Frutas pouco conhecidas têm alto poder anti-inflamatório e antioxidante.
Maria Fernanda Ziegler | Agência
FAPESP – As frutas conhecidas como bacupari-mirim,
araçá-piranga, cereja-do-rio-grande, grumixama e ubajaí ainda não
ganharam fama, nem espaço nos supermercados. Se depender de suas
propriedades bioativas, em questão de tempo elas poderão estar não
só disputando espaço nas gôndolas como ganhando posição no
ranking dos alimentos da moda.
Além dos valores nutricionais, as
cinco frutas nativas da Mata Atlântica têm elevadas propriedades
antioxidantes e anti-inflamatórias. Foi o que verificou uma pesquisa
desenvolvida na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
(Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a
Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp) e a Universidade de La Frontera, no Chile.
“Não havia muito conhecimento
científico sobre as propriedades dessas frutas nativas. Agora, com
os resultados do nosso estudo, a ideia é fazer com que elas sejam
produzidas por agricultura familiar, ganhem escala e cheguem aos
supermercados. Quem sabe elas não se tornam um novo açaí?”,
disse Severino Matias Alencar, do Departamento de Agroindústria,
Alimentos e Nutrição da Esalq, se referindo ao sucesso comercial da
fruta amazônica com grande quantidade de antioxidantes e que hoje
tem a polpa exportada pelo Brasil para vários países.
O trabalho, com apoio
da FAPESP, teve resultados publicados na revista PLOS
ONE.
No estudo foram avaliados os
compostos fenólicos – estruturas químicas que podem ter efeitos
preventivos ou curativos – e os mecanismos anti-inflamatórios e
antioxidantes do extrato de folhas, sementes e polpa de quatro frutas
do gênero Eugenia e uma do gênero Garcinia:
araçá-piranga (E. leitonii), cereja-do-rio-grande (E.
involucrata), grumixama (E. brasiliensis), ubajaí (E.
myrcianthes) e bacupari-mirim (Garcinia brasiliensis),
todas típicas da Mata Atlântica.
Como elas são espécies difíceis
de serem encontradas e algumas estão em risco de extinção, as
plantas foram fornecidas por dois sítios localizados no interior de
São Paulo. As duas propriedades comercializam as plantas com o
objetivo de preservação da coleção. Um dos produtores possui a
maior coleção de frutas nativas do Brasil, somando mais de 1,3 mil
espécies plantadas.
“Começamos nosso estudo
prospectando as propriedades bioativas das frutas, pois sabíamos que
elas poderiam ter boa quantidade de antioxidantes, assim como são as
chamadas ‘berries’ americanas, como o mirtilo, a amora e o
próprio morango, muito conhecidas pela ciência. Mas nossas frutas
nativas se mostraram ainda melhores”, disse Alencar.
De acordo com o estudo, as espécies
do gênero Eugenia têm um vasto potencial econômico e farmacológico
evidenciado não só pelo número de publicações científicas, mas
também pela exploração comercial de suas frutas comestíveis,
madeira, óleos essenciais e uso como plantas ornamentais.
Elas são exemplos de alimentos
funcionais, que, além das vitaminas e valores nutricionais, têm
propriedades bioativas como o combate aos radicais livres – átomos
instáveis e altamente reativos no organismo que se ligam a outros
átomos, provocando danos como envelhecimento celular ou doenças.
“O organismo tem naturalmente
antirradicais livres, que neutralizam e eliminam os radicais livres
do corpo, sem causar dano. Porém, fatores como idade, estresse e
alimentação podem promover um desequilíbrio nessa neutralização
natural. Nesses casos, é preciso contar com elementos exógenos,
ingerindo alimentos que tenham agentes antioxidantes como os
flavonoides, as antocianinas do araçá-piranga e das outras frutas
do gênero Eugenia”, disse Pedro Rosalen, da Faculdade de
Odontologia da Unicamp em Piracicaba.
O pesquisador ressalta que há cerca
de 400 espécies pertencentes ao gênero Eugenia distribuídas pelo
Brasil, incluindo várias espécies endêmicas. “Temos uma
imensidão de frutas nativas com compostos bioativos que trariam
benefícios para a saúde da população. É preciso estudá-las”,
disse.
Alencar é um dos pesquisadores do
projeto “Bioprospecção
de novas moléculas anti-inflamatórias de produtos naturais nativos
brasileiros”, coordenado pelo professor Rosalen, também
autor do artigo publicado na PLOS ONE.
Campeão contra inflamação
As frutas estudadas no projeto com
elevada atividade antioxidante para serem usadas em indústrias de
alimentos e farmacêuticas também tiveram pesquisadas as capacidades
anti-inflamatórias. A grande estrela foi a araçá-piranga, como
demonstraram em artigo publicado no Journal
of Functional Foods.
“A araçá-piranga, espécie
ameaçada de extinção, teve a melhor atividade anti-inflamatória
em comparação com a de outras frutas do gênero Eugenia”, disse
Rosalen. “O mecanismo de ação também é muito interessante, pois
ocorre de forma espontânea e logo no começo da inflamação,
impedindo uma via específica do processo inflamatório. Ela age
também no endotélio dos vasos sanguíneos, evitando que os
leucócitos transmigrem para o tecido agredido, reduzindo a
exacerbação do processo inflamatório”
Rosalen destaca que os antioxidantes
não têm como função única combater o envelhecimento ou a morte
celular, mas a prevenção de doenças mediadas por processo
inflamatório crônico. “A ação oxidante dos radicais livres
também significa o surgimento de doenças inflamatórias
dependentes, como diabetes, câncer, artrite, obesidade, doença de
Alzheimer”, disse.
“Não percebemos muitas dessas
lesões provocadas pelos radicais livres. São as inflamações
silenciosas. Por isso, é importante a ação de sustâncias
antioxidantes, que podem neutralizar os radicais livres”, disse
Rosalen.
As pesquisas colaborativas, apoiadas
pela FAPESP e pela Universidad de La Frontera, também permitiram
ampliar o conhecimento sobre espécies nativas do Chile. Em um dos
estudos, os autores demonstraram a atividade antioxidante e
vasodilatadora da murtilla (Ugni molinae), uma fruta nativa do
país.
No estudo publicado na Oxidative
Medicine and Cellular Longevity, os pesquisadores
destacam que o uso de preparações alimentares obtidas a partir de
frutas e folhas da murtilla pode ter efeitos benéficos na prevenção
e, possivelmente, no tratamento de sintomas de doenças
cardiovasculares.
Alencar destaca que conhecer melhor
as propriedades pode se mostrar uma boa alternativa para estimular a
produção das frutas nativas.
“Antes do projeto com a
Universidad de La Frontera, eu e o professor Pedro Rosalen já
estudávamos as frutas nativas, pois acreditamos que elas podem
revelar ótimas soluções alimentares para a sociedade”, disse.
O artigo Antioxidant and
Anti-Inflammatory Activities of Unexplored Brazilian Native Fruits,
de Juliana Infante, Pedro Luiz Rosalen, Josy Goldoni Lazarini,
Marcelo Franchin e Severino Matias de Alencar
(https://doi.org/10.1371/journal.pone.0152974), pode ser lido em
http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0152974.
Fonte: Agência
FAPESP
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