É possível prever e evitar incêndios florestais?
Por Chris Baraniuk –
BBC Future
Mark Finney, do Serviço Florestal
dos EUA, e seus colegas às vezes fazem o impensável – ateiam fogo
em arbustos, por exemplo.
Eles não são, porém, incendiários
– e tampouco o fogo ao qual dão início vai se alastrar ou se
tornar altamente destrutivo. Trata-se de queimas controladas da
vegetação para munir cientistas de mais informações sobre como as
chamas passam de um galho a outro. Isso pode ajuda a prever como os
incêndios se alastram.
Entre as medidas levadas em
consideração por Finney e sua equipe estão a duração das chamas,
sua velocidade de propagação e o tipo de troca de calor nesse
processo. A equipe realiza o experimento na Nova Zelândia em áreas
isoladas por barreiras para impedir que se perca o controle do fogo.
Uma série de modelos tenta prever
os locais de ocorrência e a intensidade dos incêndios JOSH
EDELSON/GETTY IMAGES.
“Temos drones que nos dão uma
visão do que está acontecendo do alto e temos câmeras protegidas
em caixas de isolamento que são colocadas dentro do fogo”, afirma.
“Geralmente, levamos um dia ou
mais para arrumar todos os equipamentos e, claro, também é preciso
que as condições climáticas cooperem”.
Um momento crucial da história da
evolução humana foi a descoberta do fogo. Já a indagação do
homem moderno é saber o que faz o fogo se propagar. O fogo antecede
os primeiros passos do homem na Terra.
E hoje, longe de estar sob controle,
o fogo frequentemente assume a forma de um desastre causado pelo
homem. Nos EUA, mais de 80% dos incêndios são causados por pessoas.
Verões muito secos e quentes
Este ano, assim como no ano passado,
várias partes do planeta tiveram verões muito quentes e secos,
aumentando as chances de incêndios florestais. Matas queimaram na
Grécia, Suécia e Sibéria, entre outros locais.
O Estado da Califórnia, no sudoeste
dos EUA, enfrenta um dos incêndios florestais mais letais de sua
história. Até a noite desta terça-feira, 42 pessoas haviam
morrido. A cidade de Paradise, no norte do Estado, foi reduzida a
cinzas.
Há 228 desaparecidas e mais de 7
mil estruturas foram destruídas. Em todo o Estado, mais de 300 mil
pessoas já foram forçadas a deixar suas casas.
Ainda não se sabe o que deu início
ao fogo, mas as autoridades afirmam que, independentemente da causa,
a baixa umidade e a secura do solo após um mês praticamente sem
chuvas criaram as condições ideais para que as chamas se
espalhassem.
O Serviço Florestal dos EUA toma
precauções especiais para garantir que os testes com fogo não
fujam do controle IAN GROB/US FOREST SERVICE.
Finney espera que os dados de seus
experimentos melhorem os modelos existentes usados para combater o
alastramento de incêndios e ajude a proteger cidades e comunidades
sob risco de destruição. Alguns dos modelos atuais são muito
simplistas, ele explica.
“Há muitos fatores que não podem
ser aplicados aos modelos atuais, como a variabilidade do vento, que
nunca é constante em velocidade ou direção”, afirma o
especialista, explicando que os modelos atuais só permitem
incorporar uma informação para vento, e não sua variação.
Aumento da precisão de modelos
Ao longo do tempo, contudo, a
precisão dessas ferramentas tem melhorado. Em julho, foi publicada
uma revisão dos modelos de incêndio da Austrália usados para
prever a dispersão de fogo.
Descobriu-se na ocasião que houve
um aumento significativo na acurácia dos sistemas nos últimos anos,
com redução de mais de 50% no volume de erros.
E como prever os incêndios antes de
eles começarem? Embora previsões exatas sejam praticamente
impossíveis, a Ciência está nos dando novas e melhores formas de
calcular o risco de fogo – e está nos ajudando a entender como
grandes incêndios se intensificam.
Max Joseph, que se dedica a
desvendar os segredos dos dados, é um desses atores. Ele é coautor
de um estudo – em processo de revisão – que explorou a
possibilidade de prever quais regiões nos EUA continental estão
propensas a incêndios florestais com base em seus ecossistemas e
características climáticas.
A equipe reuniu dados climáticos
desde 1984 com informações sobre incêndios florestais que
ocorreram desde então. Um modelo de computador analisou a relação
entre padrões climáticos e o início do fogo.
Eles concluíram que períodos de
baixa umidade – ar seco – e altas temperaturas são fortes
indicadores do risco de incêndios. E são mais relevantes até do
que a pluviosidade.
O incêndio de Carr, entre julho e
agosto de 2018, queimou 230 mil acres da paisagem da Califórnia
TERRAY SYLVESTER.
A forma como tais condições
influenciam a disseminação do fogo varia muito de uma “ecorregião”
para a outra – áreas que diferem em terreno e vegetação. Mas, ao
acumular padrões de dados entre os anos 1984 e 2010, o modelo
definiu com precisão a ocorrência de fogo em regiões específicas
nos cinco anos subsequentes.
Segundo Joseph, 99% das ocorrências
foram previstas pelo modelo.
Estimar a intensidade dos incêndios
foi uma tarefa mais difícil, mas o sistema deu a Joseph esperança
de que é possível melhorar a compreensão de quais áreas podem
sofrer com incêndios em determinados períodos, contanto que dados
meteorológicos precisos estejam disponíveis com antecedência.
“Acho que, se tivermos boas
previsões do tempo, poderemos ter uma ideia muito boa do que
acontecerá no ano seguinte com base neste trabalho”, afirma.
