quinta-feira, 28 de junho de 2018


Agrotóxicos: SBPC critica aprovação do ‘Pacote do Veneno’ na Comissão Especial da Câmara.

Jornal da Ciência
“Nos empenharemos para que este PL não seja aprovado, neste formato, no Plenário da Câmara”, afirma o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira. Por 18 votos a 9, comissão especial da Câmara dos Deputados deu aval ao projeto que modifica a Lei dos Agrotóxicos no Brasil em votação nesta segunda-feira.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) critica a aprovação pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, por 18 votos a 9, do Projeto de Lei (PL) nº 6.299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”, que altera a Lei dos Agrotóxicos e flexibiliza a produção e venda dessas substâncias no Brasil. A votação aconteceu nessa segunda-feira, 25, em sessão que restringiu a participação de organizações da sociedade civil.

“Lamentamos o resultado da votação na Comissão Especial da Câmara que analisa uma nova Lei de Agrotóxicos. A SBPC havia enviado um documento a todos os parlamentares da Comissão se manifestando contra a aprovação do Projeto de Lei Nº 6.299/2002, na sua formulação original, e demais projetos apensados. Esta manifestação, que foi apoiada por meia centena de sociedades científicas, alertava para os efeitos potencialmente catastróficos da aprovação deste PL para a saúde pública e para o meio-ambiente”, declara o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, referindo-se ao manifesto contrário ao PL, divulgado pela entidade no dia 22 de maio.

“Destacamos que seria importante a realização de um debate mais amplo e aprofundado sobre as possíveis consequências deste PL, e com tempo adequado. Claro que a legislação brasileira deve ser modernizada, que a burocracia excessiva deve ser reduzida, assim como os prazos de tramitação de processos, em toda a máquina pública brasileira – e esta é uma das batalhas da SBPC – mas, neste caso, isto está sendo usado como um biombo para a liberação sem controle adequado dos agrotóxicos, uma legislação que pode trazer consequências graves para a saúde da população e para o meio ambiente brasileiro. Esperamos e nos empenharemos para que este PL não seja aprovado, neste formato, no plenário da Câmara”, afirma Moreira.

Segundo o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, este é um debate que deve estar fortemente baseado na ciência. “Essa questão tem que ser tratada com consciência. Qualquer comissão que venha a examinar essa questão deve ter uma representação forte da ciência. Essa é a maneira de sair de uma discussão que envolve grupos de interesse para uma discussão que vai beneficiar diretamente a sociedade brasileira”, observa.

Retrocessos

Um dos pontos previstos no PL é que os agrotóxicos possam ser liberados pelo Ministério da Agricultura mesmo se órgãos reguladores, como Ibama e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não tiverem concluído suas análises.

No manifesto contra o PL, a SBPC atestou que o uso excessivo de agrotóxicos ameaça seriamente os ecossistemas além de representar um problema grave para a saúde. A presença desses compostos nos ecossistemas terrestres e aquáticos representa um risco para os organismos, com vários efeitos negativos já reportados e resultantes desta exposição. “Um relatório do Ministério da Saúde, de 2018, registrou 84.206 notificações de intoxicação por agrotóxico entre 2007 e 2015. A Anvisa apontou, em 2013, que 64% dos alimentos no Brasil estavam contaminados por agrotóxicos. Registre-se que, em apenas doze anos, entre 2000 e 2012, houve um aumento de 288% no uso de agrotóxicos no Brasil”, ressaltou a entidade no documento que foi endossado por mais de 50 sociedades científicas de todo o País.

“Essa aprovação é um retrocesso, porque o projeto tem uma lógica de uma agricultura mecanizada, com alto investimento de fertilizantes e de agrotóxicos, que é uma lógica ultrapassada. Essa ideia era do final da Segunda Guerra Mundial. É uma agricultura que afeta a saúde da população, e a gente ainda nem tem ideia de quanto isso prejudica de fato. Afeta os ecossistemas, o solo, a água. Estamos em outro momento. Não podemos esquecer que há um movimento de legislações contrárias a isso nos Estados Unidos e Europa”, ressalta Christina Helena da Mota Barboza, presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), uma das entidades que endossaram o manifesto da SBPC. “Ainda cabe uma mobilização da população contra, mas para isso, as pessoas precisam estar devidamente informadas”, acrescenta.

