A miopia de gestão sobre as mitigações e adaptações às mudanças climáticas.
Por Sucena Shkrada Resk
Às vésperas da Conferência das
Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças
do Clima (COP 24), o Brasil desenha um quadro desestruturador das
medidas quanto a mitigações e adaptações às mudanças
climáticas. Diplomaticamente falando, a desistência da candidatura
de sediar a COP 25, anúncio feito nesta semana pelo governo
brasileiro, integra um pacote de desestímulo a um protagonismo do
país em medidas proativas nesta agenda nacionalmente e
internacionalmente, que infere, na prática, uma pressão sobre a
qualidade de vida de todos os cidadãos e à economia. Algo que seria
considerado impensável eticamente para um país que figura como o
sétimo maior emissor de Gases de Efeito Estufa (GEEs) no planeta.
Neste ciclo de comprometimentos, há
poucos dias, mais uma informação oficial se integrou neste sinal
amarelo: o aumento em 14% do desmatamento na Amazônia (entre agosto
de 2017 e julho de 2018), o maior desde 2008. Nessa pegada
devastadora, o hotspot Cerrado também sofre pressões
significativas, na chamada região da MATOPIBA, siglas dos estados do
Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Segundo especialistas, movimentos e
organizações do terceiro setor e fontes do próprio governo, uma
combinação de fatores gera esta instabilidade, que vai desde o teor
político de prioridades, que tem como ponto central o aumento da
propulsão à agenda do agronegócio, como também o aumento de
queimadas e de situações de seca cada vez mais intensas. Ao mesmo
tempo, está em curso há anos, a fragilização do Ministério do
Meio Ambiente e seus órgãos fiscalizadores, que agora chega a um
ponto crítico. Essa orquestração expõe a combinação de
retrocessos.
Historicamente, alguns estados
brasileiros permanecem aquém de uma performance sustentável. Pará,
Mato Grosso e Rondônia assumem uma posição estratégica neste
descompasso na Amazônia Legal. Juntos representam 81% do total de
desmatamento num total de 7.900 km 2 de devastação, conforme dados
do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por
Satélite)/Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (PRODES/INPE).
Como o físico Paulo Artaxo
(USP/IPCC), um dos cientistas mais respeitados nesta agenda, destacou
recentemente no lançamento da oitava edição do SEEG/Observatório
do Clima , a Ciência evidencia que onde há sistema
produtivo, há maior aquecimento. Trocando em miúdos, isso significa
que é preciso racionalizar tanto a extração e recursos naturais e
uso da terra, como as técnicas produtivas, conjuntamente com consumo
para que a equação parta para ganhos e não a um ciclo vertiginoso
de perdas.
“Em um pior cenário das mudanças
climáticas, com aumento de 6 graus (2071-2099), os piores impactos
serão sentidos na Amazônia/Centro-Oeste”, diz Artaxo. Hoje já é
possível refletir que é uma questão que ultrapassa achismos. Para
se limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus C, seria necessário
zerar as emissões no planeta até 2040; e a 2 graus C, até 2050.
Com o atual cenário brasileiro, como o Brasil poderá efetuar sua
parte no engajamento com os demais países?
No ranking de emissões de GEEs no
Brasil, o setor de agronegócios está disparadamente na frente, com
71%, seguido de transportes, industrial e produção de
combustíveis/energia. Ao fazer o recorte de origem, Pará e Mato
Grosso são os que mais emitem (agropecuária) e Minas Gerais e São
Paulo (energia).
Quando se trata de emissões
líquidas oriundas de mudança do uso da terra, a sequência dos oito
estados que mais emitem é a seguinte: MT, RO, PA, MG, RS, BA, MA e
GO.
Ao analisar, por exemplo, situações
mais concentradas, o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções
de Gases de Efeito Estufa (SEEG) 2018 também traz alguns dados
municipais no estado de São Paulo quanto a fontes de emissões,
desde transporte a resíduos. De acordo com a apuração, as
situações mais complexas se encontram na Capital, em Paulínia,
Cubatão, São José dos Campos, Guarulhos, Jacareí e Campinas,
entre outros municípios. Já quando o recorte é percapita, em
primeiro lugar está o município de Alumínio seguido de Paulínia.
Os problemas já são detectados,
não há como negar. A questão é a permanência de políticas
públicas que contemplem de curto a longo prazos, ações mitigadoras
e de adaptação. Uma discussão que só se acirra atualmente.
O Greenpeace Brasil lançou
recentemente também o relatório “Segure
a Linha: A Expansão do Agronegócio e a Disputa pelo Cerrado”,
no qual destaca que somente em 45 dos 337 municípios do Matopiba, os
indicadores de produção e de bem estar superam a média dos
respectivos estados. Segundo o levantamento, 196 municípios
continuam pobres, com produção e qualidade de vida piores do que a
média de seus estados.
Cenário mundial
No contexto, existe atualmente um
enunciado de negacionismo a evidências expostas nas últimas
décadas, quanto à intervenção humana na aceleração das mudanças
climáticas e do aquecimento global, que ganha eco em exposições
equivocadas de futuros quadros do próximo governo. Um contrassenso
ao mais recente relatório Emissions Gap Report, da ONU Meio
Ambiente, que enfatiza que é necessário triplicar no planeta a
velocidade de redução de emissões de gases de efeito estufa até
2030 se quiser evitar que o aquecimento global ultrapasse o limite de
menos de 2 graus C definido no Acordo de Paris.
Meio Ambiente e economia
Em outro relatório deste ano, do
Escritório das Nações Unidas para Redução do Risco de Desastres
(UNISDR), foi exposto que as perdas econômicas diretas devido a
catástrofes climáticas nos últimos 20 anos foram 2,5 vezes
maiores do que no período de 1978-1997 e 1,3 milhão perderam a vida
nessas ocorrências. Os prejuízos econômicos de desastres em geral
totalizaram 2,9 trilhões de dólares entre 1998 e 2017, sendo que
US$ 2,24 trilhões ou 77% do total foram relativos à questão
climática.
E na contramão do negacionismo, a
Comissão Global sobre Economia e Clima, em documento recente,
apresentou dados de que o investimento contra a mudança climática
até 2030, pode contribuir com US$ 26 trilhões à economia mundial e
evitar mais de 700 mil mortes. A chave para isso: energia limpa,
melhor planejamento urbano, agricultura e utilização de recursos
hídricos de forma sustentável e indústrias menos poluentes.
No Brasil e em nações
estratégicas, como os EUA, é como se vivêssemos um processo de
miopia das lideranças políticas, que abre a vulnerabilidade na ação
de comando e controle sobre esta pauta, que não só interfere
internamente nestas nações, mas em todo o equilíbrio do planeta.
*Sucena Shkrada Resk é jornalista,
formada há 26 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em
Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP,
e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada
Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com),
desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e
sustentabilidade.
Leia mais:
https://cidadaosdomundo.webnode.com/news/vivemos-um-hiato-temporal-brasileiro-socioambiental/
Fonte: Envolverde
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