quarta-feira, 16 de janeiro de 2019


Uma agenda ambiental para Brasil e China.

Por Izabella Teixeira

Em um mundo multipolar, China e Brasil podem buscar um caminho que traga prosperidade e sustentabilidade.

A harmoniosa relação sino-brasileira deve ir além do contexto econômico, comercial, tecnológico e cultural. Países detentores de extensos territórios e sociedades plurais e diversas, Brasil e China são nações emergentes num mundo contemporâneo e multicultural.A superação das barreiras geográficas entre Brasil e China foi determinante na construção de parcerias estratégicas e de novos caminhos de diálogo na arena internacional. O momento atual anuncia tendências de mudanças nas relações internacionais contemporâneas.

“Para avançarmos no arranjo entre meio ambiente e desenvolvimento, é fundamental instituir coalizões ou parcerias de composições variadas com outros países e instituições”

Reflexões sugerem a emergência de uma nova ordem internacional multipolar. Numa perspectiva mais estratégica sobre o mundo que se insinua, como uma parceria ou aliança entre o Brasil e a China estaria inserida? Seria desejável e viável para esses países a promoção de ações em temas comuns de interesses globais?

Há várias possibilidades de abordar essas perspectivas e de definir inovadoras rotas de cooperação sino-brasileira no contexto de um mundo contemporâneo multicultural. Uma dessas rotas envolve uma ousada leitura política da agenda ambiental, orientada por uma abordagem do meio ambiente como ativo econômico e social.
Ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira (Elza Fiúza/Agência Brasil).

A cooperação em meio ambiente entre os dois países é recente e motivada por temas globais, como sustentabilidade, mudança do clima, biodiversidade e recursos hídricos. Certamente, a agenda de mudança do clima tem sido determinante para o estreitamento do diálogo politico e econômico entre os dois países. Um exemplo central disso foi o esforço empreendido no âmbito do BASIC – grupo constituído por Brasil, África do Sul, Índia e China para viabilizar o Acordo de Paris, em 2015.

Para avançarmos no arranjo entre meio ambiente e desenvolvimento, é fundamental instituir coalizões ou parcerias de composições variadas com outros países e instituições, considerando os interesses comuns entre China e Brasil, que levem à conexão real e efetiva da temática ambiental como parte da equação doméstica e internacional de desenvolvimento e de liderança.

Isso exige comprometimento politico e econômico e uma visão inovadora de cooperação bilateral, que também são determinantes para o fortalecimento da agenda multilateral global. Requer, ainda, coordenação entre as políticas interna e externa, e um debate mais aprofundado sobre temas globais, suas soluções e do seu impacto na qualidade e nos estilos de vida das nossas sociedades.

Nesse contexto, é relevante buscar a construção de uma visão, ou pelo menos, de um entendimento comum, sobre uma linha de base de temas e pontos estruturantes para uma plataforma de cooperação em meio ambiente. As parcerias advindas deste entendimento poderiam levar à conquista de resultados em três perspectivas estratégicas orientadas por uma leitura do Meio Ambiente como tema de Estado:
      1. uma percepção de longo prazo de cada país baseada em interesses concretos;

      2. uma ação coordenada para a conquista de resultados e de fortalecimento de ações bilaterais;

      3. a facilitação da construção de posições conjuntas no contexto multilateral.

Esses caminhos devem ser orientados pela necessária complementariedade que a agenda ambiental encerra aos processos de desenvolvimento, e não guiados pela timidez política. Ambos os países têm muito a avançar na neutralização de impactos ambientais negativos, com os desafios de restauração florestal, e em descarbonização.

Há diversas possibilidades de ampliar os interesses comuns, já estabelecidos pela parceria política nas agendas de segurança climática e hídrica e na conservação da biodiversidade.

Esta última pode ser alcançada, por exemplo, na contenção de emissões de carbono com a transição energética das fontes fosseis para as renováveis, ou com a inserção ampliada da agricultura tropical brasileira de baixo carbono no mercado chinês de alimentos.

As agendas de segurança alimentar e energética, de qualidade de vida nas cidades, de infraestrutura sustentável, no controle da poluição nos setores industriais, saneamento e de transporte, além da bioeconomia, têm papel emergente e estruturante na cooperação sino-brasileira.

Os interesses são concretos e devem estar orientados à construção de soluções permanentes de desenvolvimento em ambos os países. Há também diversas possibilidades de ampliar os interesses comuns, já estabelecidos pela parceria política nas agendas de segurança climática e hídrica e na conservação da biodiversidade. A maior eficiência hídrica na produção sustentável de alimentos seria uma contribuição sem precedentes para a segurança alimentar e a erradicação de fome no mundo.

Os sistemas de compliance das legislações nacionais de meio ambiente e o acesso a novos mercados consumidores de alimentos e de bioenergia são outros bons exemplos. Ou ainda, ações inovadoras para a produção de proteína animal com baixo impacto ambiental e renovação/preservação de recursos biológicos, como no caso dos recursos pesqueiros e na proteção de oceanos.

Na conservação da biodiversidade, há a oportunidade anunciada pelos desafios comuns na conservação de espécies raras e ameaçadas de extinção. Uma plataforma de cooperação sino-brasileira em temas ambientais baseada em interesses comuns concretos como os listados acima poderia oferecer uma contribuição única e engenhosa de atuação dos dois países no âmbito do multilateralismo, com a construção de novos valores, novos instrumentos de cooperação públicos e privados e com (relativa) influência no contemporâneo mundo global multilateral.

O desenvolvimento sustentável agrega valor no Brasil e na China? Parece que sim, mas o conceito precisa ser entendido mais amplamente. É necessário obter feedback dos setores econômicos, e, assim, ir além do tripé da sustentabilidade estabelecido em 1992, de sustentabilidade ambiental, desenvolvimento econômico e sustentabilidade social.

Para isso, é determinante, lidar com os obstáculos que ainda separam Brasil e China, como as formas distintas de organização social e de interação entre indivíduos, as poucas oportunidades de alto retorno a curto prazo nas bases já existentes. Ainda há pouca interdependência, para além do comércio de produtos de base. Por outro lado, cabe observar que as transições importantes no mundo de hoje já impactam a priorização dos temas ambientais por parte das sociedades dos dois países.

Por isso, faz-se necessário que tais temas deixem de ser percebidos como acessórios ou obstáculos ao desenvolvimento e passem a ser parte das nossas escolhas políticas de países mais justos e inclusivos.

É essencial a busca de sinergias entre as agendas ambientais e os interesses de sociedades nacionais e globais nas escolhas das rotas de desenvolvimento. Em 2020, a China vai sediar a Conferencia das Partes da Convenção da Diversidade Biológica. Será uma ocasião ideal para que Brasil e China ofereçam ao mundo um novo olhar político de vínculos entre biodiversidade, mudança do clima e bem-estar individual e coletivo. Certamente, uma oportunidade única para a cooperação sino-brasileira e a compreensão política de uma nova agenda ambiental.

Brasil e China podem buscar novos objetivos político, econômico e tecnológico e formar “um G2 Brasil – China em meio ambiente”, que promova uma nova e mais harmoniosa agenda ambiental. Izabella Teixeira foi ministra do Meio Ambiente do Brasil entre 2010 e 2016.


Fonte: ENVOLVERDE

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