Saneamento
continua fora das prioridade da política no Brasil.
Falar sobre a situação do esgotamento sanitário no
Brasil é um assunto “espinhoso”, imprescindível, mas que raramente faz parte da
pauta de campanhas políticas nacionais, estaduais e municipais e de programas
de gestão pública de boa parte de municípios deste Brasil de proporções
continentais. A constatação se dá pelos fatos: estamos em 2018 e 45% da
população brasileira ou 93,6 milhões de pessoas não têm acesso a tratamento de
esgoto e o resultado desta falta de foco em infraestrutura no país é o despejo
diário de 9,1 mil toneladas nos corpos d`água, de lagos a rios, que estão
morrendo e revelando um dos aspectos mais complexos que envolve o tema da crise
hídrica. Os 106 municípios com mais de 250 mil habitantes são responsáveis por
48% desta descarga.
Quem retrata este cenário desolador? A própria
Agência Nacional de Águas (ANA) e o Ministério das Cidades, no Atlas Esgotos: Despoluição de Bacias
Hidrográficas, estudo divulgado no segundo semestre do ano passado, que faz
análise comparativa entre dados populacionais de 2013 e 2035 para realizar a
construção de cenários futuros e alternativas para remediar problemas que se
estendem por décadas a fio, em um Brasil com 168,4 milhões de habitantes que
deverá chegar a 204,8 mi habitantes. O mapeamento foi dividido em 12 regiões
hidrográficas (Amazônica, Tocantins-Araguaia, Atlântico Nordeste Ocidental,
Parnaíba, Atlântico Nordeste Oriental, São Francisco, Atlântico Leste, Sudeste,
Sul, Uruguai, Paraná e Paraguai). O quadro é ainda mais perverso, pois o
levantamento se restringiu às áreas urbanas. Isso quer dizer, não diagnostica a
parte rural.
Quando vimos principalmente trechos do rio Tietê,
na região metropolitana de São Paulo ou o Iguaçu, no Paraná e o Ipojuca, em
Pernambuco, a sensação é das piores. Rios que se transformaram em esgotos, que
carregam múltiplas externalidades.
No
Brasil, menos da metade da população tem acesso a redes de esgoto. Foto: EBC
Um dado que representa a ponta mais desfavorecida
da desigualdade na justiça socioambiental, neste levantamento, é o registro de
que 27% dos brasileiros sequer são beneficiados pela coleta de esgoto e 18% têm
seu esgoto coletado e não tratado. Já 12% da população utiliza fossa séptica. A
Resolução Conama 430, do ano de 2011, que determina o tratamento de no mínimo,
60% da Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) antes do lançamento,
praticamente é ignorada. A lei do saneamento básico (Lei Federal nº
11.445/2007) entra no hall das legislações que são desrespeitadas. Discutir
modelo de desenvolvimento neste contexto faz sentido, tendo em vista, que 45%
da carga orgânica gerada em todo país provém do Sudeste.
A tabela das condições de operação e eficiência das
Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) em funcionamento no Brasil também são
um termômetro interessante do que já existe e ainda é subutilizado. A proporção
varia de 30% a 90%, com diferentes modalidades tecnológicas aplicadas. Foram
registradas 2.768 ETES em 1.592 municípios.
Os percentuais de falta de coleta e tratamento por
estado, segundo o estudo, descrevem esta realidade e é possível ver o
distanciamento real de acesso aos serviços entre o Norte e Sudeste do país.
Amapá, Rondônia, Pará, Alagoas, Maranhão são os que exigem maior cobertura.
Entretanto, a complexidade por volume se dá nos estados mais desenvolvidos.
