ECO21 – A Amazônia tem pressa.
por Elisa Homem de Mello –
jornalista ambiental –
A importância da Amazônia para o
mundo é proporcional à sua extensão. Trata-se de região complexa
o suficiente, cujas fronteiras não respeitam limites, já que as
mesmas, por si só, se extrapolam.
Em parceria com o Grupo Santander, a
The Nature Conservancy (TNC) trouxe ao público, no último dia 3 de
setembro, em São Paulo, o evento “Amazônia tem pressa:
Experiências Empreendedoras”, que debateu a expansão da
infraestrutura na região, abordando os desafios da governança e as
gestões públicas para a conservação do território Amazônico,
com base em uma visão integrada e em experiências práticas.
Ainda que fosse para justificar o
óbvio, se tivéssemos de pontuar os motivos pelos quais investir na
Amazônia é lucro certo, enfatizaríamos o suprimento de água e a
melhora na qualidade do ar que respiramos, visto que a região
Amazônica concentra 20% de toda água doce do Planeta e que os
processos de evaporação e transpiração desta floresta ajudam a
manter o equilíbrio climático.
Poderíamos lembrar ainda do
fornecimento de medicamentos e matérias primas para os mais variados
segmentos da indústria. Sem falar dos alimentos. A Amazônia é a
última fronteira gustativa da Terra, uma vez que aí estão os
sabores que o mundo desenvolvido ainda não experimentou e talvez
seja o único lugar onde eles ainda existam.
Aí também estão uma em cada cinco
espécies do Planeta. E, por isso, poderíamos lembrar também que a
Amazônia contém a genética que vai prover as soluções das novas
fontes de energia, já prevendo o fim do ciclo do petróleo. E seriam
infindáveis os motivos para convencermos quem quer que fosse a
investir nestas terras, pois todas as soluções ecológicas e
sustentáveis para o mundo passam pela Amazônia.
Na prática
Com tanto potencial, fica fácil
compreender que a Amazônia não precisa de ajuda, mas sim de
oportunidades. Então, o que falta nesta região de tanta
visibilidade e com tantos atributos desejados para que o
empreendedorismo não seja apenas um ato de muita fé e acolha com
seriedade o cuidado com o meio ambiente e a responsabilidade social?
Reserva Tapajós/Arapiuns Crédito –
Sergio Amaral
De acordo com as experiências
práticas da Reserva Extrativista (RESEX) Tapajós-Arapiuns, modelos
de negócio que valorizem a floresta em pé devem ser olhados com
carinho. O desmatamento na região representa hoje a liberação de
200 milhões de toneladas de carbono por ano (2,2% do fluxo total
global). Por outro lado, a Amazônia armazena em suas florestas o
equivalente a uma década de emissões globais de carbono, de acordo
com dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Para Andréa Cardoso de Almeida,
Representante da Organização e das Associações e Moradores da
Resex Tapajós-Arapiuns, falta Investimento. A variedade de produtos
da região é indiscutível, mas está claro que eles precisam ser
trabalhados para chegarem ao consumidor final. “É preciso ainda
qualificação, inovação, transporte, dentre outras questões
sociais, como o combate ao preconceito de igualdade de gênero nos
trabalhos”, afirma Almeida. Em consonância, está a visão de
Hélia Félix, agricultora e cooperada da Coopatrans/Cacauway, para
quem faltam também Políticas Públicas, cujo papel deve ser o de
tornar a vida daqueles que querem investir na Amazônia mais fácil e
fazer com que empreender na região não seja uma aventura e sim um
ato corriqueiro e responsável. “Vontade e produtos de qualidade
nós temos. Precisamos de meios para escoar esses produtos”,
explica Félix, dando como exemplo o trecho de 480 km que liga sua
indústria de produção de geleia até Santarém, dos quais apenas
120 km são asfaltados.
Existem histórias de sucesso na
Amazônia, conquanto sejam pontuais e isoladas. E nem todos conseguem
perseverar e apresentar a resiliência necessária neste processo.
Faltam centros de infraestrutura, seja para logística de
distribuição, seja para embalagens, fazendo com que os produtos
locais não concorram com outros em preço, uma vez que estes custos
são alto neste Estado. Por outro lado, os produtos existentes, tais
como cacau, cupuaçu, bacuri, açaí e os mais de 140 cogumelos
yanomamis já catalogados, garantem a segurança na biodiversidade.
