quarta-feira, 16 de janeiro de 2019


Temas “Refugiados” e “Migrantes”: não existe geopolítica baseada em visões unilaterais.

Por Sucena Shkrada Resk

Em um mundo em que a maioria das pessoas e “nações” aspiram pela manutenção da democracia e da paz mundial, as relações diplomáticas internacionais exigem como alicerce o constante diálogo e o princípio de que as decisões sejam o mais consistentes e equilibradas para a manutenção deste objetivo que inclui o bem-estar dos cidadãos, envolto pelos direitos humanos, comércio justo, e o processo colaborativo entre as nações visando a concepção global e interativa que envolve o conceito de justiça internacional. Portanto, a diplomacia internacional tem como um dos princípios a “solidariedade” e a cooperação multilateral e tem papel estratégico para a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU).

Os processos são complexos, nos quais, na maioria das vezes, os vários lados envolvidos cedem em limites praticáveis – que incorporam desde questões sanitárias à empregabilidade. Isto faz parte da rodada de negociações, que são absolutamente necessárias nesta convivência de governanças transfronteiriças. O resultado são acordos, tratados e pactos que constroem cenários de curto, médio e longo prazos. Neste universo geopolítico, portanto, optar por unilateralismos pode gerar cisões como desfecho. Os argumentos para tanto têm de ser robustos. É preciso ficar muito claro quem se beneficia com estas decisões e que, de fato, as decisões conjuntas afetam a soberania para o bem coletivo.

Extra o conturbado e segregador processo de colonização por séculos, hoje ainda são tão presentes e imensuráveis os efeitos de fluxos migratórios “em massa” das Primeira e Segunda Guerras mundiais e de tantas outras guerras e conflitos regionalizados e locais por diferentes continentes em andamento ao longo de décadas, como também dos decorrentes de crises climáticas e de insegurança alimentar. É impossível se alienar destes episódios, como se vivêssemos em outros planetas. Um dos efeitos dessas catástrofes humanitárias tem sido o aumento contínuo do fluxo de refugiados. São mais de 25,4 milhões de pessoas nesta situação pelo planeta, de acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Muitas morrem nestes percursos. Em 2018, se estima que quase 4 mil não sobreviveram. Desde 2000, foram mais de 60 mil mortos em deslocamentos.

O Brasil é um país formado por povos originários (indígenas), afrodescendentes e descendentes de inúmeros povos/nações ao longo dos séculos. Somos um país multicultural. Basta recorrermos às nossas árvores genealógicas. Nesta composição, estão refugiados, migrantes legais e ilegais. Atualmente a Polícia Federal estima que há cerca de 750 mil estrangeiros no país, que representam 0,4% da população. Em 1920, o percentual era de 5,1%.

Refugiados e migrantes

Para compreender as terminologias ‘oficiais, refugiados são pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados. São contemplados pelo Direito Internacional pela “proteção internacional dos refugiados”, e no artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O propósito dos organismos internacionais é que estes cidadãos possam voltar aos seus países de origem, quando os mesmos estiverem em regimes ou situações de mitigação e adaptação climáticas estabilizadas.

Na contemporaneidade, globalmente a Síria é a nação de onde vem o maior número de refugiados, além do Afeganistão, Burundi, Eritreia, Iraque, Nigéria, República Democrática do Congo e Ruanda e Somália, Sudão e Sudão do Sul. Aqui, nas Américas, têm sido registrados com maior intensidade os fluxos provenientes da própria Síria, da Venezuela (mais de 4 milhões de pessoas já saíram do país), como do Haiti, entre outros países. São sinais de instabilidades governamentais e de extremos climáticos de grandes proporções.

Atualmente somente 10 países recebem 60% dos refugiados no planeta, com destaque à Turquia, que recebeu mais de 3,5 milhões de pessoas.

