segunda-feira, 7 de maio de 2018


Ambientalista foi censurada no Fórum Mundial da Água em painel com Nestlé.

Por Ana Carolina Amaral, jornalista ambiental. Especial Envolverde
Foto de Guilherme Kardel

Minutos antes de subir ao palco com seu discurso em mãos, a ativista ambiental Raquel Rosenberg foi impedida de tomar seu lugar na mesa-redonda “Empregabilidade da juventude e água”, que contou com a presença do CEO da Nestlé, Ulf Mark Schneider, e representantes da Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação. O evento foi organizado pela Nestlé no dia 16 de março, às vésperas do 8º Fórum Mundial da Água, que contou com patrocínio da empresa.

Em um discurso contundente, a ativista relaciona a desigualdade social e nas relações de trabalho à falta de acesso a recursos básicos, incluindo os hídricos. Raquel aponta a desigualdade no acesso aos recursos como raiz da violência, citando a recente morte de seu pai, morto em um assalto. O texto também descreve a realidade de um cearense de 20 que só recebe água encanada por meio período em seu bairro. E ainda traz o entendimento da ONU de que os esforços para melhorar a gestão da água devem ser anteriores à preocupação sobre os empregos.

O convite à ativista havia sido feito por meio da Ashoka, ONG de atuação global que apoia agentes de transformação social. Também veio da ONG a preocupação com os posicionamentos do texto.

Nas semanas anteriores ao evento, e-mails da representante da Ashoka suíça Stefania Avanzini pedem mudanças no texto em nome de uma boa relação com a Nestlé e também com Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação – principais patrocinadores da Ashoka. “Editei algumas coisas que a Stefania havia pedido, sem mudar a essência do que eu queria falar; mas quando cheguei no evento, ela me comunicou que eu não falaria, para evitar que os outros membros da mesa ficassem desconfortáveis”, conta Raquel, cujo lugar no palco foi assumido pela representante da Ashoka que havia lhe vetado.

A ausência não foi justificada no microfone por nenhum dos membros do painel, ainda que o público tivesse recebido uma cópia da programação constando o nome da ativista. Na plateia, a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira pediu a palavra ao fim do painel seguinte e apontou a ausência da juventude na discussão. “Acho incrível que todo mundo está fazendo a discussão para o futuro e não tem ninguém aqui que vai estar nesse futuro”, criticou em sua fala. À reportagem, disse ter sido aplaudida por jovens ao deixar a sala. “Eles disseram que foram representados pela minha fala; mas, embora tivesse notado a ausência da Raquel, estou sabendo por você que ela estava lá e foi impedida de falar. Fico estarrecida, isso é incabível”, conta a ministra.
Conhecida pelo engajamento de jovens no ativismo pelas questões climáticas, Raquel é fundadora da ONG Engajamundo e representou a juventude internacional em discurso na COP-21, Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas de 2015, que chegou ao Acordo de Paris (discurso aqui). Agora, diante da censura, ela mostra preocupação com a falta de diálogo. “Queria ter a oportunidade de conversar sobre as diferentes visões. As grandes corporações precisam se abrir para ouvir as mudanças que querem tratar o problema na raiz, e não apenas as soluções band-aid”, aponta, em referência a inovações paliativas. “A mesa [em que Raquel participaria] ficou discutindo o que fazer com o plástico das garrafinhas, quando a raiz do problema é a fabricação da garrafinha”, exemplifica. 

Segundo ela, a questão hídrica exige mudança de paradigmas e, por isso, “precisa ser discutida junto às empresas, não só no Fórum Alternativo; mas esses espaços não existem e, quando existem, nos vetam em cima da hora”, lamenta.

O discurso da ativista de 28 anos (abaixo, na íntegra) trazia o que os movimentos sociais viriam a defender nos dias seguintes, no Fórum Alternativo Mundial da Água: a abordagem da água como direito humano e não como mercadoria. O embate entre as duas visões dura mais de duas décadas e, em 2010, levou a ONU a reconhecer “o acesso à água de qualidade e a instalações sanitárias” como direito humano. Já as empresas interessadas na exploração do recurso defendem medidas como o controle privado de fontes de água mineral. Durante a 8ª edição do Fórum Mundial da Água, em Brasília, a sede da Nestlé em São Lourenço (MG) foi ocupada por 600 mulheres do MST contra a exploração das fontes adquiridas pela empresa em 1994. Os protestos alegavam que a produção de água engarrafada estaria diminuindo os sais minerais e a vazão da água disponível para a população.

Em nota enviada à reportagem, a assessoria da Nestlé afirma que “nós incorporamos explicitamente o reconhecimento e o respeito pelo direito humano à água por meio das Diretrizes da Nestlé sobre o Direito Humano à Água e ao Saneamento. ” Sobre o evento, a mesma nota diz: “a Ashoka entendeu que o teor da apresentação não estaria alinhado ao tema foco do painel”. A Ashoka não retornou às tentativas de contato da reportagem, mas, segundo Raquel, a ONG teria lhe procurado para checar seu alinhamento com a resposta a ser enviada pela Nestlé.

Fonte: ENVOLVERDE

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