RIC (Rússia, Índia e China): o
triângulo estratégico que pode mudar a governança mundial, artigo de José
Eustáquio Diniz Alves.
O termo BRIC (tijolo em inglês) foi inventado, em
2001, pelo economista Jim O’ Neill, do banco de investimento Goldman Sachs, com
o objetivo de orientar as empresas e os investidores mundiais como ganhar dinheiro
com os grandes países “emergentes” do mundo: Brasil, Rússia, Índia, China.
Estes quatro países estão entre aqueles da comunidade internacional com maior
território ou maior população. O termo fez grande sucesso, especialmente no
período do superciclo das commodities.
Mas no acrônimo original não havia
nenhum país da África, o que era politicamente incorreto. Então foi incluída a
África do Sul (South África) e o termo BRIC ganhou uma letra a mais, se
transformando em BRICS (que seriam os tijolos da nova economia global). Porém,
a África do Sul sempre foi um país muito pequeno (diante dos 3 gigantes) e o
Brasil virou país submergente, depois de quatro anos de redução do PIB per
capita (de 2014 a 2017). Quinze anos após a invenção do termo, os BRICS desmoronaram.
Mas tirando a primeira letra e a última, o acrônico
vira RIC (Rússia, Índia e China) que são os três países que estão forjando uma
nova aliança estratégica global e reconfigurando a governança mundial. A Rússia
possui o maior território do mundo (área de 17,1 milhões de km², mais de duas
vezes o tamanho do Brasil). Índia e China são os dois países mais populosos. Em
2016, a China tinha 1,38 bilhão de habitantes e a Índia 1,33 bilhão de
habitantes (a Rússia tinha 143 milhões de habitantes). Daqui a 20 anos, em
2036, a China terá 1,39 bilhão e a Índia terá 1,66 bilhão (a Rússia terá 132
milhões de habitantes). Portanto, até 2036, Índia e China (IC), somarão mais de
3 bilhões de habitantes.
Em termos econômicos os RICs já são uma parcela
significativa na economia internacional. Segundo dados de 2016, do FMI (em
poder de paridade de compra – ppp), o PIB da China era de US$ 20,9 trilhões, o
da Índia de US$ 8,6 trilhões e da Rússia de US$ 3,7 trilhões. Portanto, os RIC
tinham um PIB conjunto (em ppp) de US$ 33,2 trilhões. Para comparação, o PIB
dos EUA (em ppp), em 2016, era de US$ 18,6 trilhões. Os RIC caminham para ter
uma economia duas vezes maior do que a americana e uma população quase dez
vezes maior (embora a renda per capita seja entre cinco e seis vezes menor).
Artigo de Federico Pieraccini (11/03/2017) mostra
que, enquanto o mundo continua a decifrar, ou digerir, as incógnitas da nova
presidência isolacionista dos EUA, de Donald Trump, diversas mudanças
importantes estão em andamento na área formada por Rússia, a Ásia Central, a
Índia e a China. Enquanto os EUA enveredam no nacionalismo e no bairrismo, há
avanços importantes no continente euro-asiático. Com uma população de mais de
cinco bilhões de pessoas, o futuro da humanidade passa por esse imenso
território. China, Rússia e Irã, estados euro-asiáticos fundamentais, estão
esculpindo um papel de liderança no desenvolvimento do vasto continente. A
Índia e a China são importantes consumidores de gás do Irã. Além disto, tanto a
China quanto a Índia estão cooperando com a Rússia em uma base militar, o que
ajuda a entender como Washington perde influência.
Ainda segundo Pieraccini, olhando para os grandes
projetos dentro do continente euro-asiático, várias iniciativas se destacam. O
projeto “One Belt, One Road”, proposto por Pequim (investimentos de cerca de um
trilhão de dólares nos próximos dez anos); a União Econômica Euro-asiática
(EAEU) onde Moscou busca integrar as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central;
e as iniciativas do Irã no Oriente Médio com o objetivo de trazer estabilidade
e prosperidade para a região da Eurásia. O papel indiano neste contexto é mais
difícil de administrar, comprimido dentro de um sentimento anti-Paquistão e
anti-chinês, bem como uma sujeição aos Estados Unidos, acompanhado de boa
amizade histórica com a Federação Russa.