– Acre – 22 municípios – 562.843 habitantes – (51,65%
não coletados/não tratados) e (1,98% coletados e não tratados);
– Alagoas – 102 municípios – 2.437.832 habitantes –
(61,97% não coletados/não tratados) e (9,19% coletados e não tratados);
– Amazonas – 62 municípios – 3.014.220 habitantes – (57,73%
não coletados/não tratados) e (3,66% coletados e não tratados);
– Amapá – 16 municípios – 658.840 habitantes – (75,84% não
coletados/não tratados e 0,61% coletados e não tratados);
– Bahia – 417 municípios – 10.880.101 habitantes – (31,21% não
coletados/não tratados) e (12,3% coletados e não tratados);
– Ceará – 184 municípios – 6.603.150 habitantes – (25,77% não
coletados/não tratados) e (3,98% coletados e não tratados);
– Distrito Federal – 2.694.296 habitantes – (8,57% não
coletados e não tratados);
– Espírito Santo – 78 municípios – 3.209.162 habitantes –
(34,94% não coletados e não tratados) e (19,52% coletados e não tratados);
– Goiás – 246 municípios e 5.817.885 habitantes – (36,55% não
coletados e não tratados) e (2,53% coletados e não tratados)
– Maranhão – 217 municípios – 4.290.065 habitantes – (60,86%
não coletados e não tratados) e (13% coletados e não tratados);
– Minas Gerais – 853 municípios – 17.592.969 habitantes –
(11,56% não coletados e não tratados) e 42,25% coletados e não tratados);
– Mato Grosso do Sul – 79 municípios – 2.215.953 habitantes –
(41,76% não coletados e não tratados) e (0,8% coletados e não tratados);
– Mato Grosso – 141 municípios – 2.604.062 habitantes – (54,5%
não coletados e não tratados) e (2,11% coletados e não tratados);
– Pará – 144 municípios – 5.459.309 habitantes – (65,66% não
coletados e não tratados) e (4,98% coletados e não tratados);
– Paraíba – 223 municípios – 2.958.129 habitantes – (34,27%
não coletados e não tratados) e (16,2% coletados e não tratados);
– Pernambuco – 185 municípios – 7.385.329 habitantes – (44,12%
não coletados e não tratados) e (17,6% coletados e não tratados);
– Piauí – 224 municípios – 2.096.856 habitantes – (59,16% não
coletados e não tratados) e (2,34% coletados e não tratados);
– Paraná – 399 municípios – 9.402.234 habitantes – (23,54% não
coletados e não tratados) e (1,11% coletados e não tratados);
– Rio de Janeiro – 92 municípios – 15.826.680 habitantes
(18,37% não coletados e não tratados) e (30,55% coletados e não tratados);
– Rio Grande do Norte – 167 municípios – 2.630.467 habitantes
– (47,28% não coletados e não tratados) – (6.07% coletados e não tratados);
– Rondônia – 52 municípios – 1.277.299 habitantes – (71,55%
não coletados e não tratados) e (5,15% coletados e não tratados);
– Roraima – 15 municípios – 374.084 habitantes – (47,97% não
coletados e não tratados) e (3,82% coletados e não tratados);
– Rio Grande do Sul – 497 municípios – 9.512.434 habitantes –
(21,56% não coletados e não tratados) e (28,17% coletados e não tratados);
– Santa Catarina – 295 municípios – 5.594.950 habitantes –
(19.78% não coletados e não tratados) e (8,69% coletados e não tratados);
– Sergipe – 75 municípios – 1.619.457 habitantes – (56,21% não
coletados e não tratados) e (10.73% coletados e não tratados);
– São Paulo – 645 municípios – 41.892.786 habitantes – (9,15%
não coletados e não tratados) e (22,62% coletados e não tratados);
– Tocantins – 139 municípios – 1.169.213 habitantes – (54,06%
não coletados e não tratados) e (1,31% coletados e não tratados)
Esgotamento sanitário é investimento
A ausência de tratamento que atinge mais de 4,4 mil
municípios dos 5.570 destaca a necessidade emergente de investimento, que
requer que os gestores e legisladores elenquem a pauta como prioridade, o que
não ocorre historicamente. Somente 31 dos 100 municípios mais populosos
brasileiros conseguem tratar mais de 60%. E por incrível que pareça, o único
município que supera este percentual no país, é Brasília. E a poluição dos
recursos hídricos é o resultado destas discrepâncias. Hoje, de acordo com as
classificações de qualidade hídrica, 84 mil km de rios são praticamente mortos
e é descartada a captação para abastecimento público nos mesmos.
Uma das condições mais preocupantes está em trechos
dos rios na região do litoral fluminense. De acordo com o Atlas, o problema é
identificado em 30,7% da extensão dos corpos d’água, que concentram 19 das 21
cidades que compõem a Região Metropolitana da capital do Estado, onde vivem
cerca de 12 milhões de pessoas. Pela densidade demográfica, a área do rio Tietê
se destaca na descarga da poluição hídrica, com 29 milhões de habitantes. As
regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas e o litoral paulista são os que
mais sofrem pressão.
De acordo com o Atlas, o valor de investimento
necessário no país seria da ordem de R$ 135 bi até o ano de 2.035 e os estudos
apresentam alternativas de ações a serem executadas, no contexto do aumento
populacional no período. O problema é que não são só as cifras suficientes para
suprir esse déficit, mas o gargalo é mais fundo: gestão eficiente para a
realização e manutenção de um serviço de qualidade, como também a capacidade de
diluição dos esgotos nos rios. Deste total, a avaliação é que 55% devem ser
investidos nas regiões hidrográficas do Paraná e do Atlântico Nordeste
Oriental.
Munir-se desse tipo de informação e ser proativo no
encaminhamento de soluções eficazes e de longo prazo lícitas, revela a
qualidade de gestores e legisladores. Quem ignora esta agenda demonstra
que não é capaz e nem digno de representar a população brasileira.