Longe das telas, perto do coração.
Por Maria Helena
Masquetti*, especial para a Envolverde –
A cena de uma senhora acompanhada
pelo neto adolescente na sala de embarque do aeroporto bem poderia
lembrar Raquel de Queiróz: “Sim, tenho certeza de que a vida nos
dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas
pela velhice”. Aos poucos, porém, a poesia da cena foi se
dissipando: “Hã, hã”, “Sei lá”, “Tá, vó!”, foi tudo
o que, naquela quase uma hora de espera, o garoto balbuciou em
resposta às várias tentativas de contato da avó, absorto em seu
ostentoso celular.
Ela perguntou sobre a escola,
comentou como ele era ágil na digitação, perguntou se estava com
fome, lhe confidenciou algo que lhe parecia engraçado, até que, por
fim, se calou, olhos fixos no chão, pensamento longe dali. Quem sabe
pensava num tempo onde aquele menino a olhava enquanto ela falava,
respondendo aos seus comentários com aquelas tiradas infantis mais
rápidas que as saraivadas de balas que quase transbordam das telas,
hoje tão ao alcance até das crianças pequenas.
Seja qual for o contexto daquela
relação entre ambos, entristece notar o quanto cenas assim têm se
tornado comuns, não só entre crianças e idosos, mas entre pais e
filhos, entre irmãos, entre amigos e entre casais, enfim. Descobrir
onde tudo isso começou talvez não traga de volta o afeto
banalizado, mas, quem sabe, nos ajude a pensar duas vezes em
presentear com um celular um pequeno mal saído das fraldas, ou antes
de distrair um bebê no berço ou no restaurante, colocando à sua
frente um tablet pela crença equívoca de que o entretenimento
virtual é mais educativo que a experiência sensorial.
Não há como negar o encanto dos
dedinhos minúsculos aprendendo a clicar ícones sobre uma tela,
embora o que verdadeiramente ajuda as crianças a se desenvolver são
suas buscas de dentro para fora, movidas por suas aptidões genuínas,
pela segurança do afeto e pela curiosidade que, afinal, existe nelas
como uma das mais preciosas ferramentas de pesquisa da infância.
Talvez no final do dia, as mãos dos
pequenos não estejam tão limpas e, quem sabe, no restaurante, os
talheres tenham ‘voado’ muitas vezes até o chão, mas tudo o que
a criança viveu foi real, com sua família real, com os confortos ou
desconfortos característicos das diferentes realidades familiares.
Estar presente no aqui e agora, viver a própria vida como ela
realmente é, pode não ser tão glamouroso como muitos contextos
forjados que as crianças veem nas telas, porém é um dado e tanto
de saúde mental.
Embora, para as crianças, o mundo
seja inicialmente seus pais, é importante lembrar que o marketing
também sabe disso e tenta ocupar igualmente esse lugar de referência
para elas. Ao falar diretamente com as crianças, com uma autoridade
ilegal, vai lhes transmitindo, em paralelo, valores geralmente
contrários à educação que elas recebem em casa.
Quem sabe aquele menino do aeroporto
estivesse tão monossilábico por conta de uma questão passageira,
estudando para uma prova difícil ou até pesquisando na tela sobre
algum assunto importante para sua avó. São infinitas, afinal, as
formas afetuosas e úteis de se utilizar as novas tecnologias. Do
mesmo modo, porém, são infinitas as saídas que temos para proteger
nossas crianças do vazio de afetos, mostrando-lhes, desde pequenas,
quanta humanidade existe fora das telas, no contato com outras
crianças e familiares, e na infinidade de atrações e brincadeiras
ao vivo e em cores à disposição delas na natureza.
Criar uma criança, permitindo que
ela mostre a que veio antes que as mídias lhe digam o que elas devem
ser, pensar, sentir ou brincar, certamente dá mais trabalho. Mas
pode dar a ela mais autonomia, mais coragem de ser quem ela realmente
é e mais alegria por se saber tão amada. Brincar, conversar, ler,
construir, contar histórias, cozinhar ou, literalmente, pintar e
bordar com as crianças, pode nos deixar extenuados, porém, muito
mais incluídos nas raízes da história delas.
(*) Maria Helena Masquetti é
graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização
em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório
desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12
anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana.
Fonte:
ENVOLVERDE
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