O papel de Nova Delhi nesta parte do mundo é o mais
indecifrável, vendo os esforços da Índia (inescrutável) para avançar seus
próprios objetivos estratégicos. A importância estratégica de Moscou e Teerã é essencial
para equilibrar a posição indiana. Historicamente, a Índia era um importante
aliado da URSS e a Índia continuava militarmente a avançar importantes projetos
militares com a Rússia. Nos últimos anos, a República Islâmica do Irã tem
contribuído grandemente para a diversificação da oferta de energia indiana. O
fato de Teerã ser um parceiro privilegiado de Pequim mostra como é um mundo
multipolar e também ajuda a equilibrar o sentimento anti-chinês profundamente
enraizado no establishment indiano. Neste caso, a Rússia e o Irã estão
claramente desempenhando um papel mediador entre a China e a Índia.
Ainda segundo o autor, a estratégia global das três
principais nações eurasiáticas visa, principalmente, fortalecer as fronteiras
nacionais dos países com as regiões mais turbulentas. Em uma visão estratégica,
que historicamente incorpora décadas de planejamento, Teerã, Moscou e Pequim
compreenderam plenamente que a estabilidade é o principal objetivo a ser
alcançado a fim de promover efetivamente o desenvolvimento econômico que
beneficia todas as nações envolvidas. O presidente das Filipinas, Rodrigo
Duterte, entendeu os ganhos potenciais da cooperação multipolar e o caminho
seguido por seu país nos últimos meses forja um caminho para todas as outras
nações asiáticas, especialmente depois que os EUA abandonaram a Parceria
Trans-Pacífico (TPP).
O fato é que Rússia, Índia e China (RIC) estão
assumindo um protagonismo crescente na Eurásia, com forte influência nos
oceanos Pacífico e Índico. Não será difícil ampliar esta influência para a
África e a América Latina. A China já é líder na produção de energias
renováveis e tem um projeto de construir uma rede elétrica global UHVDC de US$
50 trilhões até 2050. Isto seria fundamental para a mudança da matriz energética
e para a redução das emissões de gases de efeito estufa (Alves, 13/03/2017).
Parece que as elites ocidentais (Estados Unidos e
Europa) vão ter que se conformar com um papel diminuído na futura ordem
internacional. Isto abre espaço para que o “Consenso de Beijing” substitua o
“Consenso de Washington”. Enquanto os EUA constroem muro e a Europa se fecha
aos imigrantes e refugiados, os RIC fortalecem um triângulo que está mudando a
correlação de forças econômicas globais e a governança internacional. A união dos
RICs vai fortalecer a China e apequenar os EUA.
Sob a liderança da China, a política “One Belt, One
Road” (um cinturão, uma estrada), que foi anunciado pelo Presidente chinês Xi
Jinping em 2013, é um plano estratégico de desenvolvimento que consiste na criação
de um corredor econômico, lançado através de uma nova rota da seda. Fazem parte
da nova rota, a “Silk Road Economic Belt” (cinturão econômico rota da Seda –
que ligará a China com a Europa através da Ásia Ocidental e Central), e a “21st
Century Maritime Silk Road” (Rota da seda marítima do século XXI – que ligará a
China com os países do Sudeste Asiático, a África e a Europa). E como o nome
indica, são circuitos inspirados na antiga rota da seda, que ligava o oriente e
o ocidente que foi criada em 200 a.C. (ver figura acima). A China também tem
liderado a transição energética para uma matriz renovável, uma mudança na
indústria automobilística para os carros EVs plugin e está liderando a
instalação de redes elétricas inteligentes. Tudo isto é uma amostra da
transição do processo de Ocidentalização para o processo de Orientalização.
Artigo de Jeffrey Sachs
“Eurasia is on the rise. Will the US be left on the sidelines?” (09/04/2017) diz: “A maior
tendência geopolítica da atualidade não é a “America First”, ou a guerra global
contra o terror, ou o Brexit, ou a Guerra Fria renovada com a Rússia. A
novidade é a integração económica da Europa com a Ásia, especialmente a União
Europeia com a China. A Europa e a Ásia convivem com a maior massa terrestre do
mundo, a Eurásia. Eles estão cada vez mais conectados economicamente também. O
protecionismo e a belicosidade de Trump acelerarão a integração da Europa e da
Ásia e ameaçarão deixar os Estados Unidos à margem da economia e da governança
global”.
