Sabe quando sei que sustentabilidade não é para valer?
Ricardo Voltolini*
Como de costume há seis anos,
compartilho com o leitor algumas “pérolas” recolhidas ao longo
de 20 anos como consultor em sustentabilidade empresarial. A uma
primeira olhada, as 13 aqui apresentadas podem soar caricatas. Mas,
asseguro, correspondem a situações reais enfrentadas no dia a dia
do meu trabalho.
Ao reuni-las numa lista, revista e
ampliada com a experiência mais recente de 2017, espero juntar
munição suficiente para responder à pergunta provocativa do título
deste artigo. A ideia é chamar a atenção, sem ser chato ou
professoral, para o desafio importante de equiparar a prática com o
discurso de sustentabilidade empresarial, quase sempre imerso em
terreno arenoso e encoberto por névoas de desconfiança. É um
desafio de cada profissional que trabalha com o tema. Mas, sobretudo,
de líderes.
Sei que sustentabilidade não
é para valer …
1) Quando um alto
executivo me diz, sem corar de vergonha, que sustentabilidade é
importante, mas as ações para inseri-la na gestão do negócio
podem ficar para o ano que vem, quem sabe daqui a dois ou três anos,
já que a empresa não se encontra “preparada” para as mudanças
necessárias. Ao tentar explicar o que significa “preparada”, os
argumentos são tão frágeis quanto a sua noção sobre o conceito
ou a sua convicção sobre sua aplicação prática. Mal conseguem
encobrir o que importa: não há interesse efetivo no encaminhamento
do “assunto” e pronto.
2) Quando a
responsabilidade pelo “assunto” é transferida a um profissional
júnior, escondido num departamento meramente funcional, sem qualquer
poder na organização, que só conhece o CEO por fotografia. A
diferença entre sustentabilidade “para valer” e “para constar”
está em quanto o tema se encontra mais próximo de quem toma
decisões.
3) Quando um
executivo afirma que sustentabilidade “está no DNA” da empresa e
que, portanto, ela não precisa fazer nada para ser sustentável.
Esta afirmação um tanto mítica se baseia na retórica desinformada
de que um tema contemporâneo – como é a sustentabilidade – já
venha sendo praticado pela empresa há 50, 80 ou 100 anos, porque
seus fundadores eram “visionários.”
4) Quando um alto
executivo resolve “comunicar” a sustentabilidade “para fora”,
sem ter construído a sustentabilidade “para dentro”. A pressa se
deve em parte à impaciência na condução de processos de mudança
(inclusive de modelo mental) em parte à ansiedade de colher
benefícios pontuais de imagem da mensagem de sustentabilidade, antes
da ou por causa da concorrência. Se a empresa não consegue
convencer os mais próximos de que se preocupa, de verdade, com a
sustentabilidade, como espera persuadir os consumidores e a
sociedade?
5) Quando o CEO
cria um comitê de sustentabilidade e não aparece nem na primeira
reunião para deixar claras suas crenças e expectativas. Este tipo
de atitude revela que (1) sustentabilidade não é um tema
suficientemente importante para o líder investir nele o seu precioso
tempo; (2) enquanto não sabe o que fazer com
sustentabilidade, cria uma instância interna para dar a impressão
de estar preocupado com o tema. Uma pena. Comitês de
sustentabilidade, quando bem liderados, podem ser extremamente úteis
e efetivos. Mal conduzidos, servem para o debate de boas intenções.
6) Quando pergunto
a um diretor se a empresa tem uma estratégia de sustentabilidade
integrada à estratégia de negócio e ele responde que sim, claro,
mas só faz enumerar uma lista de projetos pontuais, periféricos e…
completamente descolados da estratégia de negócio.
7) Quando existe um
discurso bonito sobre inovação em sustentabilidade mas, na prática,
nenhuma evidência de ambiente favorável que valorize as
contribuições vindas dos colaboradores, fornecedores, clientes e
comunidades.
8) Quando o CEO diz
já investir o necessário em sustentabilidade. E que só o fará
mais quando houver métricas “confiáveis” que assegurem o
retorno para o negócio. A objeção “científica”, neste caso,
esconde, quase sempre, um desinteresse pelo tema.
9) Quando o CEO
recém-empossado decide interromper as ações de sustentabilidade do
antecessor, utilizando argumentos velhos conhecidos de guerra como
“reduzir custos”, “resgatar o foco” e “concentrar energia
no essencial. Pior: recebe aplausos do chefe da matriz que elogiava
os programas de sustentabilidade e o “espírito contemporâneo”
do antecessor.
10) Quando mesmo
depois de ser apresentado ao conceito de diversidade, o executivo
continua achando que isso não tem nada a ver com a “lógica” do
negócio. É o mesmo que diz em público que sustentabilidade está
na “estratégia do negócio”, e no privado, afirma que ela
representa só custo e desvio de foco. Em público, faz às vezes de
embaixador da diversidade. No privado, emite comentários
preconceituosos contra mulheres, negros e homossexuais.
11) Quando, antes
de uma reunião com o CEO, meu zeloso interlocutor resolve fazer um
alerta sobre o que ele “gosta ou não gosta” de ouvir sobre
sustentabilidade. Encerrada a missa, pede-me para que não ultrapasse
15 minutos de apresentação, já ele não tem muita “paciência”
para assuntos que não sejam “do negócio”.
12) Quando a
executiva de RH da empresa recita em fóruns externos a importância
de criar cultura de sustentabilidade nas organizações, mas, em sua
própria empresa, aceita fácil a ideia de investir o mínimo básico
necessário em programas de desenvolvimento de pessoas para o tema,
esquece os valores de sustentabilidade nos processos de recrutamento
e seleção e os ignora por completo na perspectiva de carreira das
pessoas.
13) Quando os
interlocutores diretos na empresa se apoiam no discurso de ética,
diálogo franco e transparência, valores que constituem a
sustentabilidade, mas interrompem processos sem explicação,
dialogam com os parceiros só e quando conveniente e se apropriam de
ideias sem remunerar os autores.
*Ricardo Voltolini é
consultor, escritor, palestrante, diretor-presidente de Ideia
Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade,
idealizador da Plataforma
Liderança Sustentável e autor, entre outros, de
Conversas com Líderes Sustentáveis (Senac-SP),
Escolas de Líderes Sustentáveis (Elsevier),
e Sustentabilidade como Fonte de Inovação (Ideia
Sustentável)
Fonte:
ENVOLVERDE
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