Estudo do Imazon revela falta de transparência fundiária na Amazônia.
Transparência fundiária na Amazônia – A falta de informações facilita a prática de crimes como grilagem e desmatamento ilegal, além de acirrar conflitos locais pela posse da terra.
Por Suzana Lakatos e Solange A.
Barreira
Baseados nos preceitos da Lei de
Acesso a Informações Públicas (LAI), de 2011, pesquisadores do
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), sediado em
Belém (PA), avaliaram a disponibilidade de dados dos órgãos
fundiários de oito estados amazônicos: Acre, Amapá, Amazonas,
Maranhão, Mato Grosso, Pará, Roraima e Tocantins. Em nenhum deles,
foi encontrada uma situação 100% satisfatória. Rondônia ficou de
fora do estudo por ter uma regularização fundiária
predominantemente federal.
Ter esses dados claros e com fácil
acesso é fundamental, porque mais de 20% das terras públicas
amazônicas são geridas pelos estados. Porém, hoje, nenhum
indivíduo ou organização consegue saber quanto dessa terra está
em processo legítimo de titulação nem quanto já foi titulado. “Há
um vácuo que contraria a LAI e impede a criação de políticas
públicas efetivas de gestão do território.
Consequentemente, o
controle e o acompanhamento pela sociedade e por órgãos como
Ministério Público e tribunais de contas ficam prejudicados”,
alerta a advogada Brenda Brito, pesquisadora do Imazon e coautora do
estudo Transparência de Órgãos Fundiários Estaduais na Amazônia
Legal, recém-publicado. “Os novos governadores da região, que
iniciarão seus mandatos em 1º de janeiro próximo, devem incluir
entre seus desafios a transparência sobre as terras públicas.
Trata-se de um grande patrimônio da população, ameaçado por
práticas de grilagem, desmatamento ilegal e conflitos fundiários”,
afirma Brenda.
A pesquisa foi conduzida em duas
frentes: transparência ativa e passiva. Em média, 56% dos
indicadores de transparência ativa avaliados estiveram ausentes;
outros 22% figuraram de maneira parcial; e apenas 22% foram
considerados satisfatórios. Tocantins teve o pior desempenho (com
79% de indicadores ausentes) e Pará, o melhor (com 37% de
indicadores ausentes). Entende-se por transparência ativa a
disponibilização obrigatória pela LAI sem necessidade de
solicitação. Assim, os órgãos deveriam divulgar ativamente dados
como localização das terras públicas, listas e mapas de pedidos de
titulação de imóveis e de títulos já emitidos.
Já na transparência passiva, os
pesquisadores solicitaram informações de maneira padronizada, que
deveriam retornar no prazo de 20 dias. Eles enviaram mensagens pelas
plataformas eletrônicas de Serviço de Informação ao Cidadão
(e-SIC) e cartas pelos Correios. Na primeira opção, a maioria
atendeu aos pedidos dentro do prazo, com exceção de Acre e Roraima,
e de Mato Grosso, que respondeu apenas uma das três perguntas no
prazo. Nos pedidos efetuados por carta, porém, a maioria não
cumpriu o prazo legal para resposta.
Cenário de incertezas
À sombra dessas lacunas, crescem
dúvidas sobre a posse e a propriedade de imóveis rurais, a correta
aplicação da legislação fundiária e a gestão realizada nas
chamadas áreas não destinadas, ou seja, aquelas que não foram
tituladas nem pertencem a Unidades de Conservação ou a territórios
de populações tradicionais e indígenas.
Quem mora na zona rural e quer
regularizar sua terra precisa saber se o imóvel se enquadra nas
hipóteses legais de titulação; se mais alguém pleiteia ou obteve,
no passado, titulação da área; se há conflitos judiciais
envolvendo o terreno. “Hoje, com os poucos dados disponíveis, isso
é impossível, o que só aumenta a insegurança no campo. Além
disso, o estado perde o apoio de uma função de fiscalização das
terras públicas que poderia ser exercida pela sociedade”, explica
Brenda.
Em termos práticos, um dos
requisitos para obter titulação é morar no imóvel. Ninguém
melhor do que os próprios moradores da região e as organizações
da sociedade civil atuantes no território para identificar a
legitimidade de um pedido de posse. “Quando divulga os dados de
quem solicita um título e da área correspondente, o órgão
fundiário possibilita que a sociedade local ajude a fiscalizar se os
requisitos legais para a titulação foram cumpridos. Permite, por
exemplo, denúncias de pessoas que apenas querem se apropriar das
terras públicas, mas não moram ali e, com frequência, usam o
desmatamento ilegal como único sinal de ocupação”, completa a
pesquisadora.
A atual falta de transparência é
resultado de uma combinação de fatores, segundo o também advogado
e coautor do estudo Dário Cardoso Jr.: “Há um entendimento
equivocado pelos órgãos fundiários de que quem ocupa terra pública
tem direito à posse e ao sigilo. Mas não. Justamente por se tratar
de um bem público, a sociedade tem direito ao amplo conhecimento de
tudo o que ocorre, como os pedidos de emissão de títulos, com dados
completos dos solicitantes e da localização dos imóveis. A falta
de transparência, além de propiciar conflitos, pode gerar suspeitas
de favorecimento indevido de grupos e indivíduos”.
Para que esse controle social
exista, o Imazon considera indispensável a divulgação do CPF ou
CNPJ de quem pleiteia uma regularização fundiária, assim como
arquivos shapes (com informações georreferenciais, incluindo
polígono) das áreas envolvidas. “Não há nada de sigiloso nisso.