O livro do jornalista Gideon Rachman,
“Easternization: Asia’s Rise and America’s Decline From Obama to Trump and
Beyond” mostra como tem se dado a ascensão dos países asiáticos. Ele argumenta
que a crescente riqueza das nações asiáticas está transformando o equilíbrio internacional
de poder. Especialmente a China, que mesmo com seus problemas (especialmente os
ambientais), já está desafiando a supremacia dos Estados Unidos e da Europa.
Já o livro do pesquisador Graham Allison, “Destined
for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap?” aponta para a
possibilidade de uma Guerra entre EUA e China. A razão é a “Armadilha de
Tucídides”, que se refere a um padrão mortal de estresse estrutural que resulta
quando um poder crescente desafia um poder governante hegemônico. Esse fenômeno
é tão antigo quanto a própria história. Sobre a Guerra do Peloponeso que
devastou a Grécia antiga, o historiador Tucídides explicou: “Foi a ascensão de
Atenas e o medo que isso incutiu em Esparta que tornou a guerra inevitável.”
Nos últimos 500 anos, essas condições ocorreram dezesseis vezes. A guerra
estourou em doze deles. Pode acontecer agora com EUA e China.
No início de abril de 2017, o presidente chinês Xi
Jinping se reuniu, pela primeira vez, com Donald Trump, na residência de
Mar-a-Lago, para tratar dos crescentes conflitos existentes entre as duas
maiores economias do mundo. O presidente americano prometeu pressionar a China.
Mas como um “Tigre de Papel” nada fez de concreto e ainda desviou o assunto com
o lançamento de mísseis contra uma base aérea da Síria. O resultado foi bom
para Xi Jinping que não teve que ceder nada para as pressões de Trump. A China
continua com grandes superávits comerciais com os EUA, que em 2016 foi de cerca
de US$ 350 bilhões. A China segue o seu caminho ascendente e os EUA seguem sua
tendência declinante. Um conflito direto, no momento, foi adiado.
Mas, em vez de fortalecer os laços econômicos e
culturais, a proposta do presidente Trump é aumentar os gastos militares e
reduzir o gasto social. Ele pretende diminuir imposto para os ricos e fazer um
grande programa de investimento em infraestrutura, o que deve elevar a dívida
pública. Artigo de Eric Pianin (10/04/2017) mostra que a dívida pública
americana deve ter um crescimento exponencial nas próximas 3 décadas, podendo
variar de 150% do PIB a 225% do PIB (como mostra o gráfico abaixo), dependendo
da dinâmica econômica.
Sem dúvida, os EUA são uma potência em declínio
relativo e com sérias dificuldades econômicas pela frente. A situação da Europa
Ocidental não é menos dramática. Segundo Walter Laqueur, autor do livro “Os
Últimos Dias da Europa – Epitáfio para um Velho Continente”, o continente europeu
vive um estado de letargia, vive uma crise do sistema do “welfare state”, um
declínio demográfico, uma pressão de refugiados e imigrantes muçulmanos e
africanos e está dilacerada por tensões multiculturais, além de sofrer
constantes ataques de terrorismo. Para Roger Cohen, “enquanto a Europa se
enfraquece pela ascensão de partidos de esquerda e da direita antimigratória,
pelo esfacelamento da periferia grega, uma Europa que vira as costas para os
vizinhos orientais, egoísta e sem base moral, enquanto Moscou e Pequim tramam o
futuro da Eurásia. Vladimir Putin tem ideias. A Europa, por enquanto, não tem
nada”.
Enquanto isto, a Rússia, a Índia e a China (RIC)
vão reconfigurando a Eurásia e se fortalecendo para enfrentar uma ofensiva
americana no futuro, quando o peso econômico e político dos RICs será maior e o
peso da “America First” será menor. A Europa também tende a ser uma região
periférica da Eurásia e ficar condicionada aos avanços da China e os RICs.
