Desastres naturais: é isso mesmo?
por Fabio Feldmann
Mudanças radicais estão associadas
ao aquecimento global.
Os últimos meses têm submetido os
brasileiros a intenso calor e chuvas torrenciais, a exemplo do que
aconteceu em São Paulo recentemente. No que tange ao calor
excessivo, o uso de ar-condicionado não tem sido suficiente para
atenuar as altas temperaturas e representa uma enorme demanda de
energia, sem que haja certeza da capacidade da nossa infraestrutura
em garantir o respectivo aumento da demanda.
As chuvas torrenciais provocam
mortes por soterramento e algumas pessoas desaparecem afogadas por
força das águas. Nesse cenário sinistro constata-se um relevante
sentimento de impotência diante desses “desastres naturais” e,
com o fim do período das chuvas, tudo volta ao normal como se fossem
meras “chuvas de verão”.
As reportagens televisivas, por sua
vez, repetem um novo jargão: “choveu hoje o equivalente a todo o
mês de março”. Quer dizer que estamos diante, inequivocamente, de
uma mudança radical do ciclo hidrológico, de modo que chuvas
intensas, em tempo curto, passaram a ser parte de nosso cotidiano.
Porém, torna-se necessário apontar que estas mudanças radicais
estão associadas ao aquecimento global e às mudanças ambientais
locais e regionais. O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas), há muitos anos, cuida, com rigor científico, dos
impactos adversos da mudança do clima, notadamente no ciclo
hidrológico e no aumento dos denominados eventos climáticos
extremos.
Estas preocupações se traduziram
em legislações específicas que definem obrigações na mitigação
(redução dos gases efeito estufa) e também na adaptação,
reconhecendo que a mudança do clima, do ponto de vista legal, exige
que o poder público assuma suas responsabilidades em termos muito
concretos. Há uma percepção equivocada de que a redução de GEE
(gases do efeito estufa) dependeria, fundamentalmente, de
compromissos internacionais, a exemplo do Acordo de Paris, firmado em
2015. Trata-se de um erro grosseiro imaginar que antes de agir
poderíamos nos dar ao luxo de aguardar que os outros fizessem a sua
parte.
As tragédias recentes demonstram
que estamos, criminosamente, deixando de nos preparar para os grandes
impactos em curso do aquecimento global, em que pese a existência de
planos de adaptação, que servem, unicamente, para “inglês ver”.
Associa-se a isso o deliberado descaso com o meio ambiente de maneira
geral, permitindo-se, demagogicamente, a ocupação de encostas e
margens de rios, deixando as cidades desprovidas de infraestrutura
mínima para enfrentar os ditos “desastres naturais”. Ao
contrário, continuamos a impermeabilizar, em grandes extensões, o
solo, suprimimos fragmentos florestais que estabilizam as encostas e
impedem o agravamento das enchentes e inundações e “autorizamos”
a ocupação de áreas de mananciais em todo o Brasil pelo crime
organizado.
Temos que encarar a mudança do
clima e a degradação ambiental como itens obrigatórios da agenda
brasileira, com o poder público passando a levar a sério suas
obrigações constitucionais e a sociedade, por sua vez, deixando de
considerar as tragédias como meros e inevitáveis desastres
naturais.
Passou a época em que o aquecimento
global era considerado preocupação do futuro e desprendida do
cotidiano dos brasileiros. De um lado, cuidar dos prejuízos e perdas
das tragédias e, de outro, fazer o que é preciso para que, no
próximo verão, não tenhamos uma reprise em preto e branco,
absolutamente previsível, do que tem ocorrido no Brasil e no mundo.
Fabio Feldmann
– Ex-deputado constituinte, deputado federal por três mandatos
(1986-1998) e ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo
(1995-1998, governo Covas).
Fonte:
ENVOLVERDE
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