O que o
Observatório do Clima espera da COP23.
por Observatório do Clima –
A 23a Conferência das Partes da
Convenção do Clima das Nações Unidas começa nesta segunda-feira (6/11) em Bonn,
Alemanha, com a missão de avançar no desenho do livro de regras do Acordo de
Paris. É a primeira COP presidida por uma nação insular do Pacífico, Fiji, cuja
própria existência é ameaçada pelo aumento do nível do mar em decorrência do
aquecimento global. É também a primeira COP a ocorrer depois do anúncio da
saída dos EUA do Acordo de Paris.
O Brasil chega à reunião com dupla personalidade:
progressista do ponto de vista da negociação, com seus diplomatas dispostos a
sair dela com um desenho do manual de implementação do acordo; mas tragicamente
regressivo do ponto de vista da política interna, e com a maior alta em suas
emissões em 13 anos.
Veja aqui o que o Observatório do Clima espera da
“COP do Pacífico” e do Brasil.
O que Fiji-Bonn precisa entregar
- O
rascunho do manual –Apesar de já estar em vigor há um ano, o
Acordo de Paris ainda não teve definidas as regras de sua implementação.
Como as metas nacionais (NDCs) serão monitoradas e reportadas? Como
funcionará o Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável? Qual será a
arquitetura das futuras NDCs e como será o processo de revisão e aumento
de ambição das metas? O complexo manual de aplicação do acordo precisa
ficar pronto no ano que vem. Se a COP23 conseguir rascunhar o texto,
aumentam as chances de que Paris passe a funcionar efetivamente mais cedo.
- Um
plano para 2018– O
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente publicou a nova edição de
seu relatório Emissions
Gap sobre a dívida climática da humanidade. O relatório
alerta que o período de 2018 a 2020 é a última chance de embicar o mundo
no rumo da estabilização do aquecimento global em menos de 2oC
ou, idealmente, em 1,5oC, aumentando a ambição das NDCs hoje
propostas. Para isso, será fundamental o chamado Diálogo Talanoa (chamado
formalmente de “Diálogo Facilitativo”), que acontecerá em 2018 e reunirá
os países para discutir como ampliar a ambição, tanto das metas de corte de
emissões quando das de financiamento. Fiji-Bonn precisa entregar uma
proposta para a realização desse diálogo que tenha amplo apoio dos países.
- O
“pacote de solidariedade” –Espera-se que a presidência de Fiji faça a
COP23 avançar em elementos cruciais para os países vulneráveis: o
mecanismo de perdas e danos, pelo qual nações possam receber ajuda pelos
danos das mudanças climáticas aos quais seja impossível se adaptar, como
superfuracões; e o financiamento à adaptação nos países pobres, por meio
do fundo de adaptação. Sem isso, qualquer conversa sobre aumento de
ambição em 2018 e 2020 ficará prejudicada.
- Um
sinal político claro aos EUA– Os Estados Unidos tendem a dominar o
noticiário da COP23 após o anúncio feito por Donald Trump de que o país se
retiraria do Acordo de Paris. É incerto se a diplomacia americana tentará
bloquear o progresso em Bonn ou terá uma atuação discreta. Mas o
comportamento de Trump tende a provocar um ressurgimento das antigas
divisões entre países ricos e pobres, em especial no que diz respeito a
financiamento. A COP23 precisa dar um recado claro de que o Acordo de
Paris não é renegociável e de que o buraco deixado pelos EUA no Fundo
Verde do Clima será preenchido por outros países.
O Contexto Nacional – Retrocessos em Série
O Brasil tentará vender a redução de 16% na taxa de
desmatamento em 2017 como uma grande conquista e um sinal de que o país está no
rumo certo do Acordo de Paris. Esse discurso é fragilizado por uma série de
fatores:
- As
emissões nacionais estão em alta – Dados
do SEEG mostram que o Brasil emitiu em 2016 2,2 bilhões de
toneladas de dióxido de carbono equivalente, um aumento de 8,9% em relação
ao ano anterior. É a maior alta em 13 anos e o maior valor desde 2008. A
alta de 27% do desmatamento na Amazônia no ano de 2016 elevou as emissões
de uso da terra em 218 milhões de toneladas de CO2 em
relação a 2015. A queda de 16% na taxa, se todos os setores permanecessem
iguais, ainda assim representaria emissões adicionais de cerca de 180
milhões de toneladas de CO2 em 2017 em relação a 2015.
