Direitos
Humanos: Mapa do trabalho escravo no Brasil.
por Bruno Fonseca , da
Agência Pública –
Levantamento mostra presença de empreiteiros
entre a maioria dos empregadores, composta por fazendeiros e empresários do
agronegócio. Irmão de senadora Kátia Abreu, que estava na lista divulgada pela
Globo, é o único ausente na nova lista do MTE
Feresin cumpriu um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e,
pelas próprias regras do cadastro, teve seu nome retirado da
lista.
De todas as cidades brasileiras, Belo Horizonte é
que tem mais empregadores listados no mapa: quatro são do setor de construção
civil e mercado imobiliário e um, de restaurantes. Uma das empresas é a Garra
Engenharia, autuada pelas condições de trabalho de cinco imigrantes baianos em
uma obra. Eles viviam no próprio canteiro, em uma casa com janelas tampadas por
chapas de madeira e uma porta improvisada com um colchão velho. Conforme o auto do MTE, durante o dia, recebiam água e
comida –almoço e jantar –, mas, à noite e nos finais de semana, ainda
no trabalho, tinham de tirar do bolso para comprar alimento. Disseram para eles
que, se partissem em menos de dois meses, pagariam os exames médicos
obrigatórios. Seria mais um gasto, além dos R$ 250 que cada um tinha pago ao
homem que os trouxe da Bahia com a promessa de trabalho na obra em Belo
Horizonte.
O diretor da empreiteira, João Nimer
Filho, questiona a inclusão no cadastro e alega que os trabalhadores
enfrentavam na Bahia condições mais degradantes. “Se você falar ‘João, o
apartamento era uma maravilha?’. Não, não era uma maravilha. Mas longe de ser
trabalho análogo ao escravo […] Araci, na Bahia, tem uma única fonte de renda,
a palma para fazer o sisal, inclusive mutila muitas pessoas porque as máquinas
são precárias. […] Eles disseram ‘não queremos ir embora porque Araci é R$ 10 por
dia, quando tem serviço’” contrapõe.
Para o auditor fiscal do trabalho em Minas
Gerais, Athos de Vasconcelos, a vulnerabilidade dos trabalhadores vindos de
regiões pobres é explorada pelos empregadores – e o motivo porque se submetem a
condições de trabalho precárias.
“Historicamente há problemas [de trabalho análogo ao escravo] em áreas rurais, principalmente em áreas mais isoladas, mas, de uma década para cá, mais intensamente, começaram a aparecer esses casos na construção civil e na confecção, geralmente explorando trabalhador do próprio país, migrantes de regiões pobres, e também de trabalhadores imigrantes que chegam ao Brasil do Haiti, da Bolívia”, comenta.
“Historicamente há problemas [de trabalho análogo ao escravo] em áreas rurais, principalmente em áreas mais isoladas, mas, de uma década para cá, mais intensamente, começaram a aparecer esses casos na construção civil e na confecção, geralmente explorando trabalhador do próprio país, migrantes de regiões pobres, e também de trabalhadores imigrantes que chegam ao Brasil do Haiti, da Bolívia”, comenta.
Número de empregadores na lista do trabalho escravo por estado
*Os Estados ausentes não tiveram empregadores listados nas publicações analisadas Fonte: Cadastro de empregadores do Ministério do Trabalho
Minas Gerais é o estado que lidera o cadastro:
dos 131 empregadores listados, quase um terço é mineiro. De acordo com a
coordenadora do projeto de combate ao trabalho análogo ao escravo de Minas,
Dolores Jardim, “não significa que Minas tenha mais trabalhadores [em situação
de trabalho escravo] que outros estados, mas que estamos atendendo a demanda
[de fiscalização] por uma questão de gestão”. São 19 gerências no estado, todas
com auditores treinados pelo projeto.
O Pará, em comparação, o segundo estado com maior
número de empregados na lista, possui apenas um coordenador fixo para combater
o trabalho escravo. Os demais auditores são convocados de acordo com a demanda
e a disponibilidade dos recursos — escassos. A Superintendência do MTE em
Belém, por exemplo, está sem telefone há meses. “Quando tem verba, quando tem
dinheiro para colocar gasolina nos carros, quando tem dinheiro pra diária,
essas equipes vão a campo combater o trabalho escravo. Está um caos
administrativo, está sem telefone, a empresa de limpeza ainda não foi
contratada, aqui no Pará nós realmente ficamos numa situação muito difícil”,
diz Othavio Paixão, auditor fiscal do trabalho no Pará.
Agricultura é o setor econômico que tem mais
patrões no cadastro (31%), a maior parte em lavouras de café (14% do total de
empregadores). Em seguida, está a criação de animais (25%), com
predominância do gado para corte (19%). Em terceiro lugar, empatados, estão a
construção (8%) e o setor madeireiro (8%). Segundo a ONG Repórter Brasil, trabalhadores que se endividam antes
mesmo do primeiro salário, com jornadas exaustivas, sem descanso semanal
remunerado e, em alguns casos, sem banheiro, foram os motivos que levaram duas
gigantes da agroindústria, a JBS Aves e a Sucocítrico Cutrale, a figurar na
lista.
