Projeto Técnico de
Reconstituição de Flora – PTRF.
Escrito
por Larissa
Guarany
Tratando-se de legislação ambiental, o pioneirismo mineiro é notório. O
Estado costuma estar na vanguarda da política de proteção de meio ambiente,
sendo, pelo menos por um período de tempo, único nas suas exigências.
Exemplarmente cito a Lei nº 7.772/1980, que trata da proteção, conservação e
melhoria do meio ambiente mineiro, foi publicada no diário oficial do Estado em
1980, antes mesmo da promulgação da Política Nacional de Meio Ambiente.
Com a Política Florestal não foi diferente. Em 1962
foi criado o Instituto Estadual de Florestas – IEF, cuja competência era de
promover a coordenação e a execução da política florestal do Estado, com
observância do Código Florestal Federal de 1934, vigente à época. Até
1990, o Estado aplicava a legislação florestal federal, quando, em 1991, editou
sua primeira Lei de proteção das florestas, de nº 10.561, cujo art. 8º, § 2º,
introduz a obrigatoriedade de apresentação de Projeto Técnico de Recomposição
de Flora, conforme lê-se a seguir: “O licenciamento para exploração de áreas
consideradas, excepcionalmente, de vocação minerária dependerá da aprovação de
projeto técnico de recomposição de flora, com essências nativas locais ou
regionais, em complemento ao projeto de recuperação do solo”. Guardem a
informação trazida na porção final do § 2º, em que se diz que o PTRF é
complementar ao projeto de recuperação do solo.
Saiba também: Regularização do parcelamento de solo urbano e rural
Em 2002 (apenas um ano após o Governo Federal
editar Medida Provisória que alterou vários artigos do Código Florestal de 65),
foi promulgada nova lei florestal de Minas, com nº 14.309, que não abraçou o
artigo da lei que a precedia e assim não apresenta explicitamente a obrigação
de apresentação de PTRF. Porém, no ano seguinte, a Portaria do IEF nº 140/03,
que dispunha sobre a interferência em áreas consideradas de preservação permanente,
não só trouxe a previsão de apresentação de Projeto Técnico de Reconstituição
da Flora (observe a leve mudança do nome, de recomposição, em 1991, para
reconstituição, em 2003) como apresentou também o que este projeto deveria
conter. Após a edição do Decreto 43.710/04, que regulamentou a Lei Estadual nº
14.309/02, passou a vigorar no mesmo ano, a Deliberação Normativa COPAM nº
76/04, que, assim como a Portaria do IEF, dispõe sobre a interferência em Áreas
de Preservação Permanente. É exatamente no anexo desta deliberação que
encontramos os requisitos mínimos que devem constar em qualquer PTRF
atualmente.
Finalmente em 2013, um ano após a publicação do
irmão mais velho e mais polêmico da Lei nº 4.771/65, o “novo código florestal”
(Lei nº 12.651/12), houve a sanção da Lei Estadual nº 20.922 [1] que revogou por completo a de nº 14.309,
se tornando o novo código florestal mineiro. A Resolução Conjunta SEMAD [2]/IEF nº 1905, publicada em agosto de 2013
(pouco antes do mencionado código florestal estadual) e ainda em vigor,
apresenta os casos em que é preciso obter uma autorização para intervenção
ambiental e traz como documento obrigatório a constar dos pedidos de
intervenção ambiental em Área de Preservação permanente – APP e Reserva Legal –
RL, o PTRF.
Veja também: Como funciona o processo de licenciamento ambiental
Em resumo, o PTRF é o instrumento através do qual o
empreendedor apresentara ao órgão ambiental como pretende executar recomposição
de vegetação em APP e RL, seja por obrigação direta (digo quando a APP e RL da
propriedade estão sem vegetação), seja por conta de compensação (tipo quando há
intervenção em APP). Apesar do PTRF estar diretamente ligado a estas áreas
especialmente protegidas nas legislações apresentadas, as SUPRAMs [3] costumam utilizar este instrumento sempre
que há supressão de vegetação nativa, mesmo que fora de APP e RL. O PTRF pode
ser requisitado tanto quando do pedido de licença ambiental para uma atividade,
quanto para um pedido de Documento Autorizativo de Intervenção Ambiental fora
do licenciamento, podendo inclusive constar dos estudos ambientais elaborados para o empreendimento.
