Impacto do ecoturismo à fauna
silvestre deve ser mais bem investigado, diz professora da UERJ.
Por Karina Toledo, da Agência FAPESP
Professora da UERJ aponta
problemas como o aumento na mortalidade de animais relacionado à pesca, à caça,
à colisão com veículos e embarcações e até vitimados por hélices de barcos
(foto: Sapajus flavius/Acervo CPB/ICMBio)
O ecoturismo costuma ser visto como uma forma
sustentável de explorar o patrimônio natural de um país – preservando a
integridade dos ecossistemas, gerando renda para as comunidades locais e, desse
modo, contribuindo para a conservação da vida selvagem.
Mas na avaliação da ecóloga Helena de Godoy
Bergallo, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), esse
tipo de atividade pode causar impactos consideráveis à fauna, que precisam ser
mais bem compreendidos pela ciência e minimizados por meio de uma gestão mais
eficaz.
O tema foi debatido durante o Workshop sobre Pesquisa Aplicada à Gestão da Fauna Silvestre
– promovido em São Paulo, no dia 23 de novembro, pela coordenação do Programa
FAPESP de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso
Sustentável da Biodiversidade (BIOTA). Segundo os organizadores, o objetivo do
evento foi estimular a aplicação de boa ciência para aprimorar a gestão da
fauna silvestre – bem como envolver a academia e outros setores da sociedade
nesse debate.
“Conhecemos bem os impactos diretos observáveis do
ecoturismo, mas não sabemos qual é a dimensão do problema. Qual é o efeito que
a mortalidade de alguns indivíduos pode ter sobre a população de uma espécie e
sobre o ecossistema? A escala de aceitabilidade dos impactos costuma ser
baseada em motivos estéticos e não científicos. Faltam estudos”, disse
Bergallo.
Entre os problemas citados pela pesquisadora está o
aumento na mortalidade de animais relacionado a atividades como pesca e caça ou
à colisão com veículos e embarcações. Segundo Bergallo, não são raros os casos
de peixes-boi vitimados por hélices de barcos, por exemplo.
Além disso, a pesquisadora menciona as alterações
no habitat e na composição de plantas decorrentes da construção de pousadas,
restaurantes e demais infraestrutura necessária para receber turistas. “O
pisoteamento da vegetação nas trilhas causa a compactação do solo e a
modificação das plantas. Pode haver perda de espécies nativas e entrada de
invasoras, redução na floração e frutificação. Já a onda formada pelos barcos
pode promover a intrusão de sal em comunidades que não toleram esse mineral”,
contou.
Também é frequente ocorrer distorção do hábito
alimentar dos animais, seja por causa da comida oferecida pelos turistas ou por
iscas usadas pelos organizadores dos passeios para atrair espécies como o
boto-rosa, por exemplo. Muitas vezes, alguns indivíduos são mantidos em
cativeiro para que o visitante possa ter um contato mais próximo com a fauna.
Outras fontes de impacto podem passar despercebidas
pelos humanos, disse a pesquisadora, como a luz artificial e os sons emitidos
por barcos, aeronaves e veículos terrestres.
“As pessoas costumam achar lindo quando veem os
cetáceos surfando ao lado de embarcações, mas na verdade eles estão estressados
com todo aquele barulho. Há ainda o exemplo das ariranhas perturbadas por
barcos durante o período de alimentação no Peru e o do anfíbio fossorial da
espécie Spea hammondii, induzido a emergir de buracos onde se esconde
pelo som dos veículos, provavelmente por ser semelhante ao de chuvas fortes”,
disse.
Como consequências desses impactos, Bergallo
mencionou a migração de espécies que não toleram a presença humana; a redução
no tempo que o animal tem para se alimentar e a elevação no gasto energético
(ambas relacionadas ao tempo perdido tentando fugir dos humanos); comportamento
social aberrante (aumento na agressividade entre indivíduos de uma mesma
espécie e disputa pela fonte de alimento introduzida pelo homem); maior
vulnerabilidade de algumas espécies a competidores e predadores; abandono de
filhotes e perturbação no padrão reprodutivo.
“Sabemos que populações pequenas, de reprodução
lenta, e espécies raras são as mais afetadas. Mas ainda há poucos estudos
ligando o impacto sobre determinados indivíduos aos efeitos sobre as
populações. Também são necessários estudos que ajudem a avaliar a capacidade de
suporte de diferentes ecossistemas para que seja possível estabelecer o número máximo
de visitantes nesses locais”, disse Bergallo.
Para a cientista, o ecoturismo tem um potencial
limitado de contribuir com a conservação da biodiversidade e apenas com boa
gestão e melhor regulamentação será possível obter benefícios reais com a
atividade.
