Grandes empresas falaram. Será que seus fornecedores escutaram?
Monitorando
os compromissos das empresas alvo da campanha por Trás das Marcas ao
longo da cadeia de fornecimento com novos indicadores para as traders
do agronegócio.
Entre
2013 e 2016, a campanha Por
trás das marcas, da
Oxfam, buscou impulsionar políticas e práticas de fornecimento mais
sustentáveis entre as 10 maiores empresas de alimentos e bebidas do
mundo. Agora, estamos direcionando nossa atenção às formas como
essas empresas estão implementando seus compromissos.
Como
parte de seus esforços, a Oxfam examinou sete traders
(comercializadoras)
globais do agronegócio segundo indicadores centrais da campanha Por
trás das marcas, que
mede a força das políticas de sustentabilidade das empresas. As
traders do
agronegócio são poderosos atores da cadeia de fornecimento. Elas
são elos importantes entre os gigantes de alimentos e bebidas que
vendem ao consumidor, como The Coca-Cola Company, Nestlé, PepsiCo e
Unilever, e as pessoas que produzem a comida do mundo. A Oxfam queria
saber as respostas às seguintes perguntas: As políticas de
sustentabilidade e os planos de implementação das traders
cumprem os padrões
estabelecidos pelas principais empresas importantes da campanha Por
trás das marcas, bem
como suas melhores práticas? Elas estão preparadas para uma gestão
que vise a melhoria dos impactos sobre mulheres, pequenos produtores
de alimentos, além da terra e do clima?
Este
relatório apresenta os “Indicadores para as traders
do agronegócio” e
descreve seus resultados. Ele faz um chamado para que as traders
fortaleçam suas
políticas de sustentabilidade e seus planos de implementação. O
relatório também defende que as companhias examinadas na campanha
Por trás das marcas se
concentrem nas políticas e práticas das traders
para cumprir com suas
responsabilidades e implementar seus próprios compromissos com a
cadeia de fornecimento.
As
traders são
poderosos atores da cadeia de fornecimento. Elas são elos
importantes entre os gigantes de alimentos e bebidas que vendem ao
consumidor, como The Coca-Cola Company, Nestlé, PepsiCo e Unilever,
e as pessoas que produzem a comida do mundo. Sua posição e sua
concentração no mercado lhes conferem muito poder sobre como a
forma as commodities são
compradas e produzidas e, portanto, uma enorme influência sobre as
vidas de milhões de pequenos produtores de alimentos[i]. E essas
empresas são imensas. As sete delas que fazem parte da nova
avaliação com indicadores para o traders
– Archer Daniels
Midland (ADM), Barry Callebaut, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus
Company, Olam International e Wilmar International – geram, juntas,
mais de 290 bilhões de dólares em receitas por ano[ii]. Apenas a
Olam International opera em mais de 65 países e possui cerca de 4.7
milhões de agricultores em suas cadeias de fornecimento[iii].
Apesar
de seu poder, as traders
sempre operaram sem
chamar muita atenção pública, com exceção de suas práticas
relacionadas ao óleo de dendê, principalmente na Indonésia[iv].
Muitas delas carecem dos compromissos de sustentabilidade e
fornecimento responsável que são necessários para uma efetiva
gestão de riscos e impactos sobre os direitos humanos.
Porém,
as empresas às quais as traders
vendem suas commodities
dão muito valor ao que
os consumidores pensam sobre suas marcas, e estes querem cada vez
mais saber se seus lanches e suas bebidas favoritos estão livres de
desmatamento e práticas de fornecimento baseadas na exploração e
sofrimento.
Como
os gigantes do setor de alimentos e bebidas estão no final de
imensas cadeias, para conseguir implementar seus compromissos,
atender à demanda dos consumidores por fornecimento sustentável e
ético, ou seja, fazer a coisa certa para agricultores e comunidades,
essas empresas devem garantir que seus fornecedores – incluindo
traders e o
agronegócio – modifiquem suas práticas.
Independentemente disso,
as traders têm
uma responsabilidade reconhecida internacionalmente de “não causar
danos”[v] e uma oportunidade de operar de formas que ajudem a criar
um sistema alimentar mais sustentável, apoiando mulheres e pequenos
produtores, e enfrentando a conversão de terras, o desmatamento e as
emissões.
Os
primeiros passos para que se pratique a mudança em escala maior
incluem políticas mais fortes de sustentabilidade social e ambiental
e planos rigorosos para implementá-las. Portanto, este relatório
trata das seguintes questões: As políticas de sustentabilidade e os
planos de implementação das traders
cumprem aos padrões
estabelecidos pelas principais empresas da campanha “Por trás das
Marcas” e voltados às melhores práticas? As traders
do agronegócio estão
preparadas para uma gestão que reduza os impactos sobre mulheres e
pequenos produtores de alimentos, bem como a terra e o clima? O
veredito: há muito que melhorar.