“Falta Conexão. A questão/desafio é como conseguiremos chegar
nas prateleiras dos supermercados da Europa, de São Paulo ou dos EUA
com um preço competitivo. Somos produtores mas não estamos no
centro consumidor”, coloca Raphael Medeiros, Diretor Executivo do
Centro de Empreendedorismo da Amazônia.
A Resex Tapajós-Arapiuns tem cerca
de 1 milhão de hectares, o que representa 10 vezes o tamanho de São
Paulo. Aí habitam 6 mil famílias, que, a grosso modo, poderíamos
concluir, “cuidam” de aproximadamente 208 milhões de
brasileiros.
Uma visão integrada do
desenvolvimento
A Bacia do Tapajós é um território
bastante emblemático no processo amazônico. Localizado entre os
estados da Amazônia, de Mato Grosso, do Pará e de Rondônia,
abrange 74 municípios com cerca de 1,5 milhão de habitantes.
Trata-se de área de transição entre o Cerrado e a Floresta
Amazônica, onde 40% do território está destinado às Unidades de
Conservação (UCs) e aos Territórios Indígenas. Aí habitam 800
espécies de pássaros, 500 espécies de peixes e 250 de mamíferos.
Além de concentrar enorme potencial hídrico e, portanto,
energético, e uma localização estratégica para a saída Norte de
toda a produção de grãos que vem do Mato Grosso, expandindo a
fronteira agrícola.
Entretanto, os processos de transformação territorial na região não são projetados em escalas adequadas a estes processos socioambientais e econômicos, tão pouco respeitam as pessoas que lá estão, muito menos o DNA da própria Amazônia.
“Seguimos planejando muito mal
todo este território, analisando os projetos de forma fragmentada,
sem considerar impactos cumulativos e sinergias, e sem fazer com que
as políticas públicas associadas a todos estes investimentos que
ali chegam, sejam revertidas em transformação sistêmica com
resultado socioeconômico positivo para todo o território”, afirma
Karen Oliveira, Gerente de Infraestrutura, TNC Brasil.
Foi pensando em resgatar a questão
do planejamento que foi criado o Blueprint. Trata-se de uma
metodologia científica de planejamento integrado apoiada em base de
dados espaciais que permite identificar áreas prioritárias para
ações governamentais de conservação e gestão. O Blueprint serve
como ponto de partida para fortalecer o diálogo entre diferentes
atores e setores, e para a implementação de políticas que
assegurem a sustentabilidade ambiental, fundamental para a manutenção
da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos, e para o
crescimento econômico de uma bacia hidrográfica. A partir daí,
torna-se possível estabelecer uma visão integrada e compartilhada
por todos, fazendo com que as políticas públicas ali direcionadas
passem a ser mais efetivas.
A partir de um conjunto de variáveis
físicas (elevação e gradiente do terreno, densidade da drenagem e
gradiente do leito dos rios) o Blueprint foi capaz de definir a Bacia
do Tapajós em 985 unidades de planejamento (UPs), que integraram
quatro grupos maiores de drenagem: rios de cabeceiras, pequenos
tributários, grandes tributários e rios principais. Os cruzamentos
desses dados geraram o ATLAS TAPAJÓS 3D – avaliando as dimensões
tecnológica, científica e social.
De outro lado, um grupo formado por
177 associações empresariais, organizações da sociedade civil e
academia criaram 28 propostas, agrupadas em três principais eixos
(ordenamento territorial; dinamização dos mecanismos e agropecuária
de baixo carbono aliada à conservação; restauração,
reflorestamento e uso sustentável dos recursos naturais), com o
objetivo de construir uma agenda para a agricultura, pecuária e
economia de base florestal competitivas e sustentáveis. A Coalizão
Brasil Clima, Florestas e Agricultura colabora para a implementação
da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que contém os
compromissos assumidos em 2015, no âmbito do Acordo de Paris.
“Estes serão elementos
importantes para a prosperidade do país”, afirma Izabella
Teixeira, ex-Ministra do Meio Ambiente, que lembra, no entanto, que
ainda não fomos capazes de sair das questões do Século 20, como
segurança alimentar e segurança energética, embora no Século 21
as questões primordiais sejam a segurança hídrica e a climática.
De fato, a gestão do território
amazônico é uma questão que se arrasta desde a década de 1980 e
está claro que o modelo de gestão empregado pelo estado brasileiro,
que compreende relações tais como as conhecidas, precisa mudar. “É
preciso ter flexibilidade para se tomar decisões com maior
embasamento. O mundo espera que o Brasil apresente soluções para o
meio ambiente”, enfatiza Teixeira.