O próprio Ibama, por exemplo, publica a lista de áreas embargadas
por desmatamento ilegal, com nome e CPF do responsável pelo imóvel,
mapa de localização e status do processo administrativo. Até o
Bolsa Família tem os nomes, CPFs e valores dos beneficiários
publicados pelo governo federal. A transparência nas informações
envolvendo bens e recursos públicos é a melhor defesa contra
fraudes”, destaca Cardoso.
Os pesquisadores reconhecem que há
algumas iniciativas em andamento para mudar essa realidade. Mas a
superação das dificuldades apontadas pelo estudo deveria ocupar
lugar de destaque na agenda dos próximos governadores amazônicos.
Em especial, informações sobre os processos de titulação, que,
afinal, são um bom indicador sobre o quanto os órgãos fundiários
estaduais estão cumprindo sua missão.
Resultados estado a estado
Acre – O
Instituto de Terras do Acre (Iteracre) obteve a terceira pior
colocação na avaliação de transparência ativa, com 62% dos
indicadores ausentes, e não respondeu os pedidos de informação no
prazo. Destaque: divulgou mapa de títulos emitidos no estado de 2011
até 2018. Ponto fraco: nenhuma informação sobre ações e
resultados do Instituto são divulgadas de forma satisfatória.
Amapá – O
Instituto do Meio Ambiente e de Ordenamento Territorial do Amapá
(Imap) obteve a segunda pior colocação em transparência ativa (70%
de indicadores ausentes) e respondeu a apenas um de dois pedidos de
informação no prazo. Destaque: é o único que disponibiliza no
site para download os arquivos shapes de glebas estaduais e de terras
federais em transferência para o estado. Ponto fraco: a falta de
divulgação de ações e resultados fez com que o Imap fosse
acionado pelos ministérios públicos Estadual e Federal, em
investigação sobre ações envolvendo terras públicas em
transferência da União para a esfera estadual. Hoje, qualquer
emissão de títulos envolvendo essas terras está impedida, assim
como a concessão de licenciamento ambiental em imóveis acima de 500
hectares.
Amazonas – A
Secretaria de Política Fundiária do Estado do Amazonas (SPF) teve o
terceiro melhor desempenho em transparência ativa (52% de
indicadores ausentes) e respondeu apenas um de dois pedidos de
informação no prazo. Destaque: possui um portal próprio para
transparência de informações, que facilita a busca de dados. Ponto
fraco: 73% de ausência de indicadores de ação e resultados da SPF.
Maranhão – O
Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma) ocupou o
quarto posto em transparência ativa (54% de indicadores ausentes) e
respondeu a apenas um de dois pedidos de informação no prazo.
Destaque: divulga no site uma lista de documentos necessários para
alguns procedimentos realizados pelo órgão e para download de
formulários. Ponto fraco: não há indicadores satisfatórios sobre
ações e resultados do Iterma.
Mato Grosso – O
Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat) está na segunda melhor
posição em transparência ativa (39% dos indicadores ausentes) e
respondeu a apenas um de dois pedidos de informação, ainda assim
parcialmente. Destaque: divulga de forma satisfatória mais da metade
das informações administrativas obrigatórias. Ponto fraco:
contrariando a própria lei federal de transparência, o governo
estadual baixou em 2013 um decreto que tornou sigilosa, por tempo
indeterminado, a base de dados fundiários do Intermat. Para ter
acesso a informações sobre terras públicas estaduais, é preciso
que o Intermat aceite a justificativa do pedido. O sigilo por prazo
indeterminado e a exigência de justificativa ferem a LAI e eximem o
Instituto de mostrar para a sociedade como está administrando o
patrimônio público de terras estaduais.
Pará – O
Instituto de Terras do Pará (Iterpa) obteve a melhor classificação
em transparência ativa (37% dos indicadores ausentes) e respondeu a
apenas um de dois pedidos de informação. Destaque: Em 2013, o grau
de transparência do Iterpa já fora avaliado por um estudo anterior
do próprio Imazon, além de ter sido alvo de um inquérito do
Ministério Público Estadual. De lá para cá, o órgão criou um
grupo de trabalho específico, nomeou um funcionário como autoridade
de monitoramento para acompanhar a implementação e incorporou
melhorias, que já se refletem em um avanço de 12% nos indicadores
considerados satisfatórios (total de 29%). Ponto fraco: apesar dos
esforços desde 2013, ainda não divulga informações detalhadas
sobre títulos emitidos e áreas em processo de titulação,
incluindo identificação dos titulados e arquivos shapes com a
localização dos imóveis.
Roraima – O
Instituto de Terras e Colonização do Estado de Roraima (Iteraima)
ocupou a quinta colocação em transparência ativa (57% de
indicadores ausentes) e respondeu apenas um de dois pedidos de
informação. Destaque: após o fechamento do estudo, o Iteraima
divulgou uma lista de documentos de terras expedidos em 2017. Com
isso, é o único órgão estadual que passou a divulgar dados
individuais de imóveis titulados, incluindo nome e CPF do
beneficiário, número do processo, número do título, gleba e
município de localização do imóvel, nome do imóvel, área e data
de expedição. Ponto fraco: a categoria de informações de ações
e resultados do Iteraima é a segunda pior entre os estados
avaliados.
Tocantins – O
Instituto de Terras do Tocantins (Itertins) ficou com o pior
resultado em transparência ativa (79% de informações ausentes) e
respondeu apenas um de dois pedidos de informação.
Destaque: o site
do Itertins apresenta uma seção de acesso a informação dedicada a
diversas informações do órgão, na qual encontram-se subseções
como: dados institucionais sobre despesas, servidores, ações e
programas do instituto e convênios realizados. Ponto fraco: ausência
total de indicadores sobre ações e resultados e de informação
sobre procedimentos da LAI, como lista de dados considerados
sigilosos e perguntas frequentes sobre o órgão.
Para conhecer a íntegra do estudo,
acesse:
Fonte: EcoDebate
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