Crise ambiental, mudanças climáticas e os riscos na Amazônia.
Por Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)
A floresta amazônica, que já
perdeu quase 20% de sua área original, está mais vulnerável do que
se pensava. Pesquisas recentes apontam que a combinação de
desmatamento, aquecimento global e queimadas pode levar mais de 50%
do bioma a se transformar em uma savana até 2050. Se nada for feito
para impedir essa degradação, a perda da floresta deve alterar
drasticamente os regimes de chuva no centro e no sul do Brasil, com
prejuízos para a agricultura e falta de água para os moradores das
áreas urbanas.
Esses e outros dados que revelam a
dimensão do desafio das mudanças climáticas foram apresentados
pelo físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo
(USP) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC), em palestra (15/6) no Núcleo de Estudos
Avançados (NEA) do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Com o
tema Meio ambiente global e Amazônia em crise: O que
fazer?, o evento fez referência ao Dia Mundial do Meio Ambiente
(5/6). Para conhecer as edições anteriores do NEA, clique aqui.
Na abertura do seminário, o
coordenador do NEA, Renato Cordeiro, destacou o impacto das mudanças
climáticas para a saúde pública, em especial no que se refere à
transmissão de doenças infecciosas. “A progressiva destruição
do planeta e o aquecimento global vêm causando um incremento nas
doenças e na mortalidade dos seres humanos e de outros animais. A
dengue, a zika, a malária, a chikungunya, a tuberculose e as doenças
respiratórias, entre outras, são exemplos dessas fraturas
ambientais”, afirmou.
Comprovação científica
Em sua palestra, Artaxo ressaltou
que um conjunto cada vez maior de evidências científicas confirma
que a ação humana está alterando o planeta e ressaltou que os
altos índices de emissões de CO2 são uma causa importante das
transformações observadas. Enquanto, antes da revolução
industrial, cerca de três bilhões de toneladas de dióxido de
carbono eram lançadas anualmente na atmosfera, hoje esse valor se
aproxima dos 40 bilhões. Como desdobramentos, a temperatura na
superfície terrestre está 1,25°C mais quente, enquanto os oceanos
se tornaram 30% mais ácidos.
“Estamos no Antropoceno: uma era
em que nós, seres humanos, nos tornamos uma força geofísica, capaz
de mudar questões críticas no planeta”, declarou o pesquisador.
Ele destacou que quatro dos nove limites planetários relevantes para
a sustentabilidade ambiental já foram rompidos: as mudanças
climáticas (ligadas ao aquecimento global); a integridade da
biosfera (relacionada à perda de biodiversidade); o uso do solo
(associado ao desmatamento); e os ciclos biogeoquímicos de
nitrogênio e fósforo (derivados do uso de fertilizantes em larga
escala).
Prejuízo reconhecido
O cientista enfatizou que as
mudanças climáticas afetam todo o planeta, uma vez que a atmosfera
é um sistema aberto: uma molécula de dióxido de carbono emitida,
por exemplo, nos Estados Unidos, leva apenas dois dias para dar a
volta na Terra. Por outro lado, as consequências do aquecimento
global variam dependendo do local. No Brasil, cidades com mais de um
milhão de habitantes (como Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio
de Janeiro e Porto Alegre) precisarão se adaptar, uma vez que o
nível do mar deve subir de 22 cm a 100 cm até 2080, segundo
estimativas conservadoras.
De acordo com Artaxo, pela sua
gravidade, a crise ambiental atual não é apenas um problema
científico, mas uma questão econômica e ética. No ‘Relatório
de Riscos Globais 2018’, publicado pelo Fórum Econômico Mundial,
entre as cinco ameaças com maior probabilidade de ocorrer, três
estão ligadas ao meio ambiente: eventos climáticos extremos,
desastres naturais e fracasso das iniciativas para mitigação e
adaptação frente às mudanças climáticas. Entre os cinco riscos
com maior potencial de impacto para a economia, as mesmas questões
são apontadas, ao lado da crise hídrica. “O componente ético da
questão ambiental foi evidenciado, por exemplo, pela encíclica
sobre meio ambiente publicada pelo papa Francisco em 2015. Se
pensarmos na perda da biodiversidade, a questão ética é clara: que
direito nós, seres humanos, temos de eliminar diversas espécies do
planeta?”, questionou o especialista.
