Três aves brasileiras são
consideradas potencialmente extintas.
Conclusão é de um estudo divulgado em julho por ornitólogos brasileiros e
estrangeiros.
Ilustração do limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi):
uma das espécies endêmicas da Mata Atlântica nordestina consideradas
potencialmente extintas na natureza. Crédito: Acervo Fundação.
Endêmicas da Mata Atlântica nordestina, três
espécies de aves nativas do Brasil estão sendo consideradas potencialmente
extintas na natureza, conforme um artigo publicado em julho. A corujinha
caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum) e dois parentes do
joão-de-barro, o gritador-do-nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti) e
o limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi) [veja ilustração] tiveram
o status de potencial extinção indicado por ornitólogos brasileiros e
estrangeiros, que estudam essas espécies há mais de uma década. A indicação
ocorreu principalmente em virtude de longos períodos sem registros oficiais de
visualização dessas espécies na natureza.
A informação sobre a grande
probabilidade de extinção dessas espécies consta no artigo Status of the globally threatened
forest birds of northeast Brazil (Status global de aves silvestres
ameaçadas no Nordeste do Brasil), publicado na revista científica ‘Papéis
avulsos de zoologia’, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP),
em julho.
Aves potencialmente extintas são endêmicas do Nordeste
As três aves indicadas como
potencialmente extintas ocorrem apenas em uma estreita faixa de Mata Atlântica
ao norte do Rio São Francisco, conhecida como Centro de Endemismo de Pernambuco
(CPE) e que abrange áreas de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do
Norte. Há muito tempo, porém, não há mais registros oficiais dessas espécies
nativas do Nordeste brasileiro. O último registro oficial da corujinha
caburé-de-pernambuco, por exemplo, que mede 14 centímetros e possui pintinhas
na cabeça e nuca, foi um canto gravado em 1990.
Por que a extinção é dada como certa?
Segundo o doutor em Ciências
Biológicas pela USP, Luís Fábio Silveira, consultor da Fundação Grupo Boticário
de Proteção à Natureza e um dos autores do artigo, desde a descrição da
espécie, em 2002, a corujinha caburé-de-pernambuco vem sendo amplamente
procurada por pesquisadores, principalmente no que restou de fragmentos
florestais no CPE. “Registros documentados da corujinha incluem apenas a coleta
de dois indivíduos, em novembro de 1980 – a partir dos quais a espécie foi
descrita – e uma única gravação de som obtida em outubro de 1990”, explica o
doutor. “Em 2001, no entanto, ornitólogos avistaram a espécie, mas não houve
registro oficial. Por isso, dada à ausência por mais de dez anos de
documentação que comprovasse registros oficiais, considera-se que a
caburé-de-pernambuco está potencialmente extinta”, aponta.
Também não há registros recentes
do gritador-do-nordeste ou do limpa-folha-do-nordeste, dois pássaros de
características bastante semelhantes da ordem Passeriformes e que medem cerca
de 20 centímetros de comprimento. Descrito em 1983, o limpa-folha-do-nordeste
foi visto pela última vez na natureza em 2011, pouco mais de trinta anos após
seu primeiro registro, segundo consta no artigo.
Já o gritador-do-nordeste foi
descrito oficialmente como uma espécie apenas em 2014, com base em registros
oficiais de 2005, sendo que ave foi visualizada em um único local: uma Reserva
Natural no Nordeste. Desde então, a ave não foi mais vista na natureza. O
gritador-do-nordeste demorou para ser identificado como nova espécie, pois
possui muitas semelhanças com o limpa-folha-do-nordeste, tais como tamanho,
plumagem e comportamento. Com a ausência de registros oficiais por longos
períodos, segundo ressalta Silveira, as três espécies são as primeiras aves
nativas do Brasil que podem ser consideradas como potencialmente extintas.
Ameaça à biodiversidade da Mata Atlântica nordestina
O principal fato que contribuiu
para que as três espécies chegassem a essa situação de provável extinção,
segundo aponta Silveira, é o avanço do desmatamento que descaracteriza e
fragmenta a Mata Atlântica. “Fatores como o avanço das usinas de álcool,
bastante comuns no Nordeste, a poluição, as queimadas e a caça de animais
silvestres prejudicaram muito os ambientes naturais nativos da Mata Atlântica
nordestina, especialmente no CPE”, explica o doutor. “Acompanhamos as florestas
ficarem cada vez menores e o número de indivíduos, dessas três espécies,
diminuir até praticamente desaparecerem por completo”, destaca.
A destruição do habitat natural é
apenas um dos problemas. A potencial extinção das espécies leva ainda ao
desequilíbrio ambiental. “As aves podem ser importantes para polinização de
flores, dispersão de sementes, controle de pragas e até estarem envolvidas em
relações ecológicas com outros animais. Esse ciclo, ao ser interrompido, gera
um desequilíbrio do meio ambiente”, explica.
Base de estudos do artigo sobre
as espécies extintas, o Centro de Endemismo Pernambