Indígenas
da Amazônia pedem demarcação antes da ferrovia.
por Fabíola Ortiz –
Cada dia aumenta mais a preocupação das populações
indígenas que vivem na Amazônia por causa da ferrovia que
vai ligar os Oceanos Pacífico e Atlântico. Com cerca de cinco mil quilômetros
de extensão, o corredor ferroviário patrocinado por empresas chinesas vai
atravessar Peru, Bolívia e
Brasil barateando o escoamento de produtos via Pacífico. Ao mesmo tempo, no
entanto, atravessando as mais remotas comunidades indígenas.
“Além do problema que já temos de extração de
madeira e mineração, ambos ilegais, a ferrovia vai trazer outros problemas como
a construção de estradas que vão cruzar ao meio as reservas onde habitam povos
indígenas em isolamento”, disse ao Diálogo Chino Julio Cusurichi, presidente da
Federação Nativa do Rio Madre de Dios e Afluentes (FENAMAD), do Peru.
Para evitar que sejam pegas de surpresa, as
comunidades indígenas peruanas estão correndo contra o tempo para tentar
demarcar seus territórios e assegurar a titulação das terras onde seus
ancestrais viveram por gerações. Esta seria uma forma de se proteger contra
possíveis impactos causados por grandes obras de infraestrutura. “Hoje ainda
faltam uns 20% para serem demarcados”, explicou.
Da etnia Shipibo, a liderança indígena esteve na
última semana em Estocolmo para falar em uma conferência sobre a experiência da
região peruana de Madre de Dios, onde se conseguiu a demarcação de vários
territórios de sete povos indígenas distribuídos em 37 comunidades.
Em 2002, Cusurichi ajudou na criação de uma reserva
de 7.600 quilômetros quadrados para abrigar os povos indígenas em isolamento
voluntário. Cinco anos depois, ele recebeu o prêmio Goldman Prize de
meio ambiente – que homenageia todos os anos ativistas de direitos humanos e
ambientais.
Antes da ferrovia, a rodovia
Em 2000, durante a Cúpula dos Presidentes da
América do Sul, foi assinado um acordo para integrar as malhas rodoviárias do
Peru, Bolívia e Brasil. A chamada Iniciativa
para Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana (IIRSA) foi
um rotundo fracasso. Segundo dados de Promperú,
agência de promoção à exportação peruana, em 2015, o comércio entre Peru e
Brasil cresceu apenas US$ 2,9 milhões. Os mais de US$ 2 bilhões investidos para
conectar a malha rodoviária dos dois países não contribuíram para a
diversificação dos produtos e o comércio continuou incipiente.
Em setembro deste ano, os presidentes peruano e
boliviano, Pedro Pablo Kuczynski e Evo Morales, ratificaram na cidade peruana
de Arequipa o compromisso com o trem transcontinental. E, mais uma vez, foi
repetido o discurso de unir o porto de Santos, no Brasil, ao peruano de Ilo,
passando pela Bolívia, garantindo assim uma saída brasileira para o Pacífico.
A ferrovia pode
diminuir em até 25 dias o transporte comercial entre Brasil e China.
A construção da rodovia resultou em uma “má
experiência” para a população indígena peruana. Segundo Cusurichi, houve a
proliferação da extração ilegal tanto de minerais como de madeira, o que em sua
opinião, tem causado cada vez mais danos ambientais e afetado as condições de
vida dos povos indígenas. Além disso, o movimento na estrada abriu caminho para
o narcotráfico.
Em busca de aliados
Na tentativa de assegurar o direito legal às suas
terras, Cusurichi está buscando aliados, mesmo tendo dificuldades de
estabelecer diálogo com autoridades ministeriais peruanas. Uma de suas
conquistas foi a articulação com servidores do Ministério da Cultura para
promover ações conjuntas de proteção aos povos em isolamento voluntário, que
vivem numa reserva de 829 mil hectares.
