segunda-feira, 11 de junho de 2018


MPF e MP/PA pedem suspensão de licenciamento de oito pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) na bacia do Tapajós.

Processo judicial iniciado em Santarém demonstra ausência de estudos sobre impactos cumulativos e sustenta que licença não pode ser concedida pelo estado do Pará

Mapa mostra usinas e pequenas centrais hidrelétricas estudadas ou planejadas na bacia do Tapajós. Fonte: ação civil pública

O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MP/PA) ajuizaram ação civil pública apontando uma série irregularidades no licenciamento de dois complexos de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), em um total de oito PCHs, no rio Cupari, tributário da bacia do Tapajós, no município de Rurópolis, oeste do Pará. Por causa da gravidade dos problemas detectados, a ação pede a suspensão imediata do licenciamento, que ele seja retirado do âmbito da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e passe para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).

A federalização do licenciamento é necessária, dizem os procuradores da República e promotores de Justiça, por causa dos impactos em Unidades de Conservação e pelo fato de a bacia do Tapajós cortar dois estados, Pará e Mato Grosso. Ao contrário do que afirma o setor elétrico nas propagandas sobre PCHs, elas não têm o impacto reduzido, já que são instaladas dezenas na calha de um mesmo rio. “Em seu conjunto, elas acabam equivalendo a uma hidrelétrica de grande porte, senão se tornando até piores em termos de impactos. Como o licenciamento de cada uma é feito isoladamente, não é possível aferir nos estudos os impactos globais que serão gerados pelo conjunto de empreendimentos”, diz a ação judicial.

Quinze procuradores da República e três promotoras de Justiça assinam a ação judicial e sustentam que, “ao contrário do que é afirmado, a geração de energia por pequenas centrais hidrelétricas não objetiva preservar o meio ambiente, mas sim dificultar o controle e dimensionamento dos impactos reais que serão gerados pelo conjunto das centrais hidrelétricas instaladas na mesma bacia hidrográfica”. A ação também aponta que o objetivo é “transferir à Semas a atribuição para o licenciamento, ciente das limitações técnicas das secretarias estaduais para efetuar análise aprofundada dos estudos ambientais apresentados pelo empreendedor”, concluem.

Supostamente, por serem menores, essas pequenas centrais gerariam menores impactos ao meio ambiente. Por conta disso, o processo de outorga e concessão dos potenciais é simplificado, assim como o licenciamento. Todavia, quando analisado o cenário do planejamento do governo federal para implantação das PCHs e a forma de licenciamento delas, verifica-se que os impactos ambientais e sociais podem ser até maiores do que os das grandes usinas, sem qualquer controle ou previsibilidade sobre a extensão e a dimensão desses impactos.

Segundo informações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no caso de pequenas centrais, não há estudos acerca da quantidade e viabilidade ambiental das PCHs previstas por bacia. 

A instalação dessas PCHs nas mesmas corrente de água e bacia leva em conta exclusivamente o potencial de geração de energia da bacia ou do rio em questão. As outorgas obedecem à lógica do livre mercado. Só no Cupari, foram inventariadas outras 21 PCHs, além das oito que já estão em licenciamento. Em toda a bacia do Tapajós, são 44 empreendimentos hidrelétricos identificados pela Aneel e 40 PCHs planejadas ou inventariadas, além de 13 que já estão em funcionamento nos rios Juruena, Formiga, Gravari, Sacre e Sangue, todas na bacia do Juruena, formador do Tapajós, no Mato Grosso.

Decisão judicial – Na ação, os procuradores e promotores lembram que, no caso das grandes barragens planejadas para a bacia do Tapajós, a própria Justiça Federal ordenou a realização de uma Avaliação Ambiental Integrada, instrumento previsto na legislação ambiental brasileira. A decisão, em 2012, foi cumprida e avaliados os impactos das várias barragens previstas para a bacia, mas os estudos não abrangeram os empreendimentos do rio Cupari, que na época ainda não haviam sido inventariados pela Aneel. Menos de um mês depois da decisão judicial que obrigou a realização da avaliação ambiental integrada, foram aprovados os empreendimentos do Cupari, mas eles não foram incluídos no estudo.

Os empreendimentos do rio Cupari também terão impactos sobre unidades de conservação federais – a Floresta Nacional do Tapajós e a Floresta Nacional do Trairão – mas o órgão que está conduzindo o licenciamento, a Semas, sequer consultou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pelas áreas de proteção ambiental.

Sem respostas – Quando questionada pelo ICMBio, a Semas não prestou esclarecimentos sobre os impactos na área do complexo e das linhas de transmissão de energia. O ICMBio ficou sem respostas sobre se foi ou não feito estudo sobre a qualidade da água e sobre como o empreendimento afetará as comunidades tradicionais da floresta nacional (Flona) do Tapajós, tendo em vista que os estudos ambientais apontam que são esperadas “modificações nas características químicas decorrentes do barramento, tais como o aumento na concentração de nutrientes em função da retenção e alterações no transporte” e “modificações nas características físicas e químicas da água [que] têm como consequência as alterações nos padrões de estrutura, composição e diversidade das comunidades biológicas”.

Entre outros pontos, também não houve resposta a questionamento sobre a existência de estudo relativo à fauna aquática, especialmente sobre os peixes, assim como se o empreendimento afetará os estoques pesqueiros disponíveis nas comunidades ribeirinhas, tendo em vista que os estudos apresentados informam o seguinte: “durante o enchimento dos reservatórios do complexo hidrelétrico Cupari Braço Leste haverá redução temporária da vazão do rio Cupari à jusante dos barramentos. 

Consequentemente, modificações das comunidades de peixes poderão ocorrer em virtude das alterações do fluxo da água. Outro fator a ser avaliado é a interferência das barragens nos processos migratórios de determinadas espécies, provocando a interrupção do fluxo migratório dos peixes”.

O MPF e o MP/PA pedem na ação que os licenciamentos das PCHs no rio Cupari sejam suspensos imediatamente em decisão liminar. Pedem ainda que a Justiça obrigue o Ibama a fazer nova avaliação ambiental integrada levando em conta todos os empreendimentos hidrelétricos previstos para o rio Cupari e demais afluentes e sub-bacias da bacia do Tapajós; que sejam declaradas nulas quaisquer licenças emitidas pela Semas em favor dos empreendimentos; que seja determinado ao Ibama que assuma o licenciamento ambiental dos Complexos Hidrelétricos Cupari Braço Leste e Cupari Braço Oeste; que sejam complementados os estudos de impacto ambiental deficientes e resolvidas suas lacunas; e que seja determinado ao Ibama que realiza novas audiências públicas no município de Rurópolis, considerando os impactos ambientais integrados.


Processo nº 1000147-45.2018.4.01.3902


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