A Amazônia tem pressa
Para Patrícia Audi, Superintende
Executiva de Relações Institucionais do Santander, falta
planejamento a partir do território. “Com base em um planejamento
territorial, poderemos estabelecer as prioridades e o papel de cada
stakeholder, atribuindo responsáveis e uma visão de monitoramento
para se pensar a Amazônia que abrange o mundo agrícola, o mundo
extrativista (inclusive o ilegal) e o mundo hídrico. É preciso
pensar uma visão estratégica que perpasse governos e que perdure
muito além de 4 anos, pois a Amazônia tem pressa e o povo que lá
está não pode esperar por planejamentos cujos efeitos nunca serão
vistos”.
A Amazônia tem pressa para
encontrar um modelo de transformação que tenha como base a
governança social e territorial e que valorize seus ativos naturais.
Um modelo que seja inspirador e inovador e que promova e propicie uma
transformação sistêmica que supere barreiras e, ao mesmo tempo,
atenda às necessidades de fomento socioeconômico e ambiental.
“O empreendedorismo amazônico
também nos faz dialogar sobre as muitas amazônias que existem na
Amazônia. É preciso um modelo de desenvolvimento sustentável que
fomente mecanismos financeiros públicos e privados. A Amazônia tem
pressa e é preciso fazer com que seu legado seja reconhecido e
respeitado mundialmente”, afirma Santiago Gowland, Vice-presidente
Executivo de Inovação Global e Diretor Executivo para AL, TNC
Empreendimentos que merecem
atenção
Ferrogrão – Questão/Desafio:
como entrar na Amazônia, respeitando seus povos, suas culturas e sua
floresta? Desde 2012, a preocupação maior dos investidores
envolvidos neste empreendimento tem sido fazer uma consulta prévia
com a sociedade da região e as culturas indígenas.
O projeto de construção de uma
ferrovia (EF-170, comumente chamada de Ferrogrão) faz frente à
expansão da fronteira agrícola brasileira e à demanda por uma
infraestrutura integrada de transportes de carga, produzindo
benefícios socioeconômicos de alto impacto para as regiões entre
Sinop/MT e Itaituba/PR.
Prevê-se que, já em 2020, a
demanda total de carga alocada da ferrovia alcance 25 milhões de
toneladas, número que poderá chegar a 42,3 milhões de toneladas em
2050. O corredor a ser constituído pela EF-170 e pela rodovia BR-163
abrirá uma nova rota para a exportação da soja e do milho no
Brasil. Hoje, mais de 70% da safra mato-grossense é escoada pelos
portos de Santos/SP e de Paranaguá/PR, a mais de 2 mil km da origem.
Essa circunstância dá ao projeto
uma importância de extrema relevância dentro do sistema logístico
de cargas do país, sendo imprescindível um olhar crítico que foque
principalmente na região e na população que aí vive.
Hidrelétrica de São Luiz –
Questão/Desafio: é possível desenvolver infraestrutura na Amazônia
de forma sustentável? Para especialista de uma das mais novas
geradoras de energia elétrica do país, trata-se de empreendimento
capaz de produzir desenvolvimento e alavancar a comunidade local,
entretanto, é preciso repensar as tecnologias, unindo conhecimento
social e ambiental.
A Usina Hidrelétrica São Luiz do
Tapajós foi concebida como uma usina-plataforma, conceito inspirado
nas plataformas de exploração de petróleo em alto mar. Depois de
pronta, o canteiro de obras deverá ser desmanchado, para o
reflorestamento da região. Usinas-plataformas funcionam de forma
mais automatizada e não são ligadas por estradas. O acesso dos
funcionários terá que ser feito por helicóptero. O lago terá área
de 722,25 km². A queda será de 35,9 metros, gerando 6.356,4 MW
através de 31 turbinas Kaplan de 198 MW e duas de 109,2 MW.
Produzirá 29.548,8 GW/ano.
A previsão é de que este seja o
maior complexo do Tapajós. Sondagens da Eletrobras indicam a
possibilidade de expansão da capacidade energética para 7.880 MW.
Essa circunstância dá ao projeto
uma importância de extrema relevância dentro do sistema hídrico do
país, sendo imprescindível um olhar crítico que foque
principalmente no meio ambiente e na responsabilidade social, além
do fortalecimento de instituições como Funai e ICMBio.
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Fonte:
ENVOLVERDE
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