segunda-feira, 5 de novembro de 2018


Zerar o desmatamento na Amazônia é uma das principais contribuições que o Brasil poderá dar à luta contra o aquecimento global.

Especialista defende desmatamento zero na Amazônia para combater mudanças climáticas ONU Brasil.


Zerar o desmatamento na Amazônia é uma das principais contribuições que o Brasil poderá dar à luta contra o aquecimento global. A conclusão é do brasileiro e integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Paulo Artaxo, que apresentou neste mês (19), no Rio de Janeiro, o novo relatório do organismo. A pesquisa aborda as consequências de uma elevação mundial da temperatura acima dos 1,5º C até 2100. O teto é a aspiração mais ambiciosa do Acordo de Paris.

Em evento realizado no Museu do Amanhã pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Artaxo alertou que a alteração dos padrões climáticos já é uma realidade em território nacional. “Várias regiões, particularmente o Nordeste brasileiro e o norte de Minas, já sofreram aquecimento entre 2 a 2,5º C”, afirmou o especialista, lembrando dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) sobre o período 1981-2010.

Os valores estão acima do aumento de 1ºC da temperatura global, verificado desde 2015 em levantamentos do serviço meteorológico do Reino Unido. A oscilação mundial é um comparativo com médias dos níveis pré-industriais, antes do início do século XX.

De acordo com Artaxo, a disparidade desse índice em relação aos números do Brasil se deve ao fato de que a média global inclui as variações térmicas nas temperaturas dos oceanos, que se aquecem mais lentamente. Em ecossistemas terrestres, o calor ultrapassa a estimativa geral.

A análise do IPCC compara os impactos ambientais de um aquecimento global a 1,5ºC e a 2ºC até o final do século. Mas segundo o integrante brasileiro do painel, ambas as variações vão se traduzir em elevações mais altas da temperatura no nível nacional e local, com as médias do Nordeste, por exemplo, subindo de 2,5ºC a 3ºC. Previsões do INPE indicam um aumento ainda maior, de 4 até 7º C em diferentes partes do Brasil, num cenário em que os atuais esforços para conter o aquecimento global não fossem ampliados em todo o mundo.

Embora pareça pequena, a diferença de 0,5º C significa mudanças dramáticas para a ocorrência de fenômenos climáticos extremos, perda de biodiversidade, elevação do nível do mar e desenvolvimento econômico.

“Existem regiões do Nordeste onde a precipitação já decaiu 60%. Isso é uma alteração muito significativa para qualquer ecossistema, em particular para uma região semiárida”, acrescentou Artaxo, que também é professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).

Na avaliação do pesquisador, as tendências de aquecimento e de diminuição das chuvas devem piorar — e o Nordeste corre o risco de se tornar uma zona desértica. O especialista ressalta ainda que as mudanças climáticas devem afetar outras partes do Brasil, como os grandes centros urbanos do Sudeste. Enchentes e estiagens, como a que atingiu São Paulo e deixou o estado em racionamento de água, vão se tornar mais frequentes.

Em nível global, manter a elevação da temperatura dentro do 1,5º C permitiria, por exemplo, salvar de 10% a 30% de todos os recifes de corais. Com o aquecimento a 2º C, essas formações naturais devem desaparecer por completo do planeta. O limite mais restritivo também impediria que o degelo da Antártida se tornasse um fenômeno anual durante o verão. Com o teto menor, os mares subiriam dez centímetros menos do que a 2º C.

Desmatamento na Amazônia

De acordo com o IPCC, restringir o aumento a 1,5º C exigirá, até 2050, uma redução a zero de todas as emissões líquidas de CO2. Atividades humanas que continuassem dispersando gases do efeito estufa teriam de ser compensadas com medidas para absorver gás carbônico, como o reflorestamento.

“Isso vale tanto para não queimar combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural, quanto para reduzir o desmatamento, por exemplo, da região amazônica. Esta tarefa é extremamente urgente porque não temos muito tempo para reduzir estas emissões antes de ocorrer uma catástrofe climática global”, ressaltou Artaxo.

O analista vê desafios consideráveis na implementação dessa agenda de sustentabilidade. Isso porque mesmo com a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, as emissões de gás carbônico aumentaram 2% de 2016 para 2017, chegando a 36,8 gigatoneladas anuais. Para alcançar a meta do 1,5º C, seria necessário reduzir o volume de gás carbônico lançado na atmosfera em 45% até 2030 — tendo como base os níveis de 2010.

Os compromissos de cada país signatário do Acordo de Paris tampouco seriam suficientes para conter o aquecimento global — estimado em 2,8º C até 2100 com o cumprimento das atuais promessas.

Sobre o Brasil, Artaxo enfatizou a necessidade de “colocar o desmatamento da Amazônia a zero”, uma das metas do país latino-americano junto ao documento internacional.

“Temos (também) que investir em energia eólica e energia solar particularmente no Nordeste brasileiro. O Brasil tem o compromisso de reflorestar 12 milhões de hectares no Acordo e Paris. Isso também é fundamental se nós quisermos garantir um meio ambiente saudável para a população brasileira”, disse o especialista do IPCC.

“Nós precisamos de políticas públicas sólidas, de governos que tenham políticas de Estado de longo prazo.”

Sustentabilidade nos negócios

Ana Carolina Szklo, diretora de Desenvolvimento Institucional do CEBDS, vê uma conscientização crescente do setor privado sobre a urgência das mudanças climáticas. Segundo a gestora, empresas têm tomado a dianteira e criado sistemas próprios de mitigação e compensação. É o caso de companhias que adotam estratégias de precificação interna de carbono, a fim de identificar departamentos e atividades com maior impacto ambiental.

“A equação (dos negócios) está desequilibrada porque a gente não está ainda internalizando algumas variáveis”, afirma a gestora. Segundo o CEBDS, 16 empresas brasileiras já trabalham com a precificação interna de carbono. Outras 27 declararam que utilizarão esse tipo de metodologia a partir de 2019.

Szklo aponta ainda que a sustentabilidade tem um importante valor de mercado. “Gera lucro e traz dinheiro. É bom para o meio ambiente, para as pessoas e para as empresas”, afirmou.

Também sobre o papel do setor privado no combate ao aquecimento global, o integrante do IPCC, Paulo Artaxo, disse que “construir produtos que possam ter uma durabilidade maior, que usem muito menos matéria-prima e que sejam mais eficientes do ponto de vista do uso de energia é absolutamente estratégico para o futuro do nosso planeta”.

“Do lado empresarial, nós precisamos ter as empresas menos preocupadas com o lucro no próximo balancete e muito mais preocupadas com a sustentabilidade do seu próprio negócio a médio e longo prazo”, concluiu o pesquisador.


Fonte: EcoDebate

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