Entraves para a
sustentabilidade
Apesar das evidências científicas
e dos impactos reconhecidos, faltam ações efetivas para conter as
mudanças climáticas. Segundo o membro do IPCC, nos últimos cinco
anos, as tecnologias para produção de energia limpa, como eólica e
solar, se tornaram competitivas para substituir os combustíveis
fósseis, que constituem a maior fonte de emissões de CO2 no
planeta. Porém, são necessárias políticas públicas para acelerar
a sua implementação. “As soluções tecnológicas já existem e
são economicamente viáveis, mas não vão avançar sem políticas
públicas. Nenhum país do mundo expandiu o uso de carros elétricos
sem incentivos governamentais. No entanto, isso contraria os
interesses das indústrias automotivas, que ainda querem lucrar com
tecnologias atrasadas”, argumentou.
O cientista ponderou ainda que o
‘Acordo de Paris’, único compromisso internacional em vigor
atualmente sobre o tema, dificilmente atingirá a meta de conter o
aumento da temperatura média global abaixo de 2oC. Artaxo afirmou
que a maioria dos países está longe de cumprir os compromissos de
redução de emissões de CO2 assumidos voluntariamente, enquanto os
Estados Unidos abandonaram o tratado após a eleição do presidente
Donald Trump. “O componente humano é o maior fator de incerteza
para o futuro. As projeções climáticas são claras e a questão
que se coloca é: o que a humanidade vai fazer?”, declarou. “Nossa
sociedade é caracterizada pelo desperdício: de água, de alimentos,
de recursos naturais, de roupas, de celulares. Este tipo de
comportamento precisa mudar se quisermos construir uma sociedade
minimamente sustentável no futuro”, opinou.
Situação da Amazônia
O avanço do desmatamento na
Amazônia foi um dos exemplos de retrocesso ambiental citado por
Artaxo. Após uma tendência majoritária de queda entre 2004 e 2012,
a área desmatada na floresta voltou a crescer a partir de 2013 –
um ponto crítico, já que a vegetação contribui para conter o
aquecimento global. Atualmente, cerca de 30% das emissões de CO2 são
absorvidas pelas florestas, reduzindo a parcela de dióxido de
carbono na atmosfera e, consequentemente, o efeito estufa. Além
disso, no contexto local, a Amazônia desempenha um papel central
para a manutenção do fluxo de vapor d’água, que alimenta o
regime de chuvas das regiões central e sul do Brasil.
Citando uma pesquisa publicada em
abril deste ano, o pesquisador afirmou que o valor dos serviços
ambientais prestados pelos ecossistemas da América do Sul – onde a
Amazônia tem um papel significativo – foi calculado em US$ 14
trilhões por ano. O cálculo considera aspectos como segurança
alimentar, hídrica e energética, além das contribuições para a
saúde da população e a sobrevivência de culturas locais. “O
bioma amazônico é estratégico para o país e a sua destruição
contraria o interesse nacional. É fundamental preservar a floresta
para preservar os serviços ambientais que ela presta”, defendeu.
Debate urgente
A importância da conscientização
de todos – incluindo a comunidade acadêmica – para o
enfrentamento da crise ambiental foi um dos temas abordados no debate
realizado no encerramento da palestra. Lembrando o conceito de ‘One
Health’ (Saúde Única), pautado na integração entre saúde
humana, saúde animal e meio ambiente, o público comentou o impacto
da crise ambiental para a transmissão de doenças infecciosas. A
relevância do tema para as pesquisas desenvolvidas no IOC e para a
formação dos estudantes de pós-graduação do Instituto também
foi ponto de discussão. O descompasso entre a rapidez da degradação
ambiental e a lentidão das transformações tecnológicas,
econômicas e culturais necessárias para enfrentar o problema foi
mais um alvo das discussões. A urgência do tema foi enfatizada, com
apontamentos sobre a importância de manifestação da academia nos
debates para a implantação de políticas públicas efetivas contra
as mudanças climáticas.
Fonte: EcoDebate
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