Educação
como ação contra as desigualdades.
Priscilla Bonini Ribeiro (*) –
Durante os anos de transição da ditadura militar
para o regime democrático, evidenciou-se o papel da Educação como ferramenta de
transformação de uma sociedade marcada por profundas desigualdades sociais, uma
realidade desconhecida por muitos por ter sido escamoteada anos a fio. Estava
claro que cabia a nós, cidadãos brasileiros, refletir e agir para mudar aquele
cenário no quadro da nascente democracia.
Inicialmente, discutiu-se a importância de acabar
com o analfabetismo adulto. Depois, houve a preocupação com a formação dos
professores. Mas ações emergenciais adotadas naquele contexto acabaram
prejudicando soluções realmente abrangentes para aqueles graves problemas. A
pressa foi inimiga da perfeição e hoje é preciso realinhar o ensino brasileiro
com metas iguais para condições desiguais.
Os problemas sociais que o Brasil enfrenta se
agravam a cada dia. Assim, é provável que, nos próximos anos, deva aumentar
ainda mais o número de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Essa
população não está apenas concentrada nas periferias; ela se espalha pelas
cidades, instalando-se em todos os bairros e saindo de uma cidade para outra, o
que dificulta muito sua mensuração.
A extensão territorial e a diversidade
socioeconômica e cultural do país, por outro lado, dificultam ações locais.
Para reduzir a distorção na oferta de ensino de qualidade, essas ações
necessitam de incentivos federais ou estaduais. É importante frisar também que
a qualidade de ensino no Brasil é avaliada por exames padronizados que não
consideram as diferenças culturais e muito menos as multiplicidades que cada
região do país apresenta.
Quando se propõe aumentar a oferta e ampliar o
acesso à escola esbarramos em questões financeiras e administrativas, de
difícil solução em muitos municípios de nosso país. O fato é que por mais
incentivo que se possa dar ao ensino, como ocorre nas metas do PNE, o respaldo
social, administrativo e político não é tão animador assim. Então, a educação
tem o seu caminho para a equidade social interrompido não por uma pedra, mas
por uma cadeia de fatores cuja superação só é possível com a colaboração
social, empresarial e principalmente, dos entes federados – União, Estados e
Municípios.
Educação como solução
Como dissemos, a Educação deve ser entendida como
solução, ou pelo menos como atenuante para as desigualdades sociais. Para
tanto, é necessário ajustar a Educação brasileira às novas tendências
educacionais. Os desafios são muitos e as escolhas das estratégias farão a
diferença.
Convivemos com um quadro educacional em que é
mais “fácil” entrar na escola do que “sair” dela com a conclusão total do
ciclo. Sem falar na qualidade de ensino que também não é igual em todas as
escolas do país. Quanto mais avança a educação, mais se escancaram as enormes
evidências de desigualdades sociais e regionais.
Diante desse quadro, é preciso refletir sobre
algumas questões: o quanto a educação crescerá realmente, com este quadro de
desigualdade social não considerado no PNE? Como ajustar as metas padronizadas
de universalização quando as divergências regionais tornam-se grandes entraves?
Qual a perspectiva que a atual geração tem ao ser tratada como igual num mundo
de desiguais?
As metas do PNE visam à universalização do
ensino, com cada aluno matriculado e cursando os ciclos escolares de acordo com
a idade certa. Antigamente, o aluno só entrava na escola aos sete anos; hoje
ele frequenta os bancos escolares com meses de idade, primeiro em creches, seguindo
para a pré-escolar, ensino fundamental 1 e 2, no conjunto de ciclo denominado
ensino básico obrigatório; depois vem o ensino médio e o ensino superior.
Logo na primeira fase as diferenças sociais ficam
evidentes. A demanda para creche aumenta a passos largos e a oferta de vagas
nas redes municipais não consegue acompanhar essa procura. A fila de espera por
uma vaga é grande e injusta, em determinados casos, quando ocorre a
judicialização.
