A COP do
Sísifo.
por Alfredo Sirkis, de Bonn, durante a
COP23 –
É recorrente às COPs essa sensação de estar
girando em falso, de muita conversa pouca ação e menos ainda resultado. Há
conferências onde se sente um pequeno progresso palpável, aquém do necessário,
mas progresso, afinal. Ele nem sempre vem do processo negociador,
frequentemente de algum avanço político em um país importante ou um registro de
redução de emissões global ou nacional. Nada disso acontece na COP23. Sua pauta
nada tem de muito substantivo, trata-se de esmiuçar a aplicação do Acordo de
Paris, o manual de implementação de suas regras, a discussão de como discutir.
No entanto, o contexto político e científico internacional produz más notícias
que são reverberadas dentro da COP.
Vínhamos acompanhando com interesse a
possibilidade de as emissões por queima de combustível fóssil terem atingido o
seu “pico” em 2013 já que elas vinham estáveis — e até com uma ligeira queda–
coincidindo com anos de crescimento do PIB mundial. Isso é importante pois já
havíamos tido, no passado, que a redução de emissões de CO2 mundiais ocorre
sempre em anos recessivos.
Dessa vez havia algo diferente. Agora, cientistas
do Carbon Budget Project anunciam uma projeção de aumento de
2% das emissões, em 2017, o que seria o primeiro aumento, no agregado, desde a
estabilização. Isso teve um efeito de ducha fria; corresponderia a um aumento
de emissões de mais de 3%, na China, dado o uso mais intenso de suas térmicas a
carvão por causa da seca que afetou as hidroelétricas (algo com tendência
a se repetir) e de uma redução menor das emissões nos EUA, onde o “efeito
Trump” ainda não apareceu, mas poderá, mais adiante, se intensificar em função
da desregulamentação das normas nacionais da EPA (Agência Ambiental Federal).
Cabem certas ressalvas. A
primeira é que o ano não acabou. Além disso, a fonte que vem
registrando com precisão as emissões de CO2, por queima de combustível fóssil,
é a Agencia Internacional de Energia (IEA), de modo que, para seguirmos a série
histórica, teríamos que ter seus dados mais antigos, e não compará-los com o
de fontes diferentes. Por outro lado, as emissões por energia são a parte
do leão dos gases-estufa. Teríamos que acrescentar as emissões por desmatamento
que, em 2015 e 2016, aumentaram no Brasil e na Indonésia, e as “exponenciais” provenientes
da decrescente capacidade dos oceanos e das florestas de absorverem carbono,
das geleiras derretendo e do permafrost liberando metano
(CH4).
Tanto que, apesar dessa estabilização nos
relatórios de emissões de CO2/energia, a concentração de gases-estufa na
atmosfera medidas em partes por milhão (ppm) continuaram a subir em todo esse
período. Já andamos pelos 401 ppm e em alguns observatórios já se detectaram
concentrações de 407 ppm.
Lidamos com uma situação geopolítica adversa.
Trump parece muito isolado, mas acaba inspirando outros países carvoeiros como
a Polônia, que agora canta de galo mais alto com seu governo de
extrema-direita, disposto a resistir mais às pressões europeias. A próxima COP,
que irá abrir a discussão da descarbonização de logo prazo, a COP 24, será em
Katovice, o locus de uma enorme siderúrgica da época do comunismo, a Huta
Katovicza, em uma região cuja economia ainda depende bastante do carvão. Não
vai surpreender ninguém se ocorrerem, no ano que vem, manifestações carvoeiras
contra a COP, com crucifixos e fotos do Trump, desprezado ao redor do planeta,
mas admirado na Polônia que assim irá sediar — sabe-se Deus o porquê– sua
terceira COP.
Um dado interessante em Bonn atual vem sendo o
ativismo do governador Jerry Brown, que junto com seu antecessor, Arnold
Schwarzenegger, vem estrelando numerosos eventos em representação do que eu
chamaria de U(d)SA: United Decarbonizing States of America, que formam a quinta
economia do mundo. Brown negocia diretamente com a China, agita incessantemente
as plateias, mas deixa transparecer uma certa angústia. No evento da IRENA que
participei, mencionou o “duelo entre o pessimismo do intelecto e o otimismo do
coração, de um pensador que não vou aqui mencionar”.
Referia-se evidentemente
ao filosofo italiano Antonio Gramsci, mas por prudência não nominou, para que a
mídia não o acuse de comunista.
O clima da COP é de uma certa “deprê” e sua
surpreendente falta de organização não ajuda muito. Distâncias enormes, péssima
sinalização, grande perda de tempo o tempo todo. A proverbial organização alemã
dessa vez não compareceu. Saudades de Marraquexe. Ah, os marroquinos, esses
sim, sabiam como organizar uma COP…
Já o Brasil, preocupa. Poderia estar trazendo
notícias como a inflexão do desmatamento na Amazônia que, depois de dois anos
horríveis, apresenta agora queda de 16%, segundo o PRODES. O foco das atenções,
no entanto, se dirige para a esdrúxula MP 759, tramitando no Congresso,
que pode subsidiar a indústria de petróleo em quase um trilhão de
reais até 2040. Laurance Tubiana, que co-presidiu a Conferencia de Paris me
perguntou: “Que loucura é essa? Isso é verdade???” Expliquei que ainda fazia
parte das (más) intenções e que essa MP, se não for aprovada até dezembro, cai.
Trata-se então de balançar o pé de jaca!
*Alfredo Sirkis é jornalista,
ambientalista e secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças
Climáticas.
Fonte: ENVOLVERDE
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