Temas “Refugiados” e “Migrantes”: não existe geopolítica baseada em visões unilaterais.
Por Sucena Shkrada Resk
Em um mundo em que a maioria das
pessoas e “nações” aspiram pela manutenção da democracia e da
paz mundial, as relações diplomáticas internacionais exigem como
alicerce o constante diálogo e o princípio de que as decisões
sejam o mais consistentes e equilibradas para a manutenção deste
objetivo que inclui o bem-estar dos cidadãos, envolto pelos direitos
humanos, comércio justo, e o processo colaborativo entre as nações
visando a concepção global e interativa que envolve o conceito de
justiça internacional. Portanto, a diplomacia internacional tem como
um dos princípios a “solidariedade” e a cooperação
multilateral e tem papel estratégico para a implementação dos
Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos no âmbito da
Organização das Nações Unidas (ONU).
Os processos são complexos, nos
quais, na maioria das vezes, os vários lados envolvidos cedem em
limites praticáveis – que incorporam desde questões sanitárias à
empregabilidade. Isto faz parte da rodada de negociações, que são
absolutamente necessárias nesta convivência de governanças
transfronteiriças. O resultado são acordos, tratados e pactos que
constroem cenários de curto, médio e longo prazos. Neste universo
geopolítico, portanto, optar por unilateralismos pode gerar cisões
como desfecho. Os argumentos para tanto têm de ser robustos. É
preciso ficar muito claro quem se beneficia com estas decisões e
que, de fato, as decisões conjuntas afetam a soberania para o bem
coletivo.
Extra o conturbado e segregador
processo de colonização por séculos, hoje ainda são tão
presentes e imensuráveis os efeitos de fluxos migratórios “em
massa” das Primeira e Segunda Guerras mundiais e de tantas outras
guerras e conflitos regionalizados e locais por diferentes
continentes em andamento ao longo de décadas, como também dos
decorrentes de crises climáticas e de insegurança alimentar. É
impossível se alienar destes episódios, como se vivêssemos em
outros planetas. Um dos efeitos dessas catástrofes humanitárias tem
sido o aumento contínuo do fluxo de refugiados. São mais de 25,4
milhões de pessoas nesta situação pelo planeta, de acordo com a
Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Muitas morrem nestes
percursos. Em 2018, se estima que quase 4 mil não sobreviveram.
Desde 2000, foram mais de 60 mil mortos em deslocamentos.
O Brasil é um país formado por
povos originários (indígenas), afrodescendentes e descendentes de
inúmeros povos/nações ao longo dos séculos. Somos um país
multicultural. Basta recorrermos às nossas árvores genealógicas.
Nesta composição, estão refugiados, migrantes legais e ilegais.
Atualmente a Polícia Federal estima que há cerca de 750 mil
estrangeiros no país, que representam 0,4% da população. Em 1920,
o percentual era de 5,1%.
Refugiados e migrantes
Para compreender as terminologias
‘oficiais’, refugiados são pessoas que estão fora de seu
país de origem devido a fundados temores de perseguição
relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade,
pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política,
como também devido à grave e generalizada violação de direitos
humanos e conflitos armados. São contemplados pelo Direito
Internacional pela “proteção internacional dos refugiados”, e
no artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O
propósito dos organismos internacionais é que estes cidadãos
possam voltar aos seus países de origem, quando os mesmos estiverem
em regimes ou situações de mitigação e adaptação climáticas
estabilizadas.
Na contemporaneidade, globalmente a
Síria é a nação de onde vem o maior número de refugiados, além
do Afeganistão, Burundi, Eritreia, Iraque, Nigéria, República
Democrática do Congo e Ruanda e Somália, Sudão e Sudão do Sul.
Aqui, nas Américas, têm sido registrados com maior intensidade os
fluxos provenientes da própria Síria, da Venezuela (mais de 4
milhões de pessoas já saíram do país), como do Haiti, entre
outros países. São sinais de instabilidades governamentais e de
extremos climáticos de grandes proporções.
Atualmente somente 10 países
recebem 60% dos refugiados no planeta, com destaque à Turquia, que
recebeu mais de 3,5 milhões de pessoas.