Engavetada por 14 anos, a proposta foi ressuscitada pelo ministro Blairo Maggi, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, autor original do PL, quando era senador, em 2002. Seguindo a votação pela comissão especial nessa segunda-feira, a matéria agora deve ser discutida e votada em Plenário, em período ainda a ser definido, para ser levada à votação no Senado e, por fim, por sanção do presidente da República.

“É um crime. O que fizeram na Comissão Especial é um crime contra a saúde humana. O povo mais pobre pagará com sua própria vida ao se alimentar com comida recheada de veneno, agrotóxicos dos mais terríveis. E tudo isso para beneficiar produtos industriais de empresas estrangeiras que só querem saber do lucro. O Plenário da Câmara precisa vetar o PL 6299/2002”, declarou ao Jornal da Ciência a deputada Jandira Fegahli, única mulher entre os nove parlamentares que se manifestaram contrários à aprovação do PL.

Na sessão de ontem, os parlamentares contrários à votação do PL destacaram as manifestações e notas técnicas com críticas contundentes ao projeto apresentadas por entidades reconhecidas nacional e internacionalmente, como a SBPC, a Anvisa, a Defensoria Pública da União, o Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, o Ministério da Saúde, a Fundação Oswaldo Cruz, o Ibama, o Instituto Nacional do Câncer, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, além de mais de 300 organizações da sociedade civil.

“As notas técnicas foram muito claras no sentido de demonstrar que seria um grave retrocesso a aprovação deste projeto e, no entanto, a comissão insistiu no erro e aprovou aquele absurdo. Foi um resultado péssimo para o Brasil, porque demonstrou o desprezo da maioria da comissão pela ciência brasileira”, afirma o deputado Alessandro Molon.

O deputado diz que a estratégia agora é redobrar a mobilização com a sociedade civil e o contato com as entidades científicas para alertar a população do que isso representa em termos de risco e evitar que esse projeto vá para o Plenário da Câmara dos Deputados. “Eu não acredito que o presidente da Câmara coloque a matéria em votação no Plenário antes das eleições. Portanto, as chances de aprovação ou reprovação desse projeto depende muito de qual Congresso teremos depois das eleições de outubro e de quem vencerá as eleições presidenciais. Essas eleições podem favorecer ou dificultar a aprovação de um projeto como esse”, observa.

Molon foi o deputado escolhido para presidir a comissão especial que analisará o projeto que cria a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos – PNARA (PL 6670/2016). “A PNARA é importante para mostrar que existe um outro caminho que permite produzir com lucratividade protegendo, ao mesmo, o meio ambiente e a vida humana. Há alternativas ao veneno e é isso que mostraremos na Comissão desse projeto”, diz.

Uma audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir a PNARA está marcada para esta terça-feira, 26, com a presença de entidades como Fiocruz, USP, Terra de Direitos, Ibama, Instituto Nacional do Câncer e Anvisa – que não foram ouvidas na comissão do PL 6299/2002 de ontem. A sessão tem transmissão ao vivo neste link.

Confira abaixo quem votou a favor e contra o PL 6.299/2002:

.Os 18 deputados que votaram a favor do “Pacote do Veneno” são os seguintes:
Adilton Sachetti(PRB-MT),
Alberto Fraga(DEM-DF),
Alceu Moreira(MDB-RS),
Celso Maldaner(MDB-SC),
César Halum(PRB-TO),
Covatti Filho(PP-RS),
Fábio Garcia(DEM-MT),
Geraldo Rezende(PSDB-MS),
Junji Abe(MDB-SP),
Luís Carlos Heinze(PP-RS),
Luiz Nishimori(PR-PR),
Marcos Montes(PSD-MG),
Nilson Leitão(PSDB-MT),
Victorio Galli(PSL-MT),
Sérgio Souza(MDB-PR),
Tereza Cristina(DEM-MS),
Valdir Colatto(MDB-SC) e
Zé Silva(SD-MG).

Os nove deputados que votaram contra a aprovação do Pacote do Veneno são:
Alessando Molon (PSB-RJ),
Bohn Gass(PT-RS),
Edmilson Rodrigues(PSOL-PA),
Ivan Valente(PSOL-SP),
Jandira Feghali(PCdoB-RJ),
Júlio Delgado(PSB-MG),
Nilto Tatto (PT-SP),
Padre João(PT-MG) e
Subtenente Gonzaga(PDT-MG).

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