Tragédia de Mariana: Desastre com
barragem acordou ‘monstro’ de poluentes no Rio Doce, diz perito.
Governador Valadares (MG) – Passagem da lama
pelo Rio Doce, por causa do rompimento de barragem em Mariana, causou desastre
ambiental. Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios/Divulgação.
O desastre ambiental com a Barragem de Fundão,
explorada pela Samarco em Mariana (MG), que completou dois anos em
novembro, fez com que poluentes que estavam estabilizados no fundo do Rio Doce
subissem, piorando ainda mais as condições da água. Metais como arsênio,
chumbo, manganês, níquel, cromo e alumínio (substâncias danosas à saúde humana)
passaram a ser encontrados nas coletas de pesquisadores. Esses elementos não
faziam parte do que foi encontrado originalmente no rejeito da barragem.
“Com a passagem da lama, que veio de uma vez com
muita energia e grande volume, o movimento revolveu o fundo do leito do rio. É
como se tivesse acordado um monstro”, explica o perito criminal federal Marcus
Vinícius Andrade, que chefiou a equipe que fez a coleta de provas e coordenou
os laudos da investigação. “Até hoje, em vários pontos, temos um nível alto de
poluentes”.
O “monstro acordado” pode ser um dos responsáveis
pela piora na qualidade da água dois anos depois do desastre, conforme
constatou a Fundação SOS Mata Atlântica. Segundo estudo da entidade, as condições estão ruins ou péssimas em
88,9% dos 18 pontos de coleta analisados. Em apenas dois pontos, a qualidade
foi apontada como regular (11,1%). A fundação informou que a água apresenta
concentrações “elevadas de sólidos em suspensão e metais pesados” como
manganês, cobre, alumínio e zinco.
O relatório dos peritos criminais federais
explicou que “a onda liberada pelo rompimento da barragem, com elevado volume e
energia, carreou parte do solo às margens e revolveu sedimentos do fundo do Rio
Doce e seus afluentes, suspendendo elementos até então retidos para esses
corpos d’água”. Foram mais de 330 mil análises de água em laboratórios
brasileiros. Os peritos realizaram ainda, na época, 26 coletas em Fundão, com o
lançamento de sondas por helicóptero, quando foram encontrados minérios de
ferro e manganês. Ao longo do rio, a coleta é feita com equipes em barcos.
Desde o ciclo do ouro
Segundo Marcus Andrade, esses poluentes que foram
suspensos, e que estavam estáveis no fundo do rio, hoje em quantidade muito
acima do nível esperado, são o resultado de uma história longa de deposição que
vem desde a exploração do ciclo do ouro na região. Não houve elementos para
avaliar se alguma parte dessas substâncias é de outras empresas, que também
jogam materiais no Rio Doce, antes, durante ou depois do desastre. O perito
aponta que, antes do desastre, a maioria dos pontos dos rios tinha qualidade
média ou boa e utilizável para tratamento de água. “Esse relatório da SOS Mata
Atlântica afirma, inclusive, que a maioria dos pontos estava em situação ruim
ou péssima, o que impede a captação de água em todas aquelas cidades ao longo
do rio”.
Para a especialista em água da SOS Mata
Atlântica, Malu Ribeiro, condições naturais também têm influenciado a situação
do rio. “A seca extrema e o baixo volume de água causaram uma concentração dos
poluentes, o que fez com que a poluição, apesar de imperceptível a olho nu,
esteja em concentração bem maior do que no ano passado”. Para Marcus Andrade, a
recuperação do rio deve demorar muito tempo. “Não é só a toxicidade do rejeito,
mas a própria característica de os compostos ficarem suspensos e manter a
turbidez, com a pouca transparência da água. Até hoje, isso prejudica muito a
proliferação da vida aquática ou a utilização do rio”.
O perito criminal federal Rodrigo Mayrink, que é
veterinário e fez exames nos peixes mortos no Rio Doce, concorda que metais
pesados que aparecem nas coletas são resultado do desastre que teria revirado o
fundo do leito. Ele lembra que o rio atravessa polo industrial importante em
Minas Gerais, o que contribui historicamente para a poluição. “No Vale do Aço,
há uma série de pequenas e médias indústrias, como de papel e celulose, que
acabam jogando rejeitos no rio, que são tratados de uma forma ou de outra”.
Valor do prejuízo
O oceanógrafo e professor gaúcho Antonio
Philamena, que realiza perícia independente em Mariana, faz um estudo para
apontar o valor monetário do prejuízo do desastre para a sociedade. Ele utiliza
duas metodologias, uma para avaliar o dano na bacia e outra para avaliar os
danos indiretos.
Philamena defende a valoração para subsidiar políticas
públicas e legislações, a fim de coibir instalações de empresas sem aporte
financeiro para lidar com cenários como esse em Minas Gerais.
“Nossa questão é entender como uma indústria de
determinado valor acaba com um rio. Eu vou fazer um cálculo para avaliar qual
seria o valor de um rio. Estou melhorando o modelo para servir de base.
Multa é
diferente de reparação. O rio virou um canal. Como uma barragem pode fazer uma
destruição tão grande? Se a empresa não tem dinheiro para cobrir um desastre,
não deveria funcionar”. Alguns gastos são mensuráveis, outros não. “A parte
tecnológica é até mais simples, mas o impacto social não tem como calcular”.
Fonte: Agência Brasil
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