O choque
de estrelas no sonho de Einstein.
por Ulisses Capozzoli*, em colaboração especial
para a Envolverde –
O choque de duas estrelas de nêutrons,
detectado/observado na galáxia NGC 4993, no interior da constelação de Hidra, a
130 milhões de anos-luz, abre uma nova janela não apenas para a observação do
Universo. Pode ser uma nova rota teórica e observacional para concretizar o que
os físicos chamam de “Sonho de Einstein”. O choque entre o par de estrelas de
nêutrons, astros formados por matéria degenerada por efeito da gravidade, foi
observado tanto no espectro eletromagnético quanto em ondas gravitacionais,
neste caso uma reverberação na estrutura do espaço-tempo produzida pela enorme
quantidade de energia liberada pelo choque.
Nas páginas dos jornais, sugerindo algo tão banal
quanto uma feijoada, ou na efemeridade do telejornal do horário nobre, em meio
a uma salada de outros assuntos, o impacto a enormes distâncias perde seu
estranhamento. E o estranhamento é a essência não apenas da ciência, mas de
toda a forma de conhecimento. O estranhamento dá algum sentido à realidade. Ao
contrário do que concebe o relato fácil de processos que ocorrem tanto na Terra
quanto no céu. Para começar, o volume equivalente ao de uma colher de chá, da
matéria de uma estrela de nêutrons, pesaria na Terra milhões de toneladas. Algo
inconcebível para o padrão de experiência e percepção de cada um de nós. Por
trás da observação desse impacto está o que o físico brasileiro Mario Novello
chama de “refundação da física”, o que significa dizer: descobertas de muitas
possibilidades, algumas certamente sequer imaginadas. O que é uma estrela de
nêutrons? É o caroço que sobrou de uma estrela convencional, mas de massa mais
elevada que a do Sol. Após expelir parte de sua massa, em determinado estado de
sua evolução, esse caroço entra em colapso gravitacional, sob ação de sua
própria gravidade, como prevê a relatividade geral de Albert Einstein. Se o
colapso gravitacional não for detido, e nesse caso não há forças para se
contraporem, uma estrela de nêutrons irá perfurar a estrutura do espaço-tempo e
cavar no céu um buraco negro estelar. Buracos negros, exóticos canibais,
devoram toda forma de matéria/energia que se aproximarem deles num certo
limite, o horizonte de eventos.
Detecção
de ondas gravitacionais – Simulação
A observação do choque estelar pode refinar dados
como a velocidade de expansão do Universo e ajudar a investigar o que
recentemente foi batizado de energia escura, algo como uma antigravidade, ou
gravidade repulsiva, ao contrário da convencional, atrativa. Este também um
legado de Einstein que o chamou de “constante cosmológica” para conceber um
universo estático, sem contração ou expansão. Na verdade, uma manipulação das
equações da relatividade e que Einstein considerou “o maior erro” de sua vida.
Mas Einstein acertou até quando aparentemente errou. A “constante cosmológica”
está, desde 1998, identificada com a energia escura que infla o Universo. Aqui,
uma pequena observação: energia escura é diferente de matéria escura, embora à
primeira vista possam parecer a mesma coisa. Matéria escura é algo diferente do
que os físicos chamam de “matéria bariônica”, a matéria que tece o mundo que
conhecemos. Manifesta-se gravitacionalmente, mas não interage com a luz.
E o “sonho de Einstein” de que se trata? Esse sonho
é a manifestação da esperança de que, um dia, uma única equação
físico-matemática possa descrever a natureza do Universo, o que pode sugerir
algo como “o fim da história”, conclusão ao que tudo indica enganosa. Aplicáveis
a relatos mais simples e imediatos, nada que se compare à história da
manifestação e evolução do Cosmos, de que humanos são tanto parte como
testemunhas. Somos, os humanos, a parte do Universo que tenta resgatar sua
própria história. Não dos humanos, apenas, mas de todo o Universo. E é possível
que o Universo não seja uno, mas múltiplo e, neste segundo caso, infinito.
Infinitos universos, o que, recentemente, tem sido identificado como
multiverso. Os físicos sabem, desde algum tempo, que as forças básicas da
natureza, ou as forças básicas do Universo, maneiras ligeiramente diferentes de
dizer a mesma coisa, são quatro. A força nuclear forte, que mantém unido o
núcleo atômico. A força fraca, responsável pelo decaimento de partículas, caso
do urânio. O eletromagnetismo que impulsiona o metrô ou ilumina o ambiente de
trabalho e a gravidade, responsável pelo comportamento/elegância dos dançarinos
no grande salão do Cosmos. O sonho de Einstein é a unificação dessas forças no
interior de uma única equação físico-matemática. Em que a
observação/investigação do choque de estrelas de nêutrons pode ajudar neste
sentido? A resposta a uma pergunta como essa está no futuro.
Num instante em
que o presente for passado, referido por um verbo no pretérito, e o futuro,
agora distante, considerado presente: um aqui e agora. Mas essa possibilidade é
real e uma evidência disso é o eletromagnetismo que, no passado, era visto como
duas coisas distintas: eletricidade e magnetismo. Até que a matemática do
físico escocês James Clerk Maxwell (1831-1879), agora nome de uma pequena
multidão de jogadores de futebol, interpretasse os dois fenômenos, numa única e
mesma coisa. O Sonho de Einstein ainda está sendo sonhado, em seu imperturbável
sono eterno.
*Ulisses Capozzoli é jornalista, atuou em
grandes redações paulistas e por mais de dez anos foi editor da Scientific
American no Brasil.
Fonte: ENVOLVERDE
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