Movimentos
sociais do campo criticam Acordo de Paris durante a COP23.
Paula Bonfatti, da Agência Jovem de
Notícias –
“O Acordo de Paris baseia-se na comodização da
natureza, nos mercados de carbono, e não tem efeito vinculante”, afirmou a
representante da organização internacional Via
Campesina no primeiro dia da 23ª Conferência das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas (COP23) em Bonn, na Alemanha.
Do dia 6 ao dia 17 de novembro, a COP23 traz
cerca de 20 mil pessoas de mais de 200 países do mundo para a antiga capital
alemã. Além das negociações, a conferência conta com um espaço para eventos
paralelos, que serve como plataforma para a promoção das agendas da sociedade
civil e dos movimentos populares, setores regularmente excluídos das
negociações oficiais.
Um dos principais objetivos da COP23 é
estabelecer mecanismos e processos de mensuração para os países que se
comprometeram com o Acordo de Paris (2015), um esforço para reduzir as emissões
de carbono e conter os efeitos do aquecimento global.
No entanto, durante o painel “Agroecologia
camponesa alimenta as pessoas e esfria o planeta”, na última segunda-feira (6),
representantes de organizações camponesas de diferentes regiões do mundo
questionaram a eficácia do documento e compartilharam experiências de
resistência e resiliência a partir da agroecologia.
“Entendemos que a agroecologia é uma resposta
real e concreta para o tema das mudanças climáticas, ela responde à um modelo
convencional, industrial e explorador”, afirmou Jesus Vázquez, representante
da Organização Boricuá de Agricultura Ecológica em Porto Rico e membro
da Via Campesina na região do Caribe.
No mês de setembro, Porto Rico foi atingido pelo
Furacão Maria, que deixou 80%
da população sem eletricidade por um mês, 5.300 pessoas
desabrigadas e aproximadamente 1,5 milhão sem acesso à água potável.
“Ocupar espaços como a COP é muito importante para denunciar, resistir e dar
visibilidade aos efeitos climáticos”, afirmou Jesus. As mudanças
climáticas causadas pelas atividades humanas têm grande influência no
potencial devastador dos desastres ambientais.
Acordo de Paris: metas voluntárias não
serão suficientes
Em 2015, o Acordo de Paris definiu um teto de 2°C
em relação às temperaturas médias do período pré-industrial, determinando
automaticamente um limite máximo de partículas de gases de efeito estufa em
suspensão na atmosfera. Assim, o acordo tem como grande
desafio acompanhar de forma precisa a evolução das emissões de gases de efeito
estufa de cada país.
No entanto, apesar de bem intencionado, o
documento não aponta quais os setores produtivos e econômicos deveriam ser mais
regulados, ou seja, aqueles com maior participação nas emissões de gases de
efeito estufa.
Além disso, toda ação em favor da proteção do
meio ambiente coloca limitações aos setores industriais e corporativos. Uma
regulação internacional das atividades de setores específicos reduziria seu
volume de negócios e o Produto Interno Bruto (PIB) de quase todos os países.
No caso do Brasil, por exemplo, teríamos que limitar a produção dos setores do
agronegócio e petroleiro, ambos com grande influência e poder político no país.
A agroecologia como resposta às mudanças
climáticas
Por outro lado, movimentos sociais do
campo afirmam que mudanças estruturais na indústria de alimentos é a
resposta mais rápida e concreta no enfrentamento das mudanças climáticas e
garantia do desenvolvimento sustentável.
O setor agropecuário emite entre 5,2 e 5,8
gigatoneladas de CO2 equivalente por ano – sendo a terceira fonte
mais importante de emissões depois da energia e do transporte, segundo o
Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC). O
Brasil é o segundo maior emissor em agropecuária depois da China (cerca de 12%
das emissões), com quase 10% do total das emissões do setor em âmbito mundial
global.
“O sistema alimentar industrial, incluindo
produção, embalagem e distribuição, é responsável por cerca de 50% das emissões
de gases de efeito estufa no mundo. Isso significa que o sistema tem um grande
potencial na redução das emissões, mas não se fizermos isso dentro da lógica de
um modelo comercial”, disse a representante da Confederação de Camponeses
da França, durante o painel.
Como solução, os movimentos sociais do campo
propõem a implementação da agroecologia e produção orgânica que, além da
contribuição comprovada no enfrentamento dos desafios da sustentabilidade
agrícola, é também uma plataforma de organização e resistência.
“Nosso modelo de agroecologia é um modelo de
política pública”, afirma a representante da Confederação de Camponeses da
França. O modelo incrementa a renda agrícola de forma sustentável,
fortalece a resiliência das culturas às mudanças climáticas e pode reduzir as
emissões de CO2. “Temos uma experiência concreta com a agroecologia e sabemos
que funciona. Podemos fazer, porque é a parte prática, mais do que a parte
técnica ou a negociação.”
Diversidade nos espaços de negociação
Uma das grandes críticas da sociedade civil em
relação aos tratados internacionais sobre meio ambiente é a exclusão de atores
marginalizados das negociações oficiais, como países do sul do mundo,
comunidades indígenas e tradicionais, mulheres e movimentos populares. “Dentro
das negociações nossas vozes não são ouvidas, é por isso que precisamos
estabelecer parcerias com a sociedade civil”, disse a representante
da Confederação de Camponeses da França.
Os representantes dos movimentos sociais do campo
presentes no painel afirmaram que a falta de políticas de conscientização sobre
a situação global dificulta o enfrentamento às mudanças climáticas.
Assim, é
preciso aproximar as pessoas que vivem e trabalham no campo, da discussão sobre
políticas públicas de desenvolvimento sustentável e meio ambiente. “Estamos
lutando, mas a agricultura é o alvo mais fácil de atacar em acordos
internacionais sobre o meio ambiente”, concluiu a representante
da Confederação.
A COP23 pode não frear as mudanças climáticas e o
aquecimento global, mas é uma potente plataforma para que os movimentos sociais
se organizem e promovam suas agendas, fora das salas de negociação.
Além de lutar pelo desenvolvimento sustentável do
planeta, é preciso também lutar pelos espaços de participação da sociedade civil,
cada vez mais escassos na atual conjuntura política internacional.
Fonte: ENVOLVERDE
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