Povos indígenas afetados por mudança climática querem políticas de prevenção e maior participação nas decisões.
á pouco mais de três anos, o povo
indígena Guajajara, que vive no interior do estado do Maranhão, via
as chamas consumirem suas terras. O fogo começou a avançar sobre as
aldeias em 2015, em período de grande estiagem e baixa umidade. Foi
um período ininterrupto de queimadas que destruíram casas,
devastaram mais da metade da terra e feriram indígenas, inclusive
crianças.
As secas prolongadas e as queimadas
representam apenas uma parte do impacto da mudança climática sobre
as populações tradicionais. Também tem havido alteração do ciclo
das chuvas nas vazantes dos rios, que por sua vez alteram o
comportamento da fauna e da flora. De outro lado, as terras indígenas
também são responsáveis por absorver e estocar o que é calculado
como um ano de emissões globais de carbono.
Para denunciar estes problemas e
discutir formas de adaptação e prevenção dos efeitos climáticos
sobre os povos tradicionais, o grupo de indígenas
brasileiros tem demandado maior participação no processo de
formulação e implementação das políticas. O grupo participou do
Global Climate Action Summit, evento sediado entre os dias 12 e 14 de
setembro em São Francisco, Califórnia.
Em oposição à política do
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que decidiu deixar o
Acordo de Paris, o estado da Califórnia promoveu o encontro com o
objetivo de impulsionar empresários, lideranças comunitárias e,
principalmente, prefeitos e governadores, a adotarem medidas que
contribuam para o alcance das metas internacionais de mitigação dos
efeitos das mudanças climáticas.
A abertura do evento foi feita por
uma indígena brasileira, entre outros representantes de comunidades
tradicionais. Os indígenas brasileiros, junto com grupos
tradicionais de outros países, se integraram ao grupo Guardiões da
Floresta e reivindicaram mais atenção dos gestores públicos.
Também em São Francisco, os indígenas passaram três dias na terra
do povo Yurok e participaram da reunião anual da Força Tarefa de
Governadores para Mudança Climática.
A força tarefa foi criada há dez
anos e é composta por representantes de 38 estados de 10 países que
têm floresta tropical, entre eles os nove estados brasileiros da
Amazônia: Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Roraima, Rondônia,
Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Juntos, os países da força
tarefa detêm mais de um terço das florestas do mundo.
“Os desafios associados à mudança
do clima devem ser assumidos e enfrentados pelos atores locais.
Nenhuma meta vai ser atingida se não houver envolvimento e
compromisso de quem está na ponta. Os estados têm um papel
fundamental e os estudos que estão sendo concluídos por diversos
parceiros globais mostram que a redução de emissões só será
possível com o engajamento geral dos estados”, disse Carlos
Aragon, secretário-executivo da Força Tarefa dos Governadores para
o clima.
Governadores e indígenas
A presidente do Instituto de
Mudanças Climáticas e Regulação dos Serviços Ambientais do Acre,
Magali Medeiros, também participou da reunião na Califórnia, e
destacou que o encontro contribuiu para reforçar os compromissos de
diálogo entre governadores e comunidades indígenas estabelecidos na
chamada Declaração de Rio Branco. O documento foi assinado em 2014
durante a 7ª Reunião da Força Tarefa de Governadores realizada na
capital do Acre.
Entre outras metas, a declaração
define que até 2020 os estados da Amazônia brasileira e outros
estados que detêm floresta tropica reduzam o desmatamento em até
80%. “É claro que isso não seria possível fazer sem o
reconhecimento histórico que as comunidades locais e povos indígenas
têm na proteção dessas florestas e na contribuição para manter o
equilíbrio do planeta com relação às condições climáticas”,
declarou Magali, que integrou a equipe brasileira de delegados da
Força Tarefa dos Governadores pela Proteção das Florestas e do
Clima na Califórnia.
“A questão mais preocupante é
que os direitos indígenas possam ser garantidos e assegurados. O
direito à terra, à segurança alimentar, o fortalecimento da gestão
desses territórios para que eles possam ter bem-estar, qualidade de
vida e serem indivíduos que estarão cuidando do seu próprio
desenvolvimento. A partir do momento em que eles estão bem, toda a
sociedade também é fortalecida, porque são eles que mantêm os
recursos naturais, eles que cuidam, são os próprios guardiões da
floresta”, acrescenta Magali.
