sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Proteção da Amazônia “pra gringo ver”.
O governo do presidente Michel Temer parece não compreender que a agenda ambiental e a proteção da Amazônia, pela sua própria relevância e natureza, não devem ser questões “pra gringo ver”, como se as notícias do que realmente acontece no país pudessem ser manipuladas por artimanhas e inverdades, com finalidades propagandísticas, destinadas ao público estrangeiro.

O discurso de Temer na abertura da 72a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, de que “o desmatamento é questão que nos preocupa, especialmente na Amazônia”, na qual seu governo teria “concentrado atenção e recursos”, soa conveniente e pomposo para a ocasião, mas completamente descolado do que realmente poderia lhe conferir legitimidade: os fatos.

A canetada inicial de Temer para extinguir a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), com o objetivo de liberar para mineração uma área de mais de 4,7 milhões de hectares, o equivalente ao território do Estado do Espírito Santo, não atesta o que ele tenta apregoar. Muito pelo contrário, negligencia os graves impactos da exploração mineral na Amazônia, que já fizeram surgir em outras ocasiões o aumento do desmatamento e da violência, a contaminação dos recursos hídricos e a degradação social, além de descontroladas frentes de migração. E mesmo que tenha feito um recuo estratégico diante da pressão social, está claro que apenas aguarda um momento mais propício à frente para retomar seu intento.

A decisão pela extinção da Renca, localizada na divisa do Amapá e do Pará, impactaria diretamente outras nove áreas protegidas na região: Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque; as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá; a Reserva Biológica de Maicuru; a Estação Ecológica do Jari; a Reserva Extrativista Rio Cajari; a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru; e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d’Este.

Não é de agora que Temer tenta vender a imagem de defensor do meio ambiente no exterior. Há alguns meses, na véspera de embarcar para a Noruega, o presidente vetou as MPs 756 e 758, saídas do Palácio do Planalto, e que juntas representavam a redução de 1,1 milhão de hectares de unidades de conservação na Amazônia e da Mata Atlântica, em uma tentativa de demonstrar alguma preocupação com a agenda ambiental.

Mesmo assim, o veto não foi suficiente para evitar o vexame internacional de receber em primeira mão a notícia do governo norueguês do corte substantivo de recursos para o fundo de preservação da Amazônia. Até porque o compromisso estabelecido entre os governos dos dois países, desde sua origem, esteve lastreado pela manutenção contínua da redução do desmatamento da maior floresta tropical do mundo.

Como já era de se esperar, o veto do presidente Temer teve vida curta, e durou menos de um mês. Antes do recesso parlamentar, no período de barganhas e negociatas com deputados para se safar da denúncia da PGR por crime de corrupção passiva, o presidente enviou ao Congresso um projeto de lei, com conteúdo similar ao das MPs, para reduzir o nível de proteção de 350 mil hectares da área da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará.

O projeto de lei fortalece e promove ativamente a cultura da impunidade e da grilagem na Amazônia. O grave risco de sua aprovação é que, com base na Medida Provisória 759/2016, a MP da Grilagem, as áreas públicas desmatadas e ocupadas irregularmente passam a ser regularizadas, abrindo espaço para mais desmatamento e acirramento dos conflitos fundiários na região. Segundo cálculos de especialistas do Imazon, a área guarda um dote aos novos grileiros que pode chegar a algo entre R$ 511 milhões e R$ 605 milhões.

Há que se ter clareza, no entanto, de que os retrocessos ambientais não tiveram início somente agora. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) em 2012, o governo brasileiro desempenhou um papel de liderança às avessas. Naquele ano, o governo Dilma-Temer enviou para o Congresso a MP 558, que excluiu 86 mil hectares de sete unidades de conservação federais na Amazônia para abrigar canteiros de obras e reservatórios de quatro grandes barragens, nos rios Madeira e Tapajós; além de ter patrocinado o desmonte da principal legislação de proteção ambiental do país, o Código Florestal, concedendo anistia a criminosos ambientais e acabando com a obrigação de recuperação de 41 milhões de hectares de florestas ilegalmente desmatadas.

É esta realidade que Temer busca esconder ao se colocar como mensageiro das boas notícias na ONU. No esforço de parecer que é, revela o que definitivamente não é, e não convence nem lá e nem aqui: o índice de desaprovação do governo bate recorde, com apenas 3,4% dos brasileiros o avaliando positivamente. E, ao lado de termos um presidente com tal grau de afastamento das expectativas da sociedade, ainda passamos, mais uma vez, pelo dissabor de ter no governo uma concepção dominante tão atrasada de desenvolvimento e do papel dos recursos naturais em estratégias sustentáveis de crescimento e de geração de riquezas. É, além de revoltante, constrangedor constatar que o excepcional patrimônio ambiental do país é reduzido a mera moeda de troca para negociações espúrias, levianas, irresponsáveis, ligadas à ocupação e manutenção de poder político. Por outro lado, os últimos e desastrados movimentos de Temer e seus recuos mostram que há um trunfo poderoso que mostra sua força em situações críticas: a mobilização decidida e criativa da população e de grupos organizados de ativistas socioambientais na defesa do interesse público, do futuro do Brasil e do planeta.

Marina Silva, ex-senadora e fundadora da Rede Sustentabilidade, foi ministra do Meio Ambiente e candidata à Presidência da República em 2010 e em 2014.


Fonte: ENVOLVERDE

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