Proibido
discutir Belo Sun.
por Anna Beatriz Anjos |
Agência Pública –
Em entrevista, a professora Rosa Acevedo Marin
conta como foi a agressão do prefeito de José Porfírio (PA) aos pesquisadores
que debatiam Belo Sun no campus da UFPA
Na última quinta-feira (29), pesquisadores da
Universidade Federal do Pará (UFPA) se reuniriam no campus de Belém para
realizar o seminário “Veias Abertas da Volta Grande do Xingu”. No encontro,
apresentariam os resultados de estudo feito com as comunidades afetadas pela
hidrelétrica de Belo Monte e que sofrem, neste momento, uma nova ameaça: a
instalação, em sua área, do maior projeto de extração de ouro a céu aberto do
país, conduzido pela mineradora canadense Belo Sun (leia mais em “À
espera de Belo Sun”).
A programação, no entanto, não chegou a acontecer.
Dirceu Biancardi (PSDB), prefeito do município de Senador José Porfírio, na
região do Xingu, ocupou o auditório acompanhado por um grupo de cerca de 40
pessoas, formado, segundo os presentes no evento, por servidores e moradores da
cidade, vereadores e até um deputado estadual, Fernando Coimbra (PSD). Os
pesquisadores contam que foram impedidos de expor seus trabalhos enquanto o
prefeito e seus apoiadores fizeram falas agressivas em apoio à Belo Sun.
Rosa Acevedo Marin, coordenadora do projeto de
pesquisa que seria apresentado na ocasião e professora titular da UFPA, diz
ainda que o auditório foi trancado pelo grupo de Biancardi. “Eu quis sair da
sala porque a situação estava ultrapassando os limites, mas o prefeito ordenou
ao seu grupo o fechamento do auditório e ficamos 40 minutos lá”, explica.
Registros do episódio circulam nas redes sociais e motivaram manifestações de
repúdio da reitoria da UFPA e da OAB
Pará. O Ministério Público Federal também abriu investigação para apurar o que ocorreu no campus da
universidade.
“Tenho muitos anos de universidade e foi a primeira
vez que vi isso – pessoas confundindo a universidade com palanque”, afirma
Marin.
O que aconteceu exatamente durante o seminário “As
veias abertas da Volta Grande do Xingu”, no último dia 29 de novembro?
Temos um projeto chamado “Nova Cartografia Social
dos Povos Tradicionais da Volta Grande do Xingu”. Ele trata tanto dos efeitos
da construção da hidrelétrica de Belo Monte como deste outro projeto que é seu
irmão-gêmeo, a mineração na área da Volta Grande do Xingu, que obedece ao
esquema da grande mineração, da mineração industrial. Neste empreendimento está
envolvida uma empresa canadense chamada Belo Sun. Temos uma série de atividades
nesse projeto – levantamento de dados, materiais de imprensa – e em
trabalho de campo realizamos oficinas de cartografia na Vila da Ressaca, que
fica na Volta Grande do Xingu, na Ilha da Fazenda e em quatro travessões do
Projeto de Assentamento Ressaca, que é parte de uma gleba chamada Itatá. Nossa
proposta nos dias 28 e 29 era primeiro fazer um seminário na Universidade do
Estado do Pará [UEPA] com instituições públicas, como a Secretaria do Meio
Ambiente e Sustentabilidade [Semas] do estado do Pará, o Ministério Público,
Incra, o SPU [Superintendência do Patrimônio da União]. Mas, principalmente,
fazer indagações sobre a questão das condicionantes que incidem sobre o projeto
de mineração Belo Sun. No segundo dia, faríamos o encontro entre quatro
pesquisadores, o Ministério Público Federal e representantes da Cooperativa
Mista dos Garimpeiros da Ressaca, Galo, Ouro Verde e Ilha da Fazenda
[Coomgrif]. Essa era a previsão, mas houve a chegada de um grupo de 40 pessoas,
organizadas pelo prefeito do município de Senador José Porfírio, com um estado
bastante agressivo, como se a universidade fosse a resposta às decisões
políticas que eles estavam esperando em relação à implantação da Belo Sun.
