Inhotim traz discussão sobre biodiversidade artificial, criatividade e a necessidade de sonhar.
por Gisele Paulino, especial
para a Envolverde
Evento reuniu personalidades
como o australiano John Croft, criador do Dragon Dreaming e Vidhi
Jain, da Shikshantar na Índia; o brasileiro Edgard Gouveia mostrou
que salvar o mundo pode ser barato e divertido.
Com um conto sobre uma sociedade
cyber na qual humanos incorporam objetos e se mesclam com a realidade
virtual, a bióloga Brigitte Baptiste, diretora geral do Instituto de
Investigação em Recursos Biológicos Alexander von Humboldt, de
Bogotá, na Colômbia, chama atenção para o universo da
biodiversidade artificial. A fala aconteceu durante o Seminário
Internacional de Educação do Inhotim, realizado de 13 a 15 de
setembro. Em sua quarta edição, o evento se propõe a olhar
as transformações dos sujeitos e suas relações com o meio em que
vivem.
Baptiste é uma das principais
referências em temas ambientais e de biodiversidade de seu país. E
ninguém mais adequada para falar do tema. Aos 56 anos, transgênero
há 20 anos, sua experiência de transformação pessoal a
torna ainda mais sensível para perceber as modificações provocadas
pelo homem na natureza.
“Que classe de natureza estamos
produzindo a partir dos aparatos tecnológicos da sociedade moderna?”
A bióloga faz um alerta às consequências do mundo globalizado, no
qual a sociedade faz uso de tecnologias e redes sociais que permitem
que o recorte de uma realidade local se torne uma representação
global. Em sua fala, Brigitte traz o exemplo de uma foto digital de
um puma na qual a imagem do animal aparece distorcida por uma luz de
flash estourada. “Uma imagem como esta reconstrói uma realidade. O
que vemos aqui é um biopuma. Um biobicho”, diz. É tanta luz em
cima do animal que não sabemos mais se esse puma é o mesmo para
todo mundo.”
Brigitte Baptiste, diretora geral do
Instituto de Investigação em Recursos Biológicos Alexander von
Humboldt, de Bogotá / Foto © Haroldo Castro.
Em 2017, Brigitte recebeu o prêmio
Prince Claus por suas conquistas em desenvolvimento e cultura.
Para ela, cultura e natureza são esferas que estão diretamente
ligadas. “A proteção da natureza é uma decisão cultural, um
exercício estético e finalmente político. Mesmo como bióloga
reconheço essa forte conexão”, diz Brigitte. “Até mesmo a
perspectiva cientifica do que é um ecossistema é uma decisão
cultural, está em nossa mente. É uma maneira de nos aproximar da
realidade. E certamente não é a única.”
Para ela, o homem ainda precisa
construir a imagem mental da interdependência das coisas. É neste
sentido que a educação deve atuar. “Podemos ser agentes
criativos, inovadores, utilizando as tecnologias atuais”, diz.
O australiano John Croft, cofundador
da Fundação Gaia da Austrália Ocidental, acredita que a saída
para esse momento de crise no planeta é usar a imaginação e
festejar. “O homem deve colocar sua criatividade numa escala nunca
antes pensada. Usar suas habilidades, celebrar todos os dias e fazer
de sua vida uma peça de arte”, diz.
Croft é criador da metodologia
Dragon Dreaming, que propõe a organização das ideias para projetos
colaborativos e construção de uma sociedade “ganha-ganha”.
Baseado na filosofia aborígine australiana, na qual tudo começa ao
redor do fogo, o método foi construído com bases na ecologia
profunda e até mesmo de Paulo Freire. A ideia é contar histórias,
compartilhar sonhos e celebrar.
John Croft, cofundador da Fundação
Gaia da Austrália Ocidental / © Haroldo Castro
Segundo Croft, o ser humano tem 60
mil pensamentos por dia. Tais pensamentos tendem a ser automáticos e
desenhados para a sobrevivência. Cerca de 95% dos pensamentos são
idênticos aos pensamentos do dia anterior. E 75% tendem a ser
críticas negativas.
“Daí a importância de meditar,
ficar em silêncio e sonhar”, diz ele. “Se o sonho é um aspecto
comum a todos os animais, deve haver algo muito importante no ato de
sonhar.” Ele lembra que para construir uma cultura “ganha-ganha”
é preciso falar uma nova língua e calar aquela “vozinha” que
está sempre em nossas mentes dizendo o que é certo ou errado.
Essa nova linguagem parece já ter
sido também descoberta por Edgard Gouveia Junior, arquiteto e
urbanista com pós-graduação em Jogos Cooperativos. Fundador do
Livelab e da Epic Journey, Gouveia colocou toda a plateia para
brincar. “E se eu dizer para vocês que salvar o mundo pode ser
rápido, barato e divertido?” pergunta. Com a dinâmica
“Tocou-Colou”, mostrou de forma divertida e inusitada como é
possível mobilizar pessoas e recursos para salvar o mundo.
Edgard Gouveia Jr, LiveLab / ©
Haroldo Castro
Edgard teve um papel importante em
uma mobilização feita em novembro de 2008 para ajudar a população
de Santa Catarina depois da passagem do furação, um dos maiores
desastres da região que deixou mais de 60 cidades embaixo d’água
da noite para o dia. Houve uma grande comoção nacional para ajudar
a população, mas depois de um tempo a história ficou esquecida.
Com alguns parceiros, Edgard criou um jogo para ajudar as pessoas em
Santa Catarina a saírem da depressão causada pelo desastre. Pessoas
em todo o país se inscreveram. No final, 3.600 participaram do
projeto. Edgar é também cofundador do Instituto Elos, que propõe
soluções inovadoras para construir o melhor dos mundos de maneira
coletiva e prazerosa utilizando metodologias embasadas na
colaboração.
O evento em Inhotim trouxe ainda
artistas como Janet Laurence, que examina a relação conflituosa do
ser humano com a natureza. Seu trabalho como o “Hospital das
Plantas” explora conceitos de cura do mundo natural e está
presente em museus, universidades, empresas e coleções privadas na
Austrália e em outras partes do mundo.
Também foi destaque a palestra
“Para Além dos Muros das Escolas – aprender vivendo e viver
aprendendo”, com a indiana Vidhi Jain que trouxe a experiência de
sua organização em Udaipur na Índia que propõe outras formas de
educação por meio do fortalecimento de comunidades e honrando os
mais velhos.
Vidhi trouxe sua experiência nas
iniciativas Udaipur Cidade do Aprendizado e Famílias Aprendendo
Juntas. A indiana ainda encantou a plateia com seu trabalho na
Universidade das Avós, que honra a sabedoria dos mais velhos e
inspirou a todos com a história de sua filha que nunca frequentou
escola e aprende com os membros da comunidade.
Em sua abertura Yara Castanheira,
gerente de Educação do Instituto Inhotim, destacou a crise na
cultura no Brasil, lembrando de episódios lamentáveis ocorridos nas
últimas semanas, como o incêndio do Museu Nacional do Rio de
Janeiro e da recente tentativa de extinção do Ibram para dar lugar
a Abram, uma iniciativa de cunho privado que tem sido criticada pela
academia e profissionais da área da cultura e educação.
Fonte: ENVOLVERDE
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