Proteção
da Amazônia “pra gringo ver”.
O governo do presidente Michel Temer parece não
compreender que a agenda ambiental e a proteção da Amazônia, pela sua própria
relevância e natureza, não devem ser questões “pra gringo ver”, como se as
notícias do que realmente acontece no país pudessem ser manipuladas por
artimanhas e inverdades, com finalidades propagandísticas, destinadas ao
público estrangeiro.
O discurso de Temer na abertura da 72a Assembleia
Geral das Nações Unidas, em Nova York, de que “o desmatamento é questão que nos
preocupa, especialmente na Amazônia”, na qual seu governo teria “concentrado
atenção e recursos”, soa conveniente e pomposo para a ocasião, mas
completamente descolado do que realmente poderia lhe conferir legitimidade: os
fatos.
A canetada inicial de Temer para extinguir a
Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), com o objetivo de liberar para
mineração uma área de mais de 4,7 milhões de hectares, o equivalente ao
território do Estado do Espírito Santo, não atesta o que ele tenta apregoar.
Muito pelo contrário, negligencia os graves impactos da exploração mineral na
Amazônia, que já fizeram surgir em outras ocasiões o aumento do desmatamento e
da violência, a contaminação dos recursos hídricos e a degradação social, além
de descontroladas frentes de migração. E mesmo que tenha feito um recuo
estratégico diante da pressão social, está claro que apenas aguarda um momento
mais propício à frente para retomar seu intento.
A decisão pela extinção da Renca, localizada na
divisa do Amapá e do Pará, impactaria diretamente outras nove áreas protegidas
na região: Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque; as Florestas Estaduais do
Paru e do Amapá; a Reserva Biológica de Maicuru; a Estação Ecológica do Jari; a
Reserva Extrativista Rio Cajari; a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do
Rio Iratapuru; e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d’Este.
Não é de agora que Temer tenta vender a imagem de
defensor do meio ambiente no exterior. Há alguns meses, na véspera de embarcar
para a Noruega, o presidente vetou as MPs 756 e 758, saídas do Palácio do
Planalto, e que juntas representavam a redução de 1,1 milhão de hectares de
unidades de conservação na Amazônia e da Mata Atlântica, em uma tentativa de
demonstrar alguma preocupação com a agenda ambiental.
Mesmo assim, o veto não foi suficiente para
evitar o vexame internacional de receber em primeira mão a notícia do governo
norueguês do corte substantivo de recursos para o fundo de preservação da
Amazônia. Até porque o compromisso estabelecido entre os governos dos dois
países, desde sua origem, esteve lastreado pela manutenção contínua da redução
do desmatamento da maior floresta tropical do mundo.
Como já era de se esperar, o veto do presidente
Temer teve vida curta, e durou menos de um mês. Antes do recesso parlamentar,
no período de barganhas e negociatas com deputados para se safar da denúncia da
PGR por crime de corrupção passiva, o presidente enviou ao Congresso um projeto
de lei, com conteúdo similar ao das MPs, para reduzir o nível de proteção de 350
mil hectares da área da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará.
O projeto de lei fortalece e promove ativamente a
cultura da impunidade e da grilagem na Amazônia. O grave risco de sua aprovação
é que, com base na Medida Provisória 759/2016, a MP da Grilagem, as áreas
públicas desmatadas e ocupadas irregularmente passam a ser regularizadas,
abrindo espaço para mais desmatamento e acirramento dos conflitos fundiários na
região. Segundo cálculos de especialistas do Imazon, a área guarda um dote aos
novos grileiros que pode chegar a algo entre R$ 511 milhões e R$ 605 milhões.
Há que se ter clareza, no entanto, de que os
retrocessos ambientais não tiveram início somente agora. Durante a Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) em 2012, o governo
brasileiro desempenhou um papel de liderança às avessas. Naquele ano, o governo
Dilma-Temer enviou para o Congresso a MP 558, que excluiu 86 mil hectares de
sete unidades de conservação federais na Amazônia para abrigar canteiros de
obras e reservatórios de quatro grandes barragens, nos rios Madeira e Tapajós;
além de ter patrocinado o desmonte da principal legislação de proteção
ambiental do país, o Código Florestal, concedendo anistia a criminosos
ambientais e acabando com a obrigação de recuperação de 41 milhões de hectares
de florestas ilegalmente desmatadas.
É esta realidade que Temer busca esconder ao se
colocar como mensageiro das boas notícias na ONU. No esforço de parecer que é,
revela o que definitivamente não é, e não convence nem lá e nem aqui: o índice
de desaprovação do governo bate recorde, com apenas 3,4% dos brasileiros o
avaliando positivamente. E, ao lado de termos um presidente com tal grau de
afastamento das expectativas da sociedade, ainda passamos, mais uma vez, pelo dissabor
de ter no governo uma concepção dominante tão atrasada de desenvolvimento e do
papel dos recursos naturais em estratégias sustentáveis de crescimento e de
geração de riquezas. É, além de revoltante, constrangedor constatar que o
excepcional patrimônio ambiental do país é reduzido a mera moeda de troca para
negociações espúrias, levianas, irresponsáveis, ligadas à ocupação e manutenção
de poder político. Por outro lado, os últimos e desastrados movimentos de Temer
e seus recuos mostram que há um trunfo poderoso que mostra sua força em
situações críticas: a mobilização decidida e criativa da população e de grupos
organizados de ativistas socioambientais na defesa do interesse público, do
futuro do Brasil e do planeta.
Marina Silva, ex-senadora e fundadora da Rede
Sustentabilidade, foi ministra do Meio Ambiente e candidata à Presidência da
República em 2010 e em 2014.
Fonte: ENVOLVERDE
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