As
pontuações baixas nos vários temas apontam para lacunas
importantes nos compromissos das traders
com políticas e planos
de implementação. Mais de 90% das pontuações dessas empresas
estão abaixo de 50%. O agronegócio tem responsabilidade e
oportunidade de melhorar. As empresas da campanha “Por trás das
Marcas” têm responsabilidade de respeitar os direitos humanos em
todas as suas cadeias de fornecimento e, portanto, têm um papel a
cumprir na garantia de que empresas do agronegócio das quais
compram, incluindo as traders,
implementem práticas
melhores.
TERRA
O
problema
Milhões
de pessoas que dependem de suas terras para obter alimentos, meios de
subsistência e água, e para a expressão de suas identidades e
culturas, não têm seus direitos à terra garantidos[vi]. Isso se
aplica especialmente às mulheres. Comunidades inteiras correm alto
risco de perder suas terras para novos tipos de produção agrícola,
inclusive para commodities
produzidas, refinadas
ou comercializadas por empresas do agronegócio. Em um estudo que
analisou a sobreposição entre áreas de concessão agrícola e a
presença de populações em vários países, os autores concluíram
que já havia pessoas presentes em 93 a 99% das áreas de terra
visadas para investimentos[vii]. Isso significa que praticamente não
há terra agricultável disponível. Mesmo em situações em que as
empresas do agronegócio ou seus fornecedores têm permissão dos
governos para desenvolver ou operar em uma concessão de terras, é
muito provável que elas violem os direitos básicos das pessoas se
não tiverem o consentimento informado das comunidades para
prosseguir.
Deixar
de respeitar os direitos e o consentimento das comunidades não só
prejudica as pessoas, mas também pode sair caro para as empresas.
Constatou-se que o conflito de terras custou até 29 vezes o valor
dos gastos operacionais esperados e levou as empresas a abandonar
completamente o projeto[viii].
O
problema no Brasil:
A
concentração de terras no Brasil esta piorando. De acordo com dados
do Censo Agropecuário de 2017, atualmente apenas 0,95% dos
estabelecimentos rurais ocupam 47,5% da terra disponível. Essa
concentração é decorrente de processos históricos que envolveram
conflitos, expulsões, grilagem e também políticas que
privilegiaram apenas os grandes produtores, concentrando o crédito,
tecnologia, irrigação, apoio técnico e isenções fiscais no
agronegócio.
O Brasil
rural é permeado por conflitos que comumente possuem desfechos
violentos. De acordo com a Global Witness, o Brasil é recordista
mundial de assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente
(entre os anos de 2017, 2016 e 2015) – respondendo na média por
25% destes tipos de assassinato no mundo. De acordo com a Comissão
Pastoral da Terra, em 2017 foram registrados 1.168 conflitos no
campo, o maior da série histórica que começou nos anos 1980.
Muitos
dos conflitos envolvem terras públicas e a sua destinação. Também
são muitos os casos de conflitos entre o agronegócio, povos
indígenas, povos e comunidades tradicionais. Entre o massacre de
Eldorado dos Carajás e a Chacina de Pau D’Arco, passaram-se 21
anos, e pouco mudou.
Os
indicadores
O
tema da terra examina até que ponto as traders
entendem o risco
relacionado à posse da terra em suas cadeias de fornecimento, como
elas e seus fornecedores envolvem as comunidades quando estão em
busca de adquirir terras (independentemente de procurarem arrendá-las
ou comprá-las), e se buscam modelos de negócios alternativos, como
cooperativas de propriedade de agricultores[ix], para evitar
transferir os direitos à terra. O tema também analisa como as
traders resolvem
disputas por terra em suas cadeias de fornecimento em lugares onde um
investimento ao qual elas estão ligadas já tenha causado danos às
comunidades. Por fim, abarca indicadores relacionados ao engajamento
de pares e governos no fortalecimento da posse da terra e na
implementação de compromissos relacionados à terra.
Principais
conclusões
Todas
as traders avaliadas
estão, pelo menos, cientes e começando a prestar atenção aos
direitos à terra. Entre os destaques animadores da avaliação estão
o fato que: ADM, Cargill, Louis Dreyfus, Olam e Wilmar reconhecem a
complexidade dos direitos à posse da terra, tais como direitos
informais, tradicionais e consuetudinários; Barry Callebaut,
Cargill, Olam e Wilmar assumiram compromissos sobre consentimento
livre, prévio e informado (CLPI) que se aplicam a todas as suas
compras de commodities[x]. A Wilmar também envolveu vários de seus
próprios fornecedores na norma, um passo animador para colocar em
prática seus compromissos com o CLPI. Sobre os indicadores de
incidência, a Olam participou do desenvolvimento do Guia para
Empresas sobre Respeito aos Direitos à Terra e às Florestas, do
Grupo Interlaken, um exemplo de engajamento em um esforço coletivo
para ajudar a fortalecer o reconhecimento dos direitos das
comunidades à terra[xi]. Tanto a Olam quanto a Cargill participaram
de uma reunião do Grupo Interlaken sobre direitos à terra em
Camarões.
