Estudos ambientais na Amazônia devem estar integrados a questões socioeconômicas.
Em workshop em Washington,
cientistas demonstram avanços de pesquisa na região e a necessidade
de investigar o impacto social das mudanças climáticas para a
criação de políticas públicas (Paulo Artaxo, professor do
Instituto de Física da USP / foto: Brazil Institute – Wilson
Center)
Maria Fernanda Ziegler, de
Washington Agência FAPESP
A Amazônia está em transição. A
alternância entre períodos de secas seguidos por cheias, uma das
características principais da região, está mais espaçada.
Estima-se que a cada década a temporada de estiagem ganhe 6,5 dias,
ou um mês de seca a mais a cada 40 anos.
Houve também o crescimento de 30%
do fluxo do rio Amazonas, na altura da cidade paraense de Óbidos. A
mudança ocorreu nos últimos 25 anos. A região amazônica também
está mais quente, e não é pouco. Observou-se um aumento de 0,9 °C
na temperatura média do ar, o suficiente para mudar o comportamento
de plantas, animais e do ser humano.
Mudanças no balanço energético e
nos ciclos hidrológicos da região têm sido observadas em estudos
científicos. Essas mudanças têm impacto profundo na composição
da biodiversidade, do solo e também no cotidiano amazônico. Porém,
para que haja políticas públicas voltadas ao desenvolvimento social
sustentável na região, estudos ambientais na Amazônia devem estar
integrados a questões socioeconômicas.
A avaliação foi feita por
participantes no workshop Scientific, Social and Economic Dimensions
of Development in the Amazon, realizado em Washington, Estados
Unidos, em 24 de setembro. O evento – continuação de outro
realizado em Manaus
em agosto – foi organizado pela FAPESP em conjunto com o
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Wilson
Center.
Na abertura do workshop, foi
apresentado um vídeo com mensagem de Thomas Lovejoy, professor da
George Mason University, nos Estados Unidos.
“A Amazônia tem um ciclo
hidrológico que permite gerar seu padrão de chuva. Hoje, esse ciclo
está sendo impactado pelo desmatamento, pelo uso excessivo de fogo e
pelas mudanças climáticas. Com isso, existe o risco de chegarmos a
um ponto de inflexão, quando o desmatamento estiver prestes a
atingir um determinado limite a partir do qual regiões da floresta
tropical podem passar por mudanças irreversíveis”, disse.
Em fevereiro deste ano, Lovejoy e
Carlos
Nobre, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia para Mudanças Climáticas – um dos INCTs apoiados pela
FAPESP no Estado de São Paulo em parceria com o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) –, publicaram um
alerta sobre o assunto na revista Science Advances (leia
mais em http://agencia.fapesp.br/27180).
“Mudanças no balanço energético
e em ciclos hidrológicos já são observadas em pesquisas realizadas
na Amazônia. Estamos descobrindo e monitorando essas mudanças.
Porém, para conseguir que políticas públicas sejam feitas para a
região, é preciso integrar aos estudos científicos aspectos
socioeconômicos críticos para a sustentabilidade da região”,
disse Paulo
Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de
São Paulo (USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de
Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.
Mudanças no ciclo de cheias e secas
afetam a biodiversidade e o cotidiano na região. “Nem todas as
plantas são adaptadas ao período de seca prolongado. Com isso, a
composição da biodiversidade acaba sendo alterada e ocorre maior
mortandade de árvores, por exemplo, o que pode impactar no
armazenamento de carbono”, disse.
Por ser tão extensa, a Floresta
Amazônica é capaz de armazenar uma grande quantidade de carbono da
atmosfera, questão determinante para o avanço das mudanças
climáticas.
“A Amazônia armazena entre 100
bilhões e 120 bilhões de toneladas de carbono na biomassa. Porém,
nos últimos anos, com o aumento da perda de árvores – por seca,
enchente e desmatamento –, se uma pequena fração desse montante
for para a atmosfera, vão ocorrer grandes mudanças no balanço CO2
atmosférico”, disse Artaxo.