Densidade de casas
Dominique Bachelet, cientista
climática da Universidade do Estado de Oregon, exalta o esforço da
equipe, mas sugere que há formas mais sutis de analisar os fatores
abordados pelo estudo – observando, por exemplo, a densidade de
moradias das regiões observadas.
O senso comum pode nos levar a crer
que o risco de incêndio é diretamente proporcional à quantidade de
casas em uma área – mas ele depende em grande medida da vegetação
que está “disponível” para a queima.
Uma pequena habitação em uma área
com vegetação muito inflamável, por exemplo, já pode provocar
grande estrago.
A gama de fatores e métodos de
interpretação das análises estatísticas relacionadas ao fogo é
muito ampla. Por exemplo, um estudo publicado na PNAS
em fevereiro descobriu a correlação entre o números de dias com
mais de 2,54 mm de pluviosidade e incêndios florestais no oeste dos
EUA.
Essa é uma métrica ligeiramente
diferente da usada pelo grupo de Joseph, mas está em sintonia com
seus achados – menos chuvas significam menos água disponível para
evaporar e contribuir com a umidade. Ou seja, o ar seco é um gatilho
para incêndios.
Curiosos observam o chamado Fogo
Sagrado, na Califórnia, em agosto de 2018 ROBYN BECK.
“Se a tendência de redução da
precipitação continuar, o resultado será um contínuo padrão de
verões quentes e secos que levarão ao aumento de períodos de
graves incêndios”, pontuam os autores.
Park Williams, do Observatório da
Terra Lamont-Doherty, da Universidade de Columbia, diz que o verão
quente de 2018 já foi uma indicação de que o ano traria incêndios
intensos na Califórnia.
“Houve recordes de temperatura ao
longo de toda a Califórnia no verão”, ele explica. “Quando se
atingem aquelas temperaturas, há fortes chances de incêndios de
grandes proporções.”
Localizando pontos de interesse
Para as pessoas diretamente afetadas
pelos incêndios florestais, o que realmente importa é saber com
antecedência se a área em que elas vivem está ameaçada.
A imprevisibilidade do clima é um
fator complicador. Mas o combustível – a vegetação “disponível”
para a queima – também é difícil de quantificar. O quão denso,
exatamente, é um trecho da floresta? O quão seco estão os galhos
caídos este verão? Há esforços para acompanhar isto, mas ainda
são trabalhos em andamento.
Além disso, como humanos e a
iluminação artificial são responsáveis pela maioria dos incêndios
florestais, torna-se extremamente difícil, senão impossível,
prever exatamente quando e onde as chamas vão surgir. Mas isto não
significa que não podemos ter uma ideia.
As previsões climáticas mais
precisas, com alguns dias de antecedência, são usadas por agências
para criar mapas de locais propensos a incêndios nos EUA. “Mapas
são produzidos todo dia e atualizados com base em condições
climáticas que podem ser críticas para incêndios”, afirma
Finney.
Isto pode ajudar autoridades a fazer
evacuações e a deslocar recursos contra incêndio aos lugares
certos antes de um desastre.
A equipe do Serviço Florestal dos
EUA faz experimentos cuidadosos para medir a taxa de dispersão do
incêndio IAN GROB/US FOREST SERVICE
Uma pessoa bastante interessada em
entender como o fogo se alastra é Ellie Graeden, da RedZone
Analytics, que faz de análises de incêndios.
florestais para clientes comerciais,
incluindo companhias de seguro.
Os três fatores principais que seu
sistema leva em conta, ela explica, são: vento, disponibilidade de
combustível e topografia do terreno.
Bombeiros na Alemanha recentemente
combateram um incêndio na floresta a 50 quilômetros de Berlim
PATRICK PLEU.
Munidas de informações, as
companhias de seguro podem empregar suas próprias equipes para
proteger as propriedades de incêndios. Ou trabalhar com quem possa
proteger as propriedades. Os dados também servem para estimar o
custo da destruição de um incêndio – o que ajuda a planejar como
compensar os clientes.
“Fazemos avaliações e aplicamos
nossos modelos durante os eventos”, afirma Graeden. “Após o
incidente, voltamos para avaliar o quão precisos eles foram.”
Precisão de 90%
No ano passado, Graeden diz que os
modelos RedZone previram, com mais de 90% de precisão, quais casas
de Coffey Park, na Califórnia, seriam queimadas pelo devastador
incêndio florestal que atingiu a região. No total, 3,5 mil
propriedades foram destruídas pelo fogo.
Mas até essas projeções podem ser
melhoradas. A especialista diz que faltam dados quantitativos bons do
quanto as residências devem queimar. Sabe-se que o asfalto ou as
telhas de barro são menos propensas às chamas do que a madeira, por
exemplo, mas dados precisos quantificando esta diferença não estão
disponíveis, afirma.
O que se espera do futuro dos
incêndios florestais? Em escala global, a área total queimada por
incêndios florestais está na realidade diminuindo por causa da
expansão das fazendas.
Em locais específicos, no entanto,
os verões quentes e secos influenciados pelas mudanças climáticas
devem continuar a causar incêndios em locais não esperados, como
próximo a áreas urbanas.
Bachelet acredita que o que estamos
observando agora é um período em transição pouco comum. “O que
cresce novamente após o fogo será mais adaptado a essas condições,
então provavelmente irá produzir menos combustível”, diz. Os
ecossistemas em tais áreas estão “recomeçando”, ela explica.
Fonte: ENVOLVERDE
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