MPF e MP/PA pedem suspensão de licenciamento de oito pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) na bacia do Tapajós.
Processo judicial iniciado em Santarém demonstra ausência de estudos sobre impactos cumulativos e sustenta que licença não pode ser concedida pelo estado do Pará
Mapa mostra usinas e pequenas
centrais hidrelétricas estudadas ou planejadas na bacia do Tapajós.
Fonte: ação civil pública
O Ministério Público Federal (MPF)
e o Ministério Público do Estado do Pará (MP/PA) ajuizaram ação
civil pública apontando uma série irregularidades no licenciamento
de dois complexos de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), em um
total de oito PCHs, no rio Cupari, tributário da bacia do Tapajós,
no município de Rurópolis, oeste do Pará. Por causa da gravidade
dos problemas detectados, a ação pede a suspensão imediata do
licenciamento, que ele seja retirado do âmbito da Secretaria
Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e passe para o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
A federalização do licenciamento é
necessária, dizem os procuradores da República e promotores de
Justiça, por causa dos impactos em Unidades de Conservação e pelo
fato de a bacia do Tapajós cortar dois estados, Pará e Mato Grosso.
Ao contrário do que afirma o setor elétrico nas propagandas sobre
PCHs, elas não têm o impacto reduzido, já que são instaladas
dezenas na calha de um mesmo rio. “Em seu conjunto, elas acabam
equivalendo a uma hidrelétrica de grande porte, senão se tornando
até piores em termos de impactos. Como o licenciamento de cada uma é
feito isoladamente, não é possível aferir nos estudos os impactos
globais que serão gerados pelo conjunto de empreendimentos”, diz a
ação judicial.
Quinze procuradores da República e
três promotoras de Justiça assinam a ação judicial e sustentam
que, “ao contrário do que é afirmado, a geração de energia por
pequenas centrais hidrelétricas não objetiva preservar o meio
ambiente, mas sim dificultar o controle e dimensionamento dos
impactos reais que serão gerados pelo conjunto das centrais
hidrelétricas instaladas na mesma bacia hidrográfica”. A ação
também aponta que o objetivo é “transferir à Semas a atribuição
para o licenciamento, ciente das limitações técnicas das
secretarias estaduais para efetuar análise aprofundada dos estudos
ambientais apresentados pelo empreendedor”, concluem.
Supostamente, por serem menores,
essas pequenas centrais gerariam menores impactos ao meio ambiente.
Por conta disso, o processo de outorga e concessão dos potenciais é
simplificado, assim como o licenciamento. Todavia, quando analisado o
cenário do planejamento do governo federal para implantação das
PCHs e a forma de licenciamento delas, verifica-se que os impactos
ambientais e sociais podem ser até maiores do que os das grandes
usinas, sem qualquer controle ou previsibilidade sobre a extensão e
a dimensão desses impactos.
Segundo informações da Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no caso de pequenas centrais,
não há estudos acerca da quantidade e viabilidade ambiental das
PCHs previstas por bacia.
A instalação dessas PCHs nas mesmas
corrente de água e bacia leva em conta exclusivamente o potencial de
geração de energia da bacia ou do rio em questão. As outorgas
obedecem à lógica do livre mercado. Só no Cupari, foram
inventariadas outras 21 PCHs, além das oito que já estão em
licenciamento. Em toda a bacia do Tapajós, são 44 empreendimentos
hidrelétricos identificados pela Aneel e 40 PCHs planejadas ou
inventariadas, além de 13 que já estão em funcionamento nos rios
Juruena, Formiga, Gravari, Sacre e Sangue, todas na bacia do Juruena,
formador do Tapajós, no Mato Grosso.
Decisão judicial – Na ação,
os procuradores e promotores lembram que, no caso das grandes
barragens planejadas para a bacia do Tapajós, a própria Justiça
Federal ordenou a realização de uma Avaliação Ambiental
Integrada, instrumento previsto na legislação ambiental brasileira.
A decisão, em 2012, foi cumprida e avaliados os impactos das várias
barragens previstas para a bacia, mas os estudos não abrangeram os
empreendimentos do rio Cupari, que na época ainda não haviam sido
inventariados pela Aneel. Menos de um mês depois da decisão
judicial que obrigou a realização da avaliação ambiental
integrada, foram aprovados os empreendimentos do Cupari, mas eles não
foram incluídos no estudo.
Os empreendimentos do rio Cupari
também terão impactos sobre unidades de conservação federais –
a Floresta Nacional do Tapajós e a Floresta Nacional do Trairão –
mas o órgão que está conduzindo o licenciamento, a Semas, sequer
consultou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), responsável pelas áreas de proteção ambiental.
Sem respostas – Quando
questionada pelo ICMBio, a Semas não prestou esclarecimentos sobre
os impactos na área do complexo e das linhas de transmissão de
energia. O ICMBio ficou sem respostas sobre se foi ou não feito
estudo sobre a qualidade da água e sobre como o empreendimento
afetará as comunidades tradicionais da floresta nacional (Flona) do
Tapajós, tendo em vista que os estudos ambientais apontam que são
esperadas “modificações nas características químicas
decorrentes do barramento, tais como o aumento na concentração de
nutrientes em função da retenção e alterações no transporte”
e “modificações nas características físicas e químicas da água
[que] têm como consequência as alterações nos padrões de
estrutura, composição e diversidade das comunidades biológicas”.
Entre outros pontos, também não
houve resposta a questionamento sobre a existência de estudo
relativo à fauna aquática, especialmente sobre os peixes, assim
como se o empreendimento afetará os estoques pesqueiros disponíveis
nas comunidades ribeirinhas, tendo em vista que os estudos
apresentados informam o seguinte: “durante o enchimento dos
reservatórios do complexo hidrelétrico Cupari Braço Leste haverá
redução temporária da vazão do rio Cupari à jusante dos
barramentos.
Consequentemente, modificações das comunidades de
peixes poderão ocorrer em virtude das alterações do fluxo da água.
Outro fator a ser avaliado é a interferência das barragens nos
processos migratórios de determinadas espécies, provocando a
interrupção do fluxo migratório dos peixes”.
O MPF e o MP/PA pedem na ação que
os licenciamentos das PCHs no rio Cupari sejam suspensos
imediatamente em decisão liminar. Pedem ainda que a Justiça obrigue
o Ibama a fazer nova avaliação ambiental integrada levando em conta
todos os empreendimentos hidrelétricos previstos para o rio Cupari e
demais afluentes e sub-bacias da bacia do Tapajós; que sejam
declaradas nulas quaisquer licenças emitidas pela Semas em favor dos
empreendimentos; que seja determinado ao Ibama que assuma o
licenciamento ambiental dos Complexos Hidrelétricos Cupari Braço
Leste e Cupari Braço Oeste; que sejam complementados os estudos de
impacto ambiental deficientes e resolvidas suas lacunas; e que seja
determinado ao Ibama que realiza novas audiências públicas no
município de Rurópolis, considerando os impactos ambientais
integrados.
Processo nº
1000147-45.2018.4.01.3902
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