Essas pessoas estavam realmente fora de controle, entraram no seminário durante
a primeira rodada de conversa e apresentações, quando começamos a conversar
sobre a pesquisa e a forma como estava sendo conduzida. Neste momento eles
perderam o controle, pensando que estávamos dispostos a desacreditar o projeto
da Belo Sun. Eu quis sair da sala porque a situação estava ultrapassando os
limites, mas o prefeito ordenou ao seu grupo o fechamento do auditório e
ficamos 40 minutos lá. Depois disso, tentamos recuperar o clima, queríamos
continuar conversando e, para a nossa surpresa, as pessoas que estavam
acompanhando o prefeito não falaram, quem falou foi ele, um vereador amigo seu
e um deputado estadual chamado Fernando Coimbra. Nós não podíamos [falar], e o
evento termina dessa forma, sem a realização do seminário, com coerção e
insultos aos pesquisadores e pesquisadoras, e, no final, eles tomaram a palavra
e ocuparam os lugares onde ficariam os pesquisadores. Depois disso, houve um
pequeno intervalo em que a defensora pública Andrea Barretofez uso da palavra
para comunicar quais são as ações que está movendo a Defensoria Pública contra
o projeto da mineradora Belo Sun. Conseguimos que ela falasse por quinze
minutos, depois o prefeito tomou a palavra e falou por mais de vinte minutos,
em seguida entrou o vereador, logo após, esse deputado estadual que já
mencionei, e o evento terminou assim, com total desrespeito ao que pretendíamos
– o seminário foi totalmente inviabilizado, criou-se um clima de tensão muito
grande. Nós, pesquisadores, estávamos num grupo de oito: os que conseguiram
entrar, porque eles fecharam a porta, e os que estavam do lado de fora não
conseguiram ter acesso à sala. O seminário tinha três momentos: o primeiro para
os movimentos sociais; o segundo, para os pesquisadores apresentarem seus
trabalhos; e o terceiro para o público, em que eles poderiam falar.
A comunidade Vila da Ressaca fica na área de
instalação do empreendimento da Belo Sun (Foto: Iuri Barcelos/Agência Pública)
Quais providências a senhora tomou em relação aos
ataques que sofreu?
Sou servidora pública federal. Esse evento
aconteceu em uma universidade púbica federal e é caracterizado como um ato
contra a instituição e suas regras – um seminário tem coordenador, regras,
programação, uma finalidade. Essa é a primeira questão: o tumulto criado
impediu que a programação fosse realizada. Naquele mesmo espaço, ocorreu uma
série de ameaças, havia um tom elevado por parte do prefeito e de seus
acompanhantes. Isso realmente nos criou um constrangimento muito grande, uma
coerção, nós não podíamos falar. Depois, houve outro ato grave, o fechamento da
porta, que impediu nossa saída e a entrada dos nossos colegas que estavam lá fora
– inclusive, uma pesquisadora precisou ir ao banheiro e foi impedida. Uma
professora da universidade teve sua palavra cerceada e as pessoas gritavam para
que saísse da sala, chamavam-na de velha. Por último, a ocupação do lugar: era
um espaço onde podíamos estar conversando tranquilamente, apresentando nossos
trabalhos, e fomos interrompidos pela presença dessas pessoas. Houve não só a
violência simbólica, mas também a física, porque pessoas foram fechadas em uma
sala, sem condições de sair e obrigadas a ouvir o que ele [o prefeito] estava
gritando. Isso caracteriza uma situação muito complicada que nós levamos
primeiramente à Polícia Federal. Hoje pela manhã [quinta, dia 30] fui chamada
pelo reitor, ele solicitou que seu secretário ouvisse o meu depoimento e os dos
colegas, professores e estudantes, que estavam no ato. Pelo menos durante uma
hora e meia conversamos sobre esse fato. Essas questões todas circularam
rapidamente porque, enquanto estávamos presos na sala, colegas chamaram a
imprensa e, quando os jornalistas chegaram, foi o momento em que a porta foi
liberada. Tenho muitos anos de universidade e foi a primeira vez que vi isso –
pessoas confundindo a universidade com palanque.
Por que o prefeito de Senador José Porfírio se
colocou tão veementemente a favor da Belo Sun, na sua opinião?