Gargalos da educação
No ensino fundamental a dificuldade é terminar a
primeira e a segunda etapa. São gargalos diferenciados. Entretanto, muitas
crianças não conseguem acompanhar o ritmo escolar devido às condições sociais
em que vivem. Já está mais do que provado que a alimentação, o ambiente
domiciliar, a participação da família, entre outros, são fatores determinantes
na vida de um aluno. Quando esses fatores são afetados pela condição social da
família o resultado é percebido nas salas de aulas, onde as dificuldades
aparecem e persistem.
No ensino fundamental 2 o problema fica ainda
mais flagrante quando percebemos que, apesar de os alunos terem chegado a essa
etapa de ensino, ainda não sabem interpretar textos e apresentam muita
dificuldade para entender cálculos. Sair do ensino fundamental com uma formação
de qualidade não é, ainda, a realidade da educação brasileira.
Com os problemas surgidos no ensino fundamental,
entrar no ensino médio torna-se cada vez mais distante e a evasão escolar
cresce nesta passagem de nível escolar. Muitos dos que conseguem entrar no
ensino médio carregam a bagagem de despreparo para enfrentar as novas
disciplinas. O resultado são alunos que saem do ensino médio sem condições
acadêmicas suficientes para encarar o ensino superior.
E temos, então, no ensino superior, a mesma
situação. Muito embora o número de pessoas que entra em uma faculdade tenha
aumentado, incentivados pelos programas nacionais de financiamentos e bolsas de
estudos em instituições particulares, a qualidade do aluno é precária e as
dificuldades, que se iniciaram lá atrás, no ensino fundamental, ficam
gritantes.
Os gestores educacionais têm metas a cumprir e as
penalidades inerentes do descumprimento das metas não consideram as condições
sociais dos alunos. Iguala-se, portanto, os desiguais sem a devida preparação
para que esses desiguais possam ter condições de aprimorar o aprendizado, ante
as condições sociais em que vivem. Será difícil, então, reverter esse quadro de
desigualdades sociais com a obrigatoriedade no cumprimento de metas que visam
muito mais a quantidade da oferta do que a qualidade do ensino.
Sem dúvida, a educação escolar é a ferramenta que
gera a cidadania e que é capaz de mudar destinos. Sem dúvida, é por meio da
educação que uma nação se torna desenvolvida. Mas não se pode exigir que a
educação seja a grande responsável por tudo aquilo que as políticas públicas
não fizeram: gerar condições de desenvolvimento pessoal pleno e em todos os
sentidos.
Enfim, é fato que a educação é capaz sim de
resolver as desigualdades sociais que existem em nosso país, mas ela não poderá
arcar sozinha com o ônus que há anos está batendo à nossa porta. Os educadores,
gestores e administradores, principalmente da esfera municipal, são os que mais
serão responsabilizados pelo não cumprimento das metas do PNE.
Não é uma questão de ser isso justo ou injusto. É
preciso reconhecer que, para que as metas do PNE fossem factíveis, as condições
sociais da população precisariam ser muito melhores do que são hoje. Metas
iguais para desiguais só irá ampliar o problema e protelar sua solução.
Desiguais não são iguais
Não resolveremos as desigualdades sociais com o
atual PNE, que impõe o fardo à Educação. Não resolveremos as desigualdades
sociais sem que haja uma política pública apartidária que elabore e implemente
um regime de colaboração condizente com as diversas realidades que cada
município enfrenta e enfrentará para cumprir metas e mais metas.
Não podemos tratar os desiguais como iguais, como
se as diferenças não existissem. Para combater as discrepâncias sociais é
preciso uma educação de qualidade com iguais oportunidades para todos, dentro
dos parâmetros de universalização do ensino defendido pelo PNE. Mas é
necessário mais do que isso. A educação pode sim modificar toda a nossa sociedade
e nos dar melhores condições de vida, mas, enfatizo, se em seus parâmetros as
desigualdades sociais não forem consideradas, a educação não dará o seu grande
salto.
(*) Priscilla Bonini Ribeiro é Secretária
Municipal de Educação de Guarujá e Conselheira Estadual de Educação do Estado
de São Paulo; Mestre em Educação pela Universidade Medotista de São Paulo.
Fonte: ENVOLVERDE
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