“A legislação brasileira e o Plano Nacional de
Turismo não trazem uma regulamentação específica para o ecoturismo. É preciso
pensar na criação de normas éticas – a exemplo das existentes nas comunidades
de observadores de aves”, defendeu Bergallo.
Lacunas no conhecimento
Como explicou Luciano Verdade, membro da
coordenação do BIOTA e pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura
da Universidade de São Paulo (USP/Cena), o workshop realizado na sede da FAPESP
visa promover a interação entre o que se produz de pesquisa científica que pode
ser aplicada na gestão da fauna com as diversas demandas existentes na
sociedade.
“O Brasil tem uma política pública excessivamente
conservadora no que toca à governança da fauna.
A filosofia é: proíba tudo e
trate todas as espécies como ameaçadas. Mas, além da proteção em si, existe uma
diversidade maior de demandas em relação à fauna. Há animais que vivem em
conflito com a agropecuária, a silvicultura ou mesmo com a saúde pública. Por
outro lado, há outros que podem gerar riqueza e inclusão social se explorados
de forma biologicamente sustentável. O panorama é mais complexo”, disse
Verdade.
O pesquisador ressaltou ainda a necessidade de
desenvolver projetos de monitoramento que permitam detectar de forma precoce e
eficiente eventuais mudanças no estado das populações silvestres.
“Esse processo [a boa gestão da fauna] pode ser
limitado quando não sabemos ao certo o que fazer por falta de base conceitual.
Há momentos que sabemos o que fazer, mas falta tecnologia para saber como
fazer. A inovação, portanto, deve ser estimulada. Há ainda diversas situações
em que sabemos o que fazer e como, mas não onde, quando e com quem. Nesse caso
falta uma estrutura de governança. Nossa tentativa hoje é contribuir para uma
percepção mais clara do que nos limita”, disse Verdade.
Segundo Carlos Alfredo Joly, professor do Instituto
de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da
coordenação do BIOTA, o debate poderá auxiliar na definição de temas para
futuras chamadas de propostas lançadas no âmbito do programa.
“O BIOTA geralmente faz duas chamadas por ano, sem
contar aquelas lançadas com parceiros nacionais e internacionais. A definição
da temática nasce dessas discussões com a comunidade científica”, contou Joly.
Além dos impactos do ecoturismo, também foi
abordada no evento a gestão de espécies invasoras, como é o caso do javali.
Segundo Virgínia Santiago, da Embrapa Suínos e Aves, a população de javalis tem
se expandido expressivamente desde os anos 1990, competindo por recursos com
espécies nativas. Os riscos sanitários associados a esse fenômeno, disse a
pesquisadora, ainda são desconhecidos.
O pesquisador Walfrido Moraes Tomas, do Laboratório
de Vida Selvagem da Embrapa Pantanal, lembrou que em 2017 completou 50 anos a
lei que proibiu a caça no Brasil (exceto a de subsistência).
Segundo ele, a caça existe no território nacional
desde a chegada da espécie humana e ainda hoje é onipresente, apesar de
formalmente proibida.
“Não conseguimos evitar o uso descontrolado e nada
sabemos sobre seus efeitos sobre populações.
Não há números oficiais. Com a
proibição da caça, não construímos na academia as carreiras específicas para a
gestão de fauna, não foi estabelecida uma demanda por profissionais com este
perfil. Não estabelecemos, portanto, nenhuma base científica que possa dar
suporte às tomadas de decisão”, afirmou Tomas.
Mauro Galetti, professor do Departamento de
Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, falou sobre
como a defaunação pode contribuir para o agravamento das mudanças climáticas.
Segundo ele, a redução das populações de grandes frugívoros nas florestas
tropicais – os únicos animais capazes de dispersar sementes de maior porte –
resulta na substituição de árvores de madeira dura por espécies com menor
capacidade para armazenar carbono (leia mais em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/12/18/extincao-de-animais-pode-agravar-efeito-das-mudancas-climaticas/).
A bióloga Cláudia Schalmann, da Companhia Ambiental
do Estado de São Paulo (Cetesb), abordou questões relacionadas à fauna
silvestre nos processos de licenciamento ambiental de projetos e empreendimentos
paulistas. Destacou a importância de medidas mitigadoras do impacto, como
evitar a entrada de animais domésticos nas áreas verdes, manter a conectividade
do fragmento florestal do lote com o entorno e criar passagens de fauna
(elevadas ou subterrâneas) em rodovias, entre outras.
A gestão de espécies ameaçadas foi tema da palestra
de Marcio Martins, professor do Departamento de Ecologia do Instituto de
Biociências da USP, que explicou como foi elaborado o Livro Vermelho da Fauna Brasileira
Ameaçada de Extinção, organizado pelo Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Todas as apresentações foram transmitidas ao vivo e
as gravações estão disponíveis na íntegra pelo site: http://www.fapesp.br/eventos/fauna.
Fonte: EcoDebate
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