No conjunto de fluxo migratório, há
o chamado “migrante legal”. Neste caso, as pessoas que entram ou
permanecem em um país no qual não são nacionais por meio de canais
legais, e cuja posição naquele país é obviamente conhecida pelo
governo e em conformidade com todas as leis e regulamentos. Outra
situação é da migração irregular, quando não obedece aos
requisitos nacionais.
Um dos exemplos é de a pessoa ter visto
temporário de turista ou estudante e permanecer no país após este
período.
Pactos Globais para Migração
Segura, Ordenada e Regular, e sobre os Refugiados
Na ciranda das negociações
internacionais sobre estes temas, em 10 dezembro de 2018, 152 nações
votaram a favor do Pacto
Global para Migração Segura, Ordenada e Regular, documento
juridicamente não-vinculante, que se fundamenta em valores de
soberania do Estado, compartilhamento de responsabilidade
e não-discriminação de direitos humanos. O
texto contém 23 pontos. Entre eles, como assegurar que todos os
migrantes tenham prova de identidade legal e documentação adequada;
e prevenir e combater e erradicar o tráfico de pessoas no contexto
internacional da migração.
De acordo com secretário geral da
Organização das Nações Unidas (ONU) António Guterres, o
documento aponta o caminho para uma ação humana e sensata que
beneficie os países de origem, de trânsito e de destino, assim como
os próprios migrantes. Atualmente mais de 258 milhões de pessoas se
encontram neste processo ou 3,4% da população mundial.
Como o Brasil se encontra neste
contexto? O atual ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo
confirmou a desassociação do Brasil do pacto, após a adesão ter
sido feita durante o governo de Michel Temer. Seu principal argumento
– “…a imigração deve ser tratada de acordo com a realidade e
a soberania de cada país”, destacou em notícias veiculadas pela
grande imprensa. Também foram contrários ao pacto, os EUA, Austria,
Austrália, Israel, Hungria, República Tcheca, Polônia, Eslováquia,
Suiça, Bulgária, Bélgica, Itália, Letônia e República
Dominicana.
Pacto Global sobre
Refugiados
Mais um acordo internacional foi
aprovado, na sequência, no dia 17 de dezembro – o Pacto Global
sobre Refugiados, com adesão de 181 estados-membros e tem 4
principais objetivos: aliviar a pressa nos países que abrigam um
grande número de refugiados; construir a autoconfiança dos
refugiados; expandir o acesso a países terceiros ou a refugiados
através do reassentamento e de outras vias de admissão e condições
de apoio que permitam aos refugiados regressarem aos seus países de
origem.
EUA e Hungria foram contrários e
República Dominicana, Eritreia e Líbia se abstiveram. As bases do
documento são a Convenção de 1951 sobre Refugiados e a legislação
humanitária e de direitos humanos. Neste caso, como o Brasil
‘diplomaticamente” se comportará a respeito, tendo em vista ter
declinado do relacionado à Migração?
Ambos os processos dos pactos
globais sobre migração, e sobre os refugiados estão sob
coordenação dos braços na área de Refugiados e Migrações da
ONU, desde 2016, quando foi assinado o documento “Declaração de
Nova York”. De lá para cá, houve uma extensa agenda de diálogos
entre os países, incluindo o Brasil.
Brasil no cenário da
Migração e refúgio internacionais
Quais as consequências deste
posicionamento do governo brasileiro daqui por diante nesta relação
internacional, que não se restringe a esta pauta, mas atinge outros
campos das negociações diplomáticas, como comércio, ciência e
tecnologia e segurança, entre outros?
Vale lembrar também que são pelo
menos 1,6 milhão de cidadãos (ãs) brasileiros que vivem fora do
país, segundo o Relatório Internacional de Migração do
Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Secretaria das
Nações Unidas (Desa). Este número sobe para 3 milhões de
emigrantes, de acordo com dados do Itamaraty, residentes
principalmente nos EUA (metade), no Paraguai, Japão e Portugal,
entre outros países. Quais serão os possíveis impactos sobre estas
pessoas? Ficam estas questões para serem objeto de reflexão.
*Sucena Shkrada Resk é jornalista,
formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em
Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP,
e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada
Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com),
desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e
sustentabilidade.
Fonte: ENVOLVERDE
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