segunda-feira, 17 de abril de 2017

Educação como ação contra as desigualdades.
Priscilla Bonini Ribeiro (*) – 

Durante os anos de transição da ditadura militar para o regime democrático, evidenciou-se o papel da Educação como ferramenta de transformação de uma sociedade marcada por profundas desigualdades sociais, uma realidade desconhecida por muitos por ter sido escamoteada anos a fio. Estava claro que cabia a nós, cidadãos brasileiros, refletir e agir para mudar aquele cenário no quadro da nascente democracia.

Inicialmente, discutiu-se a importância de acabar com o analfabetismo adulto. Depois, houve a preocupação com a formação dos professores. Mas ações emergenciais adotadas naquele contexto acabaram prejudicando soluções realmente abrangentes para aqueles graves problemas. A pressa foi inimiga da perfeição e hoje é preciso realinhar o ensino brasileiro com metas iguais para condições desiguais.

Os problemas sociais que o Brasil enfrenta se agravam a cada dia. Assim, é provável que, nos próximos anos, deva aumentar ainda mais o número de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Essa população não está apenas concentrada nas periferias; ela se espalha pelas cidades, instalando-se em todos os bairros e saindo de uma cidade para outra, o que dificulta muito sua mensuração.

A extensão territorial e a diversidade socioeconômica e cultural do país, por outro lado, dificultam ações locais. Para reduzir a distorção na oferta de ensino de qualidade, essas ações necessitam de incentivos federais ou estaduais. É importante frisar também que a qualidade de ensino no Brasil é avaliada por exames padronizados que não consideram as diferenças culturais e muito menos as multiplicidades que cada região do país apresenta.
Quando se propõe aumentar a oferta e ampliar o acesso à escola esbarramos em questões financeiras e administrativas, de difícil solução em muitos municípios de nosso país. O fato é que por mais incentivo que se possa dar ao ensino, como ocorre nas metas do PNE, o respaldo social, administrativo e político não é tão animador assim. Então, a educação tem o seu caminho para a equidade social interrompido não por uma pedra, mas por uma cadeia de fatores cuja superação só é possível com a colaboração social, empresarial e principalmente, dos entes federados – União, Estados e Municípios.

Educação como solução

Como dissemos, a Educação deve ser entendida como solução, ou pelo menos como atenuante para as desigualdades sociais. Para tanto, é necessário ajustar a Educação brasileira às novas tendências educacionais. Os desafios são muitos e as escolhas das estratégias farão a diferença.

Convivemos com um quadro educacional em que é mais “fácil” entrar na escola do que “sair” dela com a conclusão total do ciclo. Sem falar na qualidade de ensino que também não é igual em todas as escolas do país. Quanto mais avança a educação, mais se escancaram as enormes evidências de desigualdades sociais e regionais.

Diante desse quadro, é preciso refletir sobre algumas questões: o quanto a educação crescerá realmente, com este quadro de desigualdade social não considerado no PNE? Como ajustar as metas padronizadas de universalização quando as divergências regionais tornam-se grandes entraves? Qual a perspectiva que a atual geração tem ao ser tratada como igual num mundo de desiguais?

As metas do PNE visam à universalização do ensino, com cada aluno matriculado e cursando os ciclos escolares de acordo com a idade certa. Antigamente, o aluno só entrava na escola aos sete anos; hoje ele frequenta os bancos escolares com meses de idade, primeiro em creches, seguindo para a pré-escolar, ensino fundamental 1 e 2, no conjunto de ciclo denominado ensino básico obrigatório; depois vem o ensino médio e o ensino superior.

Logo na primeira fase as diferenças sociais ficam evidentes. A demanda para creche aumenta a passos largos e a oferta de vagas nas redes municipais não consegue acompanhar essa procura. A fila de espera por uma vaga é grande e injusta, em determinados casos, quando ocorre a judicialização.