No conjunto de fluxo migratório, há o chamado “migrante legal”. Neste caso, as pessoas que entram ou permanecem em um país no qual não são nacionais por meio de canais legais, e cuja posição naquele país é obviamente conhecida pelo governo e em conformidade com todas as leis e regulamentos. Outra situação é da migração irregular, quando não obedece aos requisitos nacionais. 

Um dos exemplos é de a pessoa ter visto temporário de turista ou estudante e permanecer no país após este período.

Pactos Globais para Migração Segura, Ordenada e Regular, e sobre os Refugiados

Na ciranda das negociações internacionais sobre estes temas, em 10 dezembro de 2018, 152 nações votaram a favor do Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular, documento juridicamente não-vinculante, que se fundamenta em valores de soberania do Estado, compartilhamento de responsabilidade e não-discriminação de direitos humanos. O texto contém 23 pontos. Entre eles, como assegurar que todos os migrantes tenham prova de identidade legal e documentação adequada; e prevenir e combater e erradicar o tráfico de pessoas no contexto internacional da migração.

De acordo com secretário geral da Organização das Nações Unidas (ONU) António Guterres, o documento aponta o caminho para uma ação humana e sensata que beneficie os países de origem, de trânsito e de destino, assim como os próprios migrantes. Atualmente mais de 258 milhões de pessoas se encontram neste processo ou 3,4% da população mundial.

Como o Brasil se encontra neste contexto? O atual ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo confirmou a desassociação do Brasil do pacto, após a adesão ter sido feita durante o governo de Michel Temer. Seu principal argumento – “…a imigração deve ser tratada de acordo com a realidade e a soberania de cada país”, destacou em notícias veiculadas pela grande imprensa. Também foram contrários ao pacto, os EUA, Austria, Austrália, Israel, Hungria, República Tcheca, Polônia, Eslováquia, Suiça, Bulgária, Bélgica, Itália, Letônia e República Dominicana.

Pacto Global sobre Refugiados

Mais um acordo internacional foi aprovado, na sequência, no dia 17 de dezembro – o Pacto Global sobre Refugiados, com adesão de 181 estados-membros e tem 4 principais objetivos: aliviar a pressa nos países que abrigam um grande número de refugiados; construir a autoconfiança dos refugiados; expandir o acesso a países terceiros ou a refugiados através do reassentamento e de outras vias de admissão e condições de apoio que permitam aos refugiados regressarem aos seus países de origem.

EUA e Hungria foram contrários e República Dominicana, Eritreia e Líbia se abstiveram. As bases do documento são a Convenção de 1951 sobre Refugiados e a legislação humanitária e de direitos humanos. Neste caso, como o Brasil ‘diplomaticamente” se comportará a respeito, tendo em vista ter declinado do relacionado à Migração?

Ambos os processos dos pactos globais sobre migração, e sobre os refugiados estão sob coordenação dos braços na área de Refugiados e Migrações da ONU, desde 2016, quando foi assinado o documento “Declaração de Nova York”. De lá para cá, houve uma extensa agenda de diálogos entre os países, incluindo o Brasil.

Brasil no cenário da Migração e refúgio internacionais

Quais as consequências deste posicionamento do governo brasileiro daqui por diante nesta relação internacional, que não se restringe a esta pauta, mas atinge outros campos das negociações diplomáticas, como comércio, ciência e tecnologia e segurança, entre outros?

Vale lembrar também que são pelo menos 1,6 milhão de cidadãos (ãs) brasileiros que vivem fora do país, segundo o Relatório Internacional de Migração do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Secretaria das Nações Unidas (Desa). Este número sobe para 3 milhões de emigrantes, de acordo com dados do Itamaraty, residentes principalmente nos EUA (metade), no Paraguai, Japão e Portugal, entre outros países. Quais serão os possíveis impactos sobre estas pessoas? Ficam estas questões para serem objeto de reflexão.

*Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.


Fonte: ENVOLVERDE

Nenhum comentário:

Postar um comentário