A Turquia é o país que faz a ponte entre a Ásia e a
Europa e é um candidato a entrar na União Europeia. Mas a Turquia vive há meses
momentos de turbulência em razão de uma tentativa de golpe por parte das forças
armadas, que tentaram tomar o poder assumindo o controle de aeroportos e redes
de televisão, além de bloquear pontes na capital Ancara e em Istambul. Contudo,
essa tentativa, foi sufocada pelo presidente Recep Tayyip Erdogan. No domingo,
16 de abril de 2017, houve um referendo constitucional para promover as maiores
mudanças políticas já vistas desde a fundação do país em 1923. O país está em
estado de emergência desde o ano passado. A vitória apertada (51% x 49%) de
Erdogan, ligado ao partido islâmico- conservador AKP e que assume abertamente
atitudes repressivas contra os seus opositores, foi contestada pela oposição.
Isto indica que a maior democracia do mundo islâmico vai enfrentar um período
difícil pela frente e é mais uma frente de conflito numa região sobre hegemonia
da OTAN. A Turquia praticamente saiu da União Europeia antes de entrar e é mais
um sinal de fraqueza da área do Euro.
Também a eleição da França é um marco, pois indica
o fim do bipartidarismo e mostra uma sociedade extremamente polarizada, em
declínio do padrão econômico, com crescimento dos problemas sociais, aumento da
violência, de atentados terroristas e sem saber se quer ficar na União Europeia
ou se afundar no isolacionismo e na xenofobia. O presidente François Hollande,
com baixíssima popularidade, desistiu de se candidatar e contribuiu para a
maior derrota do Partido Socialista em décadas. O candidato da esquerda
socialista, Benoît Hamon, sofreu uma derrota histórica. O Partido Republicano
também fracassou.
Entre os 11 competidores, quatro estavam próximos
de um empate na véspera do primeiro turno: o centrista Emmanuel Macron (24%), a
ultradireitista Marine Le Pen (22%), o conservador François Fillon (19%) e o
dito ultraesquerdista Jean-Luc Mélenchon (19%). No domingo (23/04), os
eleitores classificaram no topo da escolha Emmanuel Macron e Marine Le Pen.
Desta forma, o segundo turno será entre um candidato centrista (provável
vencedor final) e uma candidata de extrema direita.
Portanto, a despeito do bom
desempenho de Jean-Luc Mélenchon (19%), o conjunto da esquerda francesa teve
uma derrota esmagadora.
Não se sabe se o próximo presidente eleito terá
maioria parlamentar, pois a governabilidade vai ser decidida nas eleições
legislativas de junho e será bastante difícil o presidente conseguir uma
maioria sólida no Legislativo. Uma próxima presidência apequenada não é um
destino improvável. A França tem assento permanente no Conselho de segurança da
ONU e é um país chave da União Europeia.
Por isto, o populismo e o
enfraquecimento da França têm impacto global. A França foi o berço do
Iluminismo que promoveu a racionalização do mundo e fortaleceu os valores dos
Direitos Humanos no sistema democrático. Mas o momento atual mostra que os
ideais de igualdade, liberdade e fraternidade estão cada vez mais enfraquecidos
diante das crises civilizacional e ambiental.
A Europa – que já foi a vanguarda da globalização e
do desenvolvimento capitalista – tende a ser parte da periferia da Eurásia e
cada vez mais dependente do progresso da China. Há de se considerar que em
outras épocas históricas, a mudança de hegemonia não ocorreu pacificamente e o
mundo sofreu duas Guerras Mundiais na tentativa da Alemanha de se tornar a
maior potência global. Novamente uma Europa dividida e enfraquecida pode
assustar o mundo.
Além do mais, a ascensão da China (e seus aliados)
ao posto de superpotência do século XXI pode estar ameaçada, de início, pela
sobrecarga da pegada ecológica, pela insustentabilidade da contínua degradação
ambiental e pelas mudanças climáticas. Enquanto as civilizações se revezam nos
ciclos históricos, o Planeta pode não suportar esta troca estratégica de
hegemonia e pode sucumbir diante do alto grau de dominação e exploração dos
recursos ecossistêmicos e o definhamento da comunidade biótica.
Referências:
José Eustáquio Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do
mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola
Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista
em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br