Setores dos empregadores na lista do trabalho escravo
*A categoria outros considera os setores de jóias, lazer, pesca, restaurantes, comércio, energia elétrica e vestuário Fonte: Cadastro de empregadores do Ministério do Trabalho.
Para o auditor Athos de Vasconcelos, o número de
empregadores listados por explorar trabalho escravo seria ainda maior caso
houvesse recursos compatíveis com as necessidades de fiscalização. “A
quantidade de casos é subnotificada, para usar uma terminologia da área de
saúde. A nossa categoria está cada vez mais diminuída na quantidade. Ao longo
dos últimos 20 anos, perdemos muitos quadros, a maioria deles por
aposentadoria, e os governos não fizeram os concursos necessários para fazer a
reposição. Quando se divulga uma lista com mais de 130 empregadores que
cometeram esse crime, poderia ser muito maior”, avalia.
A coordenadora da fiscalização em Minas Gerais, Dolores
Jardim, aponta uma queda na verba mais acentuada a partir de 2017. “A gente
trabalhava com folga de recursos e agora temos que planejar ação por ação e
pedindo esse recurso. A conta-gotas. Afetou a fiscalização de uma forma geral.
Como o trabalho escravo utiliza mais, para viagens, foi o mais atingido”,
pondera.
O MTE afirmou à reportagem que “o combate ao
trabalho escravo é uma ação prioritária da pasta” e que tem “remanejado
recursos e buscado alternativas para a realização de ações”. O ministério ainda
afirmou que em 2016 “foram realizadas 146 ações de combate ao trabalho
escravo”.
Disputas pelo
futuro da lista do trabalho escravo
A inclusão de empregadores no cadastro de
trabalho escravo é questionada por organizações como a Confederação Nacional da
Indústria (CNI), para a qual empresas podem ser acusadas injustamente “em função de posições subjetivas e até ideológicas de
fiscais”; pela Frente Parlamentar Agropecuária, que afirma que a legislação “permite compreensões distintas por parte dos fiscais
responsáveis pela autuação, causando insegurança jurídica para o setor”; e
pela própria direção atual do MTE, que afirmou que o cadastro de empregadores “deve coexistir com os princípios constitucionais da
ampla defesa e do contraditório”.
A Pública conversou com uma
fonte do MTE que pediu sigilo e afirmou que a lista mais recente, divulgada
inicialmente pela Globo e, depois, publicada após sentença da Justiça do
Trabalho do Distrito Federal, teria vindo a público neste momento caso a
decisão coubesse ao ministro Ronaldo Nogueira (PTB). A assessoria do MTE não
quis comentar a divulgação da lista pela Globo e afirmou que responde apenas
pelas publicações oficiais.
De acordo com o procurador do trabalho da
Coordenadoria Regional de Combate ao Trabalho Escravo do MPT do Pará, Roberto
Ruy Netto, a Portaria 1.129 – que alterou os critérios para
classificação de trabalho análogo ao escravo e os procedimentos dos auditores
fiscais – excluiria boa parte dos empregadores que hoje figuram no
cadastro e ainda poderia levar à não publicação de listas futuras. “Você não
precisa ter o trabalhador acorrentado para caracterizar trabalho escravo […]
basta ter uma condição degradante de trabalho, onde ele esteja alojado em
barracões de lona, bebendo água que não seja potável. São trabalhadores que são
aliciados em bolsões de pobreza com falsas promessas e muitas vezes acabam
endividados porque já têm que pagar o transporte, a ferramenta; quando ele
recebe o salário, já está endividado. A portaria vem justamente tentar
descaracterizar essa situação: só é escravo agora se houver vigilância
extensiva, se houver restrição da liberdade desse trabalhador. O trabalho
degradante seria uma mera irregularidade trabalhista”, critica.
Para a procuradora da República e representante
do Ministério Público Federal (MPF) na Comissão Nacional para Erradicação do
Trabalho Escravo, Ana Carolina Roman, a disputa em torno da inclusão de
empregadores no cadastro é a pauta principal dos empregadores acusados de
trabalho escravo.“Ficou muito claro: a preocupação do setor produtivo não é com
a condenação administrativa, não é com a condenação criminal, é com a lista
suja. A lista é o coração da política de combate [ao trabalho escravo]. É a
lista que vai rescindir crédito, que vai deixar mal a empresa perante
importadores, o setor produtivo, os consumidores”, analisa. A Portaria
1.129 está atualmente suspensa por decisão monocrática da ministra do Supremo
Tribunal Federal (STF) Rosa Weber. A decisão deve ser julgada em votação no
plenário do tribunal.
Fonte: Agência
Pública
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