Mais da metade do território peruano é composta por
florestas, sendo grande parte ocupada por povos indígenas. Garantir o acesso às
terras de usufruto comunitário na Amazônia peruana ajudaria a reduzir o
desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa, defendem organizações
como a Rights and Resources Initiative (RRI).
Muitas das comunidades indígenas em Madre de Dios
vivem sob a insegurança jurídica de seus territórios. Recentemente, essas
comunidades integraram um projeto piloto de apoio aos indígenas no mundo com o
objetivo de obterem o reconhecimento de suas terras. Sob o nome em inglês
de International Land and Forest
Tenure Facility, que foi lançado neste último dia 3 de outubro na Suécia,
os povos de Madre de Dios conseguiram apoio financeiro, técnico e jurídico para
reclamar o direito às suas terras.
Este fundo é de uma instituição constituída com
financiamento da Fundação Ford e das agências sueca e norueguesa de cooperação
para o desenvolvimento. O objetivo é ampliar o reconhecimento dos direitos
coletivos da terra como forma de reduzir conflitos, promover os direitos
humanos e ajudar a proteger o meio ambiente.
A meta é investir cerca de US$ 10 milhões por ano,
na próxima década, em projetos que visem garantir a titulação de terras
comunais e de povos nativos, correspondendo a cerca de 40 milhões de hectares.
Os povos indígenas da Amazônia peruana integraram
um conjunto de seis projetos pilotos. Os demais são na Indonésia, Mali,
Camarões, Libéria e Panamá, que juntos somam 1,78 milhões de hectares.
O sucesso na demarcação
Segundo Silvana Baldovino, diretora da Sociedade Peruana de Direito Ambiental (SPDA),
quem trabalhou em conjunto com a FENAMAD, ainda é preciso resolver problemas
conjunturais e conflitos na busca pela titulação da terra.
“Todos os projetos em Madre de Dios devem ser
analisados com muito cuidado por causa da existência dos povos em isolamento.
Qualquer contato pode acarretar no desparecimento de uma etnia”, disse ao
Diálogo Chino.
Atualmente, há muito interesse em explorar os
recursos naturais no Peru, comentou Baldovino. “A política nacional é de
promoção de investimento e, com isso, alguns padrões ambientais reduziram.
Madre de Dios é rica em ouro e em madeira. Há uma avalanche de mineração promovida
pela rodovia transcontinental que mobilizou muitas pessoas a invadir diversas
áreas”, disse com preocupação ao indicar que o movimento econômico que se
esperava com a rodovia não alcançou um terço do previsto.
“Já a entrada de atividades ilegais, desmatamento e
perda de recursos foi muito mais do que se pensou. Os impactos da estrada foram
muito fortes”, afirmou demonstrando preocupação com o projeto da ferrovia.
O apoio que a organização indígena recebeu do
‘Tenure Facility’ ajudou a geo-referenciar 112 mil hectares em Madre de Dios,
além de apoio técnico e jurídico. Três das etnias conseguiram obter a sua
demarcação, correspondendo a 60 mil hectares. A região tem uma rica diversidade
étnica com conhecimentos tradicionais e culturais. “Por isso, é importante
consolidar seus direitos, além de ser uma dívida histórica”, destacou a
advogada.
O fato de não terem a titulação de suas terras, faz
com que seja muito fácil que corporações e grandes projetos expulsem os
indígenas de suas áreas. “De repente, você vê um caminhão destruindo o lar onde
você viveu por gerações. Muitos indígenas passam por isso por não terem um
documento que comprove o título”, comentou Nonette Royo, diretora do
recém-criado ‘Tenure Facility’.
Hoje, o mundo inteiro está “de olho” na floresta
Amazônica, disse ao demonstrar preocupação com interesses comerciais e projetos
de infraestrutura. “Espero que os povos indígenas se fortaleçam para enfrentar
estes desafios. Nós queremos apoiá-los para que eles consigam adquirir o título
e, com isso, possam dialogar e negociar”, ressaltou.
Fonte: ENVOLVERDE
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