Vida em
risco: quase metade dos anfíbios estão fora das áreas de conservação.
*Rafael Magalhães e Reuber Brandão
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Unidades de conservação, quando bem planejadas e
geridas, são a forma mais eficiente de preservar a biodiversidade em seu
ambiente natural. Entretanto, de uma maneira geral, a rede global de áreas
protegidas é bastante ineficaz. Um exemplo disso é que 42% de todas as espécies
de anfíbios estão pobremente representadas ou completamente fora das unidades
de conservação, de acordo com estudo publicado em 2015 sobre a situação de
conservação desses animais. Esta estatística é ainda mais grave se
considerarmos que os anfíbios estão entre os vertebrados mais ameaçados de
extinção do planeta.
Para piorar a situação, a maioria das espécies de
anfíbios possui baixa capacidade de locomoção. Isso leva a um processo
evolutivo chamado de diversificação críptica: quando populações isoladas se
tornam diferentes geneticamente, mas são muito parecidas quanto a aparência
externa.
Muitas vezes, nem mesmo os pesquisadores são
capazes de perceber diferenças evolutivas importantes avaliando apenas as
características externas dos animais. Como consequência, essas diferentes
populações acabam não sendo contempladas em políticas de conservação, como nos
estudos para a criação de unidades de conservação. Mas é importante ressaltar
que a manutenção da diversidade genética é essencial para a preservar o
potencial de adaptação das espécies frente às mudanças climáticas ou outras
mudanças ambientais importantes. A importância desta manutenção funciona da
seguinte forma: imagine que a espécie possui duas populações, uma com o
conjunto de genes X e outra com o conjunto de genes Y. Se a população com o
conjunto X se extinguir, a espécie continua existindo, através da população com
genes Y. Entretanto, o conjunto de genes X poderia fornecer à espécie melhores
capacidades de enfrentar as mudanças ambientais em curso. A perda deste
conjunto de genes, através da extinção, torna a espécie ameaçada no futuro.
Pensando nisso, um grupo de pesquisadores
sul-americanos investigou a eficiência das unidades de conservação na proteção
de linhagens crípticas de uma espécie de perereca que só existe no Brasil. Esta
eficiência foi investigada tanto no presente como em um cenário de mudanças
climáticas futuras. A espécie em questão, Pithecopus ayeaye, possui
uma inconsistência entre listas nacionais e globais (Lista Vermelha da Fauna
Brasileira Ameaçada de Extinção, ICMBio, IUCN) que pode ser resultado da forma
como os grupos de avaliação interpretam os critérios de classificação das
espécies ameaçadas de extinção. Enquanto o grupo de avaliação global adota uma
postura precaucionaria na classificação das espécies, o grupo nacional opta por
uma postura evidenciaria. Mas, apesar de ainda ser considerada globalmente
ameaçada, a espécie não se encontra na lista de prioridades em políticas
nacionais de conservação.
Essa perereca pode ser encontrada em campos
rupestres, que estão distribuídos em menos de 1% do território brasileiro.
Apesar de serem ricos em espécies restritas, os campos rupestres têm sofrido
impactos de atividades mineradoras, queimadas induzidas, silvicultura de
eucalipto, pecuária, “ecoturismo” não-sustentável e urbanização. Uma das
linhagens da Pithecopus ayeaye, que ocorre no planalto de Poços de
Caldas (MG), está em declínio e não está protegida por nenhuma unidade de
conservação, podendo se extinguir em um curto período de tempo. Outra, que
ocorre no Quadrilátero Ferrífero e nos Campos das Vertentes (ambos em Minas
Gerais), apesar de estar protegida por três unidades de conservação de proteção
integral, possui níveis de diversidade genética tão baixos quanto a linhagem de
Poços de Caldas, estando tão vulnerável a impactos humanos quanto ela. A
terceira, do Planalto da Canastra (MG) e em áreas altas no noroeste do estado
de São Paulo, possui maior diversidade genética do que a das outras duas
linhagens e está protegida por duas unidades de conservação de proteção
integral. Contudo, mesmo estas unidades de conservação são insuficientes para a
proteção da espécie, conservando menos de 4% da área de distribuição geográfica
da espécie, tanto no presente como em projeções futuras. Vale ressaltar que a
espécie em questão produz substâncias na pele com potencial farmacológico,
podendo ser utilizadas para a produção de medicamentos no futuro.
Esses resultados sugerem que outros organismos
endêmicos dos campos rupestres, incluindo outras espécies ameaçadas, também
podem apresentar diversificação críptica semelhante à de Pithecopus ayeaye.
Portanto, pode-se concluir que a conservação de diversas espécies dos campos
rupestres (e de outros tipos de ecossistemas naturalmente fragmentados) deve
ser planejada com atenção, considerando a distribuição discreta deste
ecossistema. A prática de conservação no Brasil deve ser repensada, e novas
evidências taxonômicas, moleculares, evolutivas e ecológicas devem ser
combinadas ao melhor entendimento da distribuição dos organismos para que
possamos ser mais eficientes nas políticas de conservação nacionais.
Rafael Magalhães é biólogo e pesquisador do
Laboratório de Biodiversidade e Evolução Molecular da Universidade Federal de
Minas Gerais.
Reuber Brandão é membro da Rede de
Especialistas de Conservação da Natureza, biólogo e professor da Universidade
de Brasília.
Este
estudo foi apoiado pela Fundação Grupo O Boticário de Proteção à Natureza em
2006 no contexto do projeto “Conservação, ecologia e taxonomia das espécies de
Phyllomedusa do grupo hypochondrialis” e pelo Programa de Capacitação em
Taxonomia do CNPq/CAPES.
Fonte: ENVOLVERDE
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