E qual o conteúdo deste projeto? Para entender,
vamos voltar a 2004, lá na DN 76, em que o COPAM estabeleceu o que minimamente
deve constar em qualquer PTRF e que transcrevo a seguir com alguns comentários
meus: [1] informações gerais do empreendedor e do empreendimento (neste momento
é de suma importância ilustrar a área do empreendimento com mapas, plantas
croquis, etc.); [2] objetivos (sem segredo; o que queremos com um PTRF é
estabelecer diretrizes gerais para recomposição da flora local ou por obrigação
legal inerente às áreas especialmente protegidas [4] ou para compensar danos causados por uma
intervenção com ou sem supressão [5]); [3] caracterização de meios físico e
biótico (lembrando que esta caracterização de meio biótico, no que concerne à
flora, deverá apresentar dados de inventário qualiquantitativo realizado, pelo
menos, na extensão de toda a área a ser suprimida, por censo ou amostragem);
[4] impactos causados pelo empreendimento aos meios físico e biótico; [5]
justificativas de locação da área de recomposição florestal (isto se aplica
quando o plantio é de compensação pela supressão de vegetação nativa ou
intervenção mesmo que sem supressão, somente em APP, em que é interessante
observar a fitofisionomia e a bacia hidrográfica da área de vegetação nativa
alvo da supressão); [6] metodologia de reconstituição, em que primeiro é
preciso determinar qual a técnica [6] de recomposição a ser aplicada (para o
caso da escolha das técnicas de enriquecimento ou implantação, é preciso
apresentar a escolha das espécies e toda a metodologia de plantio, incluindo
cuidados prévios, manutenção e monitoramento); [7] cronograma de execução; [8]
previsão de emissão de relatórios de monitoramento; e [9] literatura
consultada.
Sempre me perguntam por quanto tempo devemos
realizar manutenção e monitoramento em plantios de recomposição. Em outras
palavras, até quando devemos cuidar do plantio? E eu sempre respondo que é
complicado! A legislação estipula um tempo mínimo de cuidado de 02 anos [7], mas não fala em máximo. Eu entendo que o
objetivo da execução de um PTRF é recompor a flora, então quando um
profissional legalmente habilitado atestar que o plantio realizado tem
estrutura suficiente para seguir sem manutenções, podemos considerar a
obrigação cumprida. Em Minas Gerais, as autorizações para intervenção ambiental
desvinculadas do licenciamento costumam ter prazo de validade de 02 anos,
período em que o projeto de recomposição deverá ser executado, mas não há
diretriz quanto ao tempo de manutenção. Quando a execução do PTRF estiver
vinculada à licença ambiental, normalmente as obrigações se estendem ao longo
da validade da mesma.
Enfim, vamos a algumas observações importantes:
[1] se a supressão for de Mata Atlântica, existem diversas regras a mais a
serem cumpridas quando do pedido de autorização, cujos dados para cumprimento
devem constar do PTRF, porém não há como destrinchar estes detalhes aqui e
agora, tamanha a complexidade, mas sugiro a leitura cautelosa da Instrução de
Serviço SISEMA nº 02/17 (digo cautelosa, pois há invencionismos mineiros [8]); [2] a maior parte dos dados requeridos
para o PTRF devem constar do Estudo de Impacto Ambiental ou do Relatório de
Controle Ambiental do empreendimento, quando existentes.
Lá em cima falei para guardarem a informação que
o PTRF é complementar ao projeto de recomposição de solo. Isto por que a soma
das informações contidas em ambos os projetos deve ser igual ao que consta num
bom Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD. Observando o disposto na
Instrução Normativa nº 04/11 do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, percebe-se que o PRAD considera tudo
aquilo disposto no PTRF e ainda se preocupa com a situação de conservação ou
degradação do solo, por exemplo, se há voçorocamento, taludes de topografia
acidentada, etc. O PRAD, diferente do PTRF, é mencionado na legislação federal
(como acabamos de ver) e aplicado em diversos Estados para os casos aqui
apresentados (supressão de vegetação, recomposição de vegetação em APP e RL,
etc.). Ou seja, o PTRF é o PRAD diferentão de Minas Gerais.
Legenda:
[1] Curiosidade: os artigos desta Lei que tratam
sobre ocupação antrópica consolidada estão sob a mira de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN) promovida pela Procuradoria Geral da República e
nas mãos do ministro relator Ricardo Lewandowisk. Saiba mais em:
[2] Secretaria Estadual de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável.
[3] Superintendência Regional de Regularização
Ambiental.
[4] Para quando há uma APP e/ou RL com solo
exposto na sua propriedade, conforme arts. 11, 25 e 28 da Lei Estadual nº
20.922/13.
[5] Digo sem supressão por que a intervenção em
APP, mesmo que não vegetada, leva à obrigatoriedade de compensação via plantio
de recomposição, conforme Resolução Conjunta SEMAD/IEF nº 1905/13.
[6] As três mais comuns são regeneração natural,
enriquecimento florestal e implantação florestal.
[7] Resolução CONAMA nº 429/2011.
Fonte: Mata
Nativa
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