaixo do compromisso de US$ 100
bilhões por ano feito sob o Acordo de Paris.“
O mundo ainda precisa reduzir
efetivamente suas emissões de gases. A velocidade da mudança
climática ameaça nossa vida e a vida de nossas crianças. Seguindo
as tendências atuais, esgotamos a provisão de carbono necessária
para manter o aquecimento abaixo de dois graus até 2032. Os impactos
das alterações climáticas sobre a saúde acima deste nível
ameaçam sobrecarregar nossos serviços de emergência e de saúde”,
afirma o co-presidente do Lancet Countdown e ex-diretor da OMS,
Anthony Costello.
Recomendações para Brasil
Em conjunto com o relatório global,
foram lançadas recomendações específicas para alguns países,
entre eles o Brasil. Além da Fiocruz, participaram da colaboração
brasileira o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).
Enquanto as ondas de calor são a
maior preocupação na Europa, onde o envelhecimento da população a
torna mais vulnerável a esses eventos, a América do Sul e o sudeste
asiático tendem a ser mais afetada por enchentes e secas. As
frequências anuais de inundações e eventos extremos de temperatura
aumentaram desde 1990. A alteração dos fluxos pode causar mudanças
nos ecossistemas e gerar o aparecimento de novas doenças, além de
alterar a incidência de doenças vetoriais já conhecidas.
Para Sandra, os riscos, no entanto,
também abrem possibilidades, como o progresso científico. Ela
destaca o papel que os cientistas e instituições brasileiros têm
nessa área. “O Brasil lidera os estudos sobre mudanças
climáticas, estamos à frente da América Latina nessa área tanto
em saúde, como em recursos hídricos e agricultura. Temos a
Amazônia, que é um laboratório natural. A Amazônia é um destaque
não só para o Brasil, mas para o mundo”.
As experiências de economia de
baixo carbono na Amazônia e o no Cerrado demonstram que o
desenvolvimento sustentável é uma oportunidade para resolver também
a questão da pobreza. “Infelizmente, não poderemos mostrar essas
experiências para o mundo. É lamentável a decisão do Brasil de
deixar de receber a COP 25, que seria um espaço para o país
reafirmar sua liderança neste campo”, afirma Sandra.
Embora o Lancet Countdown não
inclua um indicador sobre os efeitos do desmatamento na saúde, o
documento
para o Brasil inclui um estudo de caso sobre a região
amazônica que ilustra a interrelação entre mudanças globais e
alterações em microclimas. As estimativas sugerem que a Amazônia
será mais afetada pelo aumento da temperatura que outras regiões do
Brasil.
Além disso, as queimadas e o
desflorestamento já são uma das principais causas de adoecimento na
região. A época das queimadas está associada ao nascimento de
crianças com baixo peso e ao aumento das internações hospitalares
e das doenças respiratórias, principalmente em crianças e idosos.
O desflorestamento da Amazônia está
atualmente na faixa de 15 a 17%, próximo ao ponto de inflexão de 20
a 25%, apontado por alguns autores como irreversível na savanização
da maior parte da floresta. Esse dado não apenas aumenta as emissões
de gases do país, como prejudica que novas descobertas científicas
sejam feitas, com a destruição da biodiversidade única da
floresta.
Fonte: EcoDebate
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