Eventos extremos
Registros históricos recentes de
dados de chuva e ocorrência de secas e cheias mais intensas
comprovam essa transição no bioma. “Foram três secas muito
fortes, uma após a outra, em menos de 20 anos. Isso é um indicador
grave. Os dados mostram que algo importante está acontecendo”,
disse José
Marengo, coordenador-geral do Departamento de Pesquisa e
Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
Desastres Naturais (Cemaden).
Esses eventos climáticos extremos
têm aumentado também o risco de incêndios na floresta.
“Nem toda a seca é provocada pelo
El Niño. Algumas são, outras têm relação com o Atlântico
Tropical Norte mais aquecido, como ocorreu em 2005 e 2010. Em alguns
casos, quem manda é o El Niño [aquecimento natural das águas do
Pacífico], em outros é o Atlântico e em outros os dois vêm
juntos, como em 1983 e 1998”, disse Marengo.
Ele ressaltou, no entanto, que seja
por El Niño ou por aquecimento do Atlântico, essa é a parte
natural. Não inclui a ação humana. “Se acrescentarmos ao El Niño
e ao aquecimento do Atlântico outras condições, como por exemplo o
aumento no desmatamento, veremos que a situação pode ser muito mais
agravada”, disse.
As consequências da intensidade de
secas e cheias vão além das fronteiras amazônicas. Estima-se que
70% dos recursos hídricos da bacia do rio da Prata, mais ao sul do
continente, dependem da evaporação sobre a Amazônia. A transição
passada pela Amazônia e o impacto em seu ciclo hidrológico,
portanto, podem ter consequências importantes no agronegócio das
regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, assim como na
Argentina.
Marengo também defende a
necessidade de maior integração entre as pesquisas. Ele foi
coordenador do projeto Metrópole, iniciativa internacional que
estuda estratégias de adaptação aos impactos das mudanças
climáticas. O estudo, realizado na cidade de Santos (SP), estimou
perdas econômicas, modelagem dos extremos climáticos e impactos na
saúde (leia mais em http://agencia.fapesp.br/25976).
“Poderíamos fazer algo nesse
sentido na Amazônia. A previsão é de significativo aumento dos
eventos extremos na região nas próximas décadas”, disse.
Outra participante do workshop, Rita
Mesquita, pesquisadora do Inpa, concorda com a necessidade de maior
integração.
“Os estudos precisam ser
interdisciplinares. Modelos sociais, econômicos e ambientais nem
sempre têm os interesses alinhados. Mas só quando colocarmos todos
esses aspectos juntos, poderemos avançar em questões de
sustentabilidade”, disse.
Estimar a ação do homem
Questionado pela plateia sobre qual
seria a o peso do efeito antrópico nas queimadas na Amazônia,
Artaxo respondeu: “100%. Mesmo nos períodos de seca, trata-se de
uma floresta úmida, onde é difícil fazer e manter o fogo”,
disse.
A destruição da floresta por
queimadas tem se mostrada muito mais significativa que o corte para a
exploração madeireira. “O fogo é a maneira mais eficiente para
destruir”, disse Douglas Morton, do Goddard Space Flight Center, da
Nasa, durante sua fala no workshop.
“O Brasil foi um dos líderes no
monitoramento do desmatamento. Sistemas como o Prodes e o Deter do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) criaram uma base,
com dados históricos, mas é preciso ir além, com mais
investimento”, disse.
Morton coordena um projeto para
medir a degradação das florestas. Nele aviões sobrevoam a Floresta
Amazônica para identificar a degradação em três etapas (alturas)
da floresta.
Além disso, como Morton comentou, a
Nasa dispõe de 20 satélites de monitoramento, com dados abertos.
“Os satélites dão padrões sobre o que está ocorrendo. Temos
modelos para previsões que podem servir para a criação de
políticas públicas”, disse.
No evento em Washington,
pesquisadores apresentaram outros resultados de projetos apoiados
pela FAPESP, para uma plateia formada por cientistas e representantes
de ONGs e de agências norte-americanas ligadas ao meio ambiente. A
intenção foi trocar experiência para no futuro elaborar
colaborações internacionais no estudo da Amazônia.
Mais informações:
www.fapesp.br/eventos/amazon-workshop.
Fonte: EcoDebate
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