Mas
existem lacunas fundamentais na forma como as traders
estão abordando as
questões da terra, mesmo entre aquelas com melhor pontuação, ou
seja, Olam, Wilmar e Cargill. Nenhuma delas tem identificado
sistematicamente, em todo seu fornecimento e sua compra de múltiplas
commodities,
os países onde o risco à posse da terra é particularmente alto.
Nenhuma está exigindo que seus fornecedores e principais parceiros
adotem modelos de negócios alternativos que evitem a transferência
dos direitos sobre a terra. E nenhuma desenvolveu um plano de ação
concreto para mitigar os riscos e enfrentar os impactos em sua
produção e em sua compra de commodities como
um todo. Isso coloca pequenos produtores de alimentos e comunidades
em risco de perder a terra da qual dependem seus lares, meios de
subsistência e modos de vida, e resulta em baixas pontuações
gerais entre as empresas.
Quais
foram os compromissos assumidos pelas empresas da campanha “Por
trás das Marcas” com relação a terra?[xii] Os fornecedores estão
seguindo o exemplo?
Em 2013,
a terra foi um dos temas de menor pontuação da avaliação da
campanha “Por trás das Marcas”. Desde então, The Coca-Cola
Company, PepsiCo, Nestlé, Unilever e a subsidiária da Associated
British Food, Illovo Sugar Africa, assumiram compromissos amplos
quanto aos direitos à terra [xiii]:
- Incluir o princípio do Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) em seus códigos, exigências ou orientações aos fornecedores para garantir que as comunidades sejam consultadas e deem consentimento informado quando as terras que usam forem vendidas ou arrendadas, em todas as posições de suas cadeias de fornecimento;
- No caso de The Coca-Cola Company, PepsiCo, Nestlé e Illovo Sugar Africa, garantir a reparação das violações aos direitos da terra;
- Apoiar e aderir às Diretrizes Voluntárias para a Governança Responsável da Terra, dos Recursos Pesqueiros e Florestais no Contexto da Segurança Alimentar Nacional (DVGTs) da FAO e outras normas internacionais sobre direitos à terra;
- “Conhecer e divulgar” os riscos relacionados aos direitos fundiários e conflitos de terra em suas cadeias de fornecimento, incluindo, no caso de The Coca-Cola Company, PepsiCo, Nestlé e Illovo Sugar Africa, a publicação de avaliações sobre riscos e impactos relacionados à terra;
- Defender que governos e outros atores do setor alimentar combatam a apropriação de terras e apoiem o investimento agrícola responsável;
- No caso da Nestlé, identificar oportunidades para mulheres e homens obterem acesso à terra, “respeitando as reivindicações e usos consuetudinários existentes”; [xiv]
Seus
fornecedores estão seguindo o exemplo?
Juntas,
The Coca-Cola Company, PepsiCo, Nestlé e Unilever mantêm relações
na cadeia de fornecimento com todas as sete traders
avaliadas. Há uma
desconexão entre os compromissos assumidos com relação aos
direitos à terra por essas empresas alvo da campanha “Por trás
das marcas” e os das traders
do agronegócio das
quais elas compram.
Com
relação aos processos de aquisição de terras, somente Barry
Callebaut, Cargill, Olam e Wilmar assumiram compromissos com o
consentimento livre, prévio e informado (CLPI) que se aplicam ao
conjunto de suas fontes de commodities.
Nenhuma se comprometeu a não causar nem contribuir para o
reassentamento involuntário e não ser beneficiária imediata de
expropriação por um governo anfitrião ao adquirir terras. Quanto à
abordagem dos conflitos de terra existentes, somente a Olam e a
Wilmar se comprometeram com proporcionar ou cooperar na reparação
de impactos negativos relacionados à posse da terra em suas cadeias
de fornecimento. Muito poucas estão envolvendo seus próprios
fornecedores nessas questões.
Essas
conclusões indicam que The Coca-Cola Company, PepsiCo, Nestlé e
Unilever não podem ter certeza de que seus fornecedores estão
adquirindo terras de modo a garantir o respeito pelos direitos à
terra ou que as comunidades cujos direitos tenham sido afetados
negativamente por suas cadeias de fornecimento tenham tido acesso a
reparação. As empresas da campanha “Por trás das Marcas”
precisam fazer mais para garantir que seus fornecedores estejam
seguindo suas políticas com relação aos direitos à terra.
Fonte:
ENVOLVERDE
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