Área dos Guajajara
A área ocupada pelos Guajajara é
composta por vegetação da Amazônia e do Cerrado, bioma considerado
mais vulnerável a incêndios durante o período da seca. Segundo uma
das lideranças da comunidade, Judite Guajajara, nunca havia ocorrido
um incêndio desta proporção na região como o ocorrido há pouco
mais de um ano, e o processo se agravou devido ao aumento da
temperatura na região, ao prolongamento do período da seca e à
restrição do manejo indígena do fogo.
“Foi um reflexo bem claro das
mudanças
climáticas de forma bem potente no sul do Maranhão.
Outras 11 terras indígenas do estado também foram atingidas e foi
um processo bem complicado, porque, por muito tempo, não se
conseguiu controlar por inteiro o fogo, tendo que esperar pela chuva
para conseguir apagar todos os focos de incêndio. Isso compromete
nossas formas tradicionais de alimentação, os nossos ritos
tradicionais e a nossa vida social em si”, relatou Judite à
Agência Brasil.
A comunidade teve que se adaptar
para evitar novas ocorrências. No período da seca deste ano, um
grupo de brigadistas indígenas e guardiões da floresta puderam
fazer a limpeza de algumas áreas, o chamado aceiro, uma espécie de
corredor ou trilha de proteção nas estradas e das roças que cercam
as comunidades, para impedir que o fogo avance sobre as matas
ciliares e para dentro das aldeias.
Hoje, a comunidade tem se organizado
nessa parceria com o Ibama, que entra com uma contrapartida de
materiais e suporte técnico e os brigadistas indígenas colaboram
com os conhecimentos tradicionais sobre o território e com as formas
ancestrais de apagar o fogo e de fazer os aceiros.
Segundo o Centro Nacional de
Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), este ano
foram contratados 1.550 brigadistas, entre eles 800 indígenas, em
todo o país. O contingente está atuando em 37 terras indígenas, 33
assentamentos e um território quilombola.
Outros impactos
Dados mais recentes do instituto de
pesquisa Imazon mostram que 4% das áreas desmatadas na Amazônia são
terras indígenas e 15% correspondem a unidades de conservação, que
têm o objetivo de preservar recursos naturais e garantir o uso
sustentável dos ecossistemas.
“As populações tradicionais
vivem um paradoxo. As terras indígenas da Amazônia estocam o
equivalente a um ano de emissões globais de carbono, então esse é
o tamanho do papel e da importância desses territórios na
preservação do clima do planeta. Ao mesmo tempo, essas mesmas
populações que vivem nesses territórios, estão extremamente
vulneráveis à mudança climática, disse André Guimarães,
diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
(Ipam).
O coordenador da Articulação dos
Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinaman Tuxá, afirma que, além
das secas prolongadas e das queimadas, o que mais tem chamado a
atenção é a alteração do ciclo das chuvas, das vazantes dos
rios, que por sua vez alteram o comportamento da fauna e da flora,
impactando ainda mais os efeitos da mudança climática sobre as
populações tradicionais.
“Você vê também uma diminuição
drástica na população de peixes e outros animais. E como nós
sobrevivemos através da subsistência com a agricultura associada
com o meio ambiente, nós dependemos desses fatores para nossa
existência. Essa mudança climática está afetando diretamente não
só nas questões ambientais, mas também nas culturais, porque muito
da base da nossa alimentação não está existindo mais”, disse
Tuxá.
Na comunidade de Valeria Paye,
integrante do povo Tiriyo Kaxuyana, que vive na terra indígena
Tumucumaque, nos estados do Pará e Amapá, a alteração do clima
tem favorecido o surgimento de pragas nas plantações. “O que
prejudica são aparecimento de insetos que aparecem nas roças e que
começam a ter mais resistência a todos os tratamentos que os povos
indígenas tem para combater nas roças. Isso dificulta a manutenção
da diversidade na roça”, relata Valeria.
A líder indígena acrescenta que os
efeitos são mais percebidos pelas mulheres. “As mudanças
climáticas para nós têm impacto muito grande, porque as mulheres
indígenas é que são as guardadoras das sementes da diversidade que
temos nos nossos territórios, nas nossas roças”.
Em outras comunidades, como os
Wapichana, em Roraima, a dificuldade tem sido para ter acesso à
água. Como algumas fontes das terras indígenas secaram, os
moradores são obrigados a sair da comunidade para buscar água no
meio urbano. Há relatos de que, no caminho, ficam suscetíveis a
violência.
*A repórter participou do evento em
São Francisco a convite do International Center for Journalists
(ICFJ) e da Fundação das Nações Unidas (UN Foundation).
Fonte: EcoDebate
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