Gargalos da educação

No ensino fundamental a dificuldade é terminar a primeira e a segunda etapa. São gargalos diferenciados. Entretanto, muitas crianças não conseguem acompanhar o ritmo escolar devido às condições sociais em que vivem. Já está mais do que provado que a alimentação, o ambiente domiciliar, a participação da família, entre outros, são fatores determinantes na vida de um aluno. Quando esses fatores são afetados pela condição social da família o resultado é percebido nas salas de aulas, onde as dificuldades aparecem e persistem.

No ensino fundamental 2 o problema fica ainda mais flagrante quando percebemos que, apesar de os alunos terem chegado a essa etapa de ensino, ainda não sabem interpretar textos e apresentam muita dificuldade para entender cálculos. Sair do ensino fundamental com uma formação de qualidade não é, ainda, a realidade da educação brasileira.

Com os problemas surgidos no ensino fundamental, entrar no ensino médio torna-se cada vez mais distante e a evasão escolar cresce nesta passagem de nível escolar. Muitos dos que conseguem entrar no ensino médio carregam a bagagem de despreparo para enfrentar as novas disciplinas. O resultado são alunos que saem do ensino médio sem condições acadêmicas suficientes para encarar o ensino superior.

E temos, então, no ensino superior, a mesma situação. Muito embora o número de pessoas que entra em uma faculdade tenha aumentado, incentivados pelos programas nacionais de financiamentos e bolsas de estudos em instituições particulares, a qualidade do aluno é precária e as dificuldades, que se iniciaram lá atrás, no ensino fundamental, ficam gritantes.

Os gestores educacionais têm metas a cumprir e as penalidades inerentes do descumprimento das metas não consideram as condições sociais dos alunos. Iguala-se, portanto, os desiguais sem a devida preparação para que esses desiguais possam ter condições de aprimorar o aprendizado, ante as condições sociais em que vivem. Será difícil, então, reverter esse quadro de desigualdades sociais com a obrigatoriedade no cumprimento de metas que visam muito mais a quantidade da oferta do que a qualidade do ensino.

Sem dúvida, a educação escolar é a ferramenta que gera a cidadania e que é capaz de mudar destinos. Sem dúvida, é por meio da educação que uma nação se torna desenvolvida. Mas não se pode exigir que a educação seja a grande responsável por tudo aquilo que as políticas públicas não fizeram: gerar condições de desenvolvimento pessoal pleno e em todos os sentidos.

Enfim, é fato que a educação é capaz sim de resolver as desigualdades sociais que existem em nosso país, mas ela não poderá arcar sozinha com o ônus que há anos está batendo à nossa porta. Os educadores, gestores e administradores, principalmente da esfera municipal, são os que mais serão responsabilizados pelo não cumprimento das metas do PNE.

Não é uma questão de ser isso justo ou injusto. É preciso reconhecer que, para que as metas do PNE fossem factíveis, as condições sociais da população precisariam ser muito melhores do que são hoje. Metas iguais para desiguais só irá ampliar o problema e protelar sua solução.

Desiguais não são iguais

Não resolveremos as desigualdades sociais com o atual PNE, que impõe o fardo à Educação. Não resolveremos as desigualdades sociais sem que haja uma política pública apartidária que elabore e implemente um regime de colaboração condizente com as diversas realidades que cada município enfrenta e enfrentará para cumprir metas e mais metas.

Não podemos tratar os desiguais como iguais, como se as diferenças não existissem. Para combater as discrepâncias sociais é preciso uma educação de qualidade com iguais oportunidades para todos, dentro dos parâmetros de universalização do ensino defendido pelo PNE. Mas é necessário mais do que isso. A educação pode sim modificar toda a nossa sociedade e nos dar melhores condições de vida, mas, enfatizo, se em seus parâmetros as desigualdades sociais não forem consideradas, a educação não dará o seu grande salto.

(*) Priscilla Bonini Ribeiro é Secretária Municipal de Educação de Guarujá e Conselheira Estadual de Educação do Estado de São Paulo; Mestre em Educação pela Universidade Medotista de São Paulo.


Fonte: ENVOLVERDE

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