- O
Brasil está longe de cumprir sua meta doméstica– O desmatamento em 2017 foi
de 6.624 km2 na Amazônia. O número é 70% maior do que o
que determina a lei nacional do clima, segundo a qual o Brasil deveria
chegar a 2020 com 3.900 km2. Uma queda de 70% na taxa em três
anos nunca aconteceu desde que o país começou a medir o desmatamento por
satélites, em 1988. Rumamos para 2020 com emissões em alta.
- O
país está dobrando a aposta no petróleo– O Plano Decenal de Energia 2026 prevê que
70,5% de todo o investimento em energia na próxima década vá para
combustíveis fósseis, em especial para a exploração do pré-sal. Está para
ser votada no Plenário da Câmara uma Medida Provisória, a 795, que amplia
o subsídio às petroleiras, gerando
uma renúncia fiscal de até R$ 1 trilhão em 25 anos.
- O
governo Temer ampliou os retrocessos socioambientais– A aliança entre o Palácio
do Planalto e a bancada ruralista, primeiro para aprovar as reformas e
depois para livrar o presidente de ser suspenso por corrupção, vem
produzindo uma série de medidas que tendem a aumentar os conflitos no
campo, o desmatamento e as emissões. Entre elas estão:
- A
Lei da Grilagem – A Lei 13.465/2017 anistia invasões de terras públicas
feitas entre 2004 e 2011 e libera para regularização grandes propriedades,
de até 2.500 hectares.
- O PL
do Jamanxim – O governo propôs entregar 350 mil hectares da Floresta
Nacional do Jamanxim, no Pará, a ocupantes que em sua chegaram ao local
após a criação da área protegida.
- O
marco temporal – O governo baixou um parecer determinando ao Executivo
federal que só reconheça como indígenas as terras ocupadas pelos índios em
1988, aderindo a uma tese ruralista. Centenas de processos de demarcação
podem ser afetados.
- Corte
orçamentário – Em 2017, o MMA teve um corte de quase metade do seu
orçamento e desde 2016 depende do Fundo Amazônia para manter a
fiscalização do Ibama. Em 2018 o corte foi ampliado, embora o orçamento do
Ibama tenha crescido na proposta enviada ao Congresso. O Programa Bolsa
Verde, que apoiava moradores de reservas extrativistas para não desmatar,
foi extinto.
- Trabalho
escravo – Uma portaria baixada em outubro restringiu o conceito de
trabalho escravo, tornando virtualmente impossível autuar esse crime.
- Agricultura
em terras indígenas – O ministro da Justiça, Torquato Jardim, anunciou que
o governo mandará ao Congresso uma proposta de arrendamento de terras
indígenas para o agronegócio. A medida pode aumentar o desmatamento, a
desagregação social e os conflitos.
O que o OC espera do Brasil
O Acordo de Paris exige um tremendo esforço
internacional, mas o que conta de verdade é o que cada país faz dentro de casa.
O OC espera que o Brasil aproveite a COP23 para alinhar discurso e prática.
Em Bonn, os representantes brasileiros precisam:
- Manifestar-se
claramente contra qualquer possibilidade de renegociação do acordo do
clima.
- Defender
um processo de Diálogo Talanoa que estimule a discussão sobre de onde virá
mais ambição, tanto nas metas de corte de emissão quanto nas de
financiamento, reconhecendo os alertas recentes da comunidade científica
sobre a necessidade de aumento substancial de ambição até 2020.
- Sinalizar
que o país está disposto a revisar sua NDC em 2018 a fim de aumentar seu
grau de ambição, desde que outros grandes emissores façam o mesmo.
Em Brasília, o governo precisa:
- Vetar
qualquer proposta que amplie os subsídios aos combustíveis fósseis, como a
MP 795.
- Retirar
o Projeto de Lei que reduz o Parque Nacional do Jamanxim.
- Anular
a orientação da AGU sobre marco temporal para terras indígenas e sustar
qualquer proposta de abrir as TIs ao agronegócio.
- Recompor
os orçamentos do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Fonte: ENVOLVERDE
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