Crise hídrica no Ceará, por conta
das secas constantes e do uso excessivo de água pelas termelétricas, mobiliza a
população.
Com ‘estado em colapso’ por conta das secas
constantes e do uso excessivo de água pelas termelétricas, comunidades se unem
para cobrar atitudes do governo.
Coesus – Coalizão Não Fracking Brasil e 350.org
Brasil.
População se reúne no distrito de Siupé, região
metropolitana de Fortaleza, para discutir estratégias de mobilização contra a
crise da água no estado (Foto: Ceará no Clima).
O Ceará tem vivenciado nos últimos anos a maior
sequência de secas jamais vista no estado. Isso movimenta uma engrenagem
viciosa que tem colocado a população em alerta geral. A falta de chuvas afeta
não só o consumo de água potável, mas também a geração de energia. Com os
reservatórios das hidrelétricas vazios, o governo é obrigado a acionar as
usinas termelétricas movidas a combustíveis fósseis, que possuem um custo maior
de operação, aumentando consequentemente o valor da conta de luz. As térmicas,
por sua vez, precisam de muita água para resfriar as máquinas. Dado esse
contexto, além de estarem pagando mais pela energia utilizada em suas casas no
momento, os cearenses ainda estão vendo a pouca água que lhes resta ser
totalmente consumida pelas térmicas do Complexo Industrial e Portuário do Pecém
(CIPP).
Pecém I e II são as duas maiores térmicas movidas a
carvão do país e têm autorização do governo estadual para captar até 800 litros
de água por segundo (ou 70 milhões de litros por dia) do Açude Castanhão, o
maior reservatório público do país para usos múltiplos, responsável pelo
abastecimento de toda a região metropolitana de Fortaleza, onde vive quase
metade da população do estado.
Segundo Alexandre Costa Araújo, professor da
Universidade Estadual do Ceará (UECE) e um dos fundadores do Fórum Ceará no Clima, esse tanto de água daria
para abastecer uma cidade de 600 mil habitantes.
Há cerca de uma semana, o Castanhão atingiu o seu
volume morto, termo utilizado quando o nível da água fica abaixo da captação
normal. Em caso de escassez de água, a lei estadual de recursos hídricos prevê
a suspensão das outorgas às empresas operadoras das usinas, sem que haja
indenização à mesmas. Apesar disso, elas seguem operando e consumindo toda a já
escassa água da região. A população local tem se mobilizado e denunciado o
descaso do governo estadual, acusando-o de piorar a situação das comunidades em
benefício das empresas operadoras do complexo.
“A conjunção da seca recorde devido às mudanças
climáticas com o consumo absurdo dessas empresas colocou o Ceará em situação de
colapso hídrico. E ao invés de desligar as termelétricas para assegurar a
prioridade do abastecimento humano, o governo vem secando uma após outra as
fontes de água locais. Começou com o Açude Sítios Novos, construído
especificamente para abastecer o completo, depois o Castanhão, e agora querem
detonar o Lagamar do Cauípe, uma zona de beleza natural formidável. Não podemos
chamar essa atitude de outra coisa senão criminosa”, defendeu Alexandre Costa.
Esgotamento dos reservatórios e resistência local
Lagamar do Cauípe é uma Área de Preservação
Ambiental (APA) onde, segundo relatos, há presença de comunidades ribeirinhas e
até indígenas, como do povo Anacé. Paulo Rubens, presidente da Associação
Comunitária do Cauípe, afirma que já há um projeto sendo colocado em prática no
local para retirada de 200 litros de água por segundo. “O governo tem se
preocupado em satisfazer as grandes empresas que consomem muita água e não com
quem precisa de água para viver. Enquanto elas gastam, nós não temos nem para
beber. Nenhum desses empreendimentos foi feito pensando no desenvolvimento
sustentável da região. Não houve audiências públicas ou debate com a
população”, atestou.
O cacique Roberto Anacé confirmou que não houve
qualquer tipo de consulta, o que fere direitos nacionais e internacionais, como
os previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Juntar um grupo que só representa um tipo de interesse não é consulta. Toda a
população precisa ser alertada do que está se passando. Eles têm que mostrar o
que está ocorrendo no interior do estado, onde já está praticamente tudo seco.
Está havendo ameaças, brigas por conta da água. Isso é o que vai acontecer aqui
no litoral também caso o governo permita que essa situação continue”, alertou a
liderança.
Na última segunda-feira aconteceu em Siupé,
município de São Gonçalo, região metropolitana de Fortaleza, uma grande
mobilização da população local afetada pela crise hídrica. Pescadores,
agricultores, líderes religiosos e comunitários, associações e educadores
reuniram-se para discutir ações para defender o direito à água e a preservação
dos mananciais da região. A comunidade decidiu se posicionar de forma contrária
à perfuração de 35 poços profundos que serviriam para abastecimento das usinas
de Pecém. Segundo o movimento Ceará no Clima, estiveram presentes cerca de 600
pessoas. Na próxima sexta-feira (24) será realizada uma audiência pública para discutir os impactos
socioambientais do complexo Pecém e do projeto de abertura dos poços para
extração de água.
Para o professor Alexandre Costa, a situação
atingiu um quadro de calamidade completa, com desalojamento de pessoas, perdas
na agricultura familiar, na pesca artesanal, no turismo comunitário e no
comércio local, além de outros prejuízos ao meio ambiente e à população. “Nós
do Ceará no Clima defendemos há muito tempo o desligamento das termelétricas.
Ninguém defende localmente essa energia. O estado não pode entrar em colapso
para manter um complexo energético altamente poluente, que emite 7 milhões de
toneladas de CO2 por ano, 1/4 das emissões de todo o estado. Esse modelo de
‘desenvolvimento’ é pura terra arrasada. A ação direta é a forma legítima de
resistência que ainda nos resta para garantir nosso direito básico à água”,
finalizou.
Desde 2015, a 350.org e a COESUS – Coalizão Não
Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida – se uniram ao movimento contra os
combustíveis fósseis no Ceará, apoiando e realizando audiências, palestras e espaços de debate entre as comunidades locais e
as autoridades municipais e estaduais, levando conhecimento e informação à
população. “Nos solidarizamos com a luta dos cearenses, marcharemos junto com
eles, como já fizemos outras vezes, e faremos o que
estiver ao nosso alcance para barrar Pecém e outros projetos que afetam as
pessoas e o clima do estado e de todo o planeta”, defendeu Nicole Figueiredo de
Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina.
Fonte: EcoDebate
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