Boa parte da área do empreendimento da Belo Sun
coincide com a área de Senador José Porfírio, um município também muito afetado
pela hidrelétrica de Belo Monte que, por uma definição de áreas de influência,
não entrou nas compensações da Norte Energia. Pouquíssimas compensações foram
feitas na Vila da Ressaca, e depois de muita exigência foi colocado sistema de
água e esgoto que não funciona. Então, o grupo político de Senador José
Porfírio está esperando [da Belo Sun] compensações financeiras e empregos, por
exemplo.
O prefeito de Senador José Porfírio (PA), Dirceu
Biancardi, fez fala a favor da mineradora canadense Belo Sun (Foto:
Reprodução/Facebook)
Como se deu o projeto de pesquisa “Nova Cartografia
Social dos Povos Tradicionais da Volta Grande do Xingu”?
Em função do vínculo que tenho como docente da
universidade desde 2012, realizamos um trabalho sobre o Baixão do Tufi, uma
área que desapareceu com muita violência após a construção da hidrelétrica
de Belo Monte. Neste ano, estávamos novamente em conversa com a faculdade e
movimentos locais para debater essa questão da mineradora Belo Sun e decidimos
fazer oficinas de cartografia social. Isso representa a forma como os agentes
sociais da Volta Grande do Xingu – garimpeiros, indígenas, assentados, pescadores
– encaram os efeitos do projeto, que se somará aos impactos já existentes
saudados pela hidrelétrica de Belo Monte. Fizemos trabalho de campo:
entrevistamos, filmamos, realizamos oficinas de cartografia e estamos, neste
momento, elaborando um boletim sobre os povos e comunidades tradicionais da
Volta Grande do Xingu.
Nossa reportagem esteve na região da Volta Grande
do Xingu em setembro e constatou que uma parte das comunidades atingidas é a
favor da vinda da Belo Sun. De que forma a mineradora consegue angariar apoio?
A empresa oferece muitas vantagens. Isso aconteceu
com Belo Monte, mas agora que as casas estão rachadas, que eles [afetados] não
têm mais transportes, estão observando a ilusão que é o projeto de
desenvolvimento. Lamentavelmente não temos as condições de informação, de
crítica para que a pessoa possa produzir uma outra posição da sua vida que não
seja essa venda da necessidade, esse tipo de agenciamento. Dizíamos ontem para
as pessoas não se enganarem, para não pensarem que o desenvolvimento que eles
[empresas] oferecem [vai fazer com que] seus filhos e netos aproveitem algo
desse projeto. É esse tipo de reflexão que não chega. O problema é esclarecer
as pessoas sobre isso, e esse é o papel da universidade. O que nós pretendíamos
era levar essa informação para as pessoas refletirem, quando entra [no
auditório] um agente público como um prefeito com aquele tipo de postura.
Que tipos de impactos ambientais e sociais
acarretaria a instalação do projeto de extração de ouro pretendido pela Belo
Sun na Volta Grande do Xingu?
A primeira coisa, algo que está sendo dito
repetidamente mas que eles fazem questão de apagar: a questão dos recursos
hídricos que serão trazidos para viabilizar a exploração do empreendimento. Há
a questão da área que será desmatada para que seja retirado o minério. Tem
também uma questão social extremamente importante: nessa área da Volta Grande
do Xingu, dependem do garimpo muitas famílias – na Vila da Ressaca, no Galo, na
Ilha da Fazenda. Haverá uma inviabilização da vida dessas famílias. Já os
efeitos ambientais ainda são poucos conhecidos. Tem ainda a questão das terras
indígenas, a área da mineração é muito próxima à TI Paquiçamba, que será
afetada. O depósito do rejeitos dessa exploração mineral é também problemático.
Não sabemos o que vai ocorrer com a Bacia do Xingu nessa área. Essas empresas
de mineração têm uma forma de atuação cega a qualquer outro debate que não seja
a finalidade que desejam atingir. A mineradora Belo Sun diz que é uma indústria
moderna, mas sabemos que há outras maneiras técnicas de se fazer esse tipo de
exploração.
Fonte: ENVOLVERDE
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