O princípio da precaução tão urgente e ao mesmo tempo, tão esquecido.
Por Sucena Shkrada Resk
Memória, ah, essa memória
histórica, que dá sentido e é importante para começos e
recomeços. Nesse recuperar do tempo, o Princípio 15 – da
Precaução (precautio-onis, em latim), instituído da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio 92), que se tornou essencial no Direito
Ambiental, é tão emergente hoje e ao mesmo tempo tão esquecido no
tabuleiro da governança pública local e global… Trata-se, no
fundo, da chamada “ética do cuidado” e do gerenciamento de risco
que cabe aos agentes econômicos, que em sua atividade, provocam ou
têm potencial de provocar passivos.
O objetivo não tem sentido dúbio:
“Para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos
Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde
existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será
utilizada a falta de certeza científica total como razão para o
adiamento de medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a
degradação ambiental”.
No mesmo ano da Rio-92, o princípio
foi introduzido no Tratado de Maastricht, conhecido como Tratado da
União Europeia. Os governantes já tinham clareza da relação de
causas e consequências.
Ao retornar mais na linha dos
séculos, a trajetória desde princípio tem sua gênese na Grécia
antiga, que incorpora o cuidado e a ciência da necessidade do mesmo.
Quando ingressamos no século XX, na Alemanha, por volta dos anos 70,
foi adotado o chamado Vorsorgeprinzip diante dos efeitos deletérios
da poluição industrial (das chuvas ácidas) e se expandiu nos anos
seguintes pela Europa e demais continentes. Dessa forma, a saúde
ambiental também entra na agenda, como um alerta de causa e efeito
no período Antropoceno. Em 1973, a Suécia expôs a preocupação em
sua Lei sobre Produtos Perigosos para o Homem e para o Meio Ambiente.
No Brasil, o Princípio da Precaução
está claro na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81),
quando cita que a PNMC e as ações dela decorrentes, executadas sob
a responsabilidade dos entes políticos e dos órgãos da
administração pública, observarão os princípios da precaução,
da prevenção, da participação cidadã, do desenvolvimento
sustentável e o das responsabilidades comuns, porém diferenciadas,
este último no âmbito internacional.
Especialmente no seu artigo 4°, I e
IV, que expressa a necessidade de haver um equilíbrio entre o
desenvolvimento econômico e a utilização dos recursos naturais, e
também introduz a avaliação do impacto ambiental como requisito
para a instalação da atividade industrial. E, sem dúvida, no
artigo 225 da Constituição Federal de 1988.
A Lei dos Crimes Ambientais
(9.605/1998) também adota o princípio da precaução, em seu artigo
54, § 3º, que “incorre nas mesmas penas
previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim
o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de
risco de dano ambiental grave ou irreversível”.
Na esfera das negociações
internacionais, no ano de 1985 se firmou o primeiro acordo
multilateral sobre o tema – a
Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio e em 1987
foi instituído o Protocolo de Montreal. A Convenção “Quadro
sobre a Mudança do Clima” expressa que “as políticas e medidas
adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em
função dos custos, de modo a assegurar os benefícios mundiais ao
menor custo possível.”, como destaca o jurista Paulo Leme Machado.
Outros acordos, como Convenção
sobre Diversidade Biológica – CDB e o Protocolo
de Cartagena sobre Biossegurança também tratam da precaução.
As Cortes Internacionais têm usado
o princípio. Entre elas, a de Justiça, o Tribunal Internacional do
Direito do Mar e o Tribunal de Justiça da União Europeia, e aqui no
Brasil, os próprios Superiores Tribunais Federal e de Justiça.
O que é notório ao analisar
inúmeros acidentes ambientais que ocorrem e podem ‘potencialmente’
ocorrer no país e no mundo, é que se o princípio de precaução
fosse realmente usado na prática de forma constante, evitaria uma
série de ocorrências de pequeno a grande porte que afetam todo o
ecossistema, muitas vezes, extinguindo espécies, vidas humanas, como
também causando sequelas que seguem anos a fio. Ainda há um longo
percurso a percorrer do alinhamento do direito ambiental com as
práticas de governança: mas será que teremos tempo para remediar
os efeitos da ausência de precaução?
*Sucena Shkrada Resk é jornalista,
formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em
Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP,
e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada
Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com),
desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e
sustentabilidade.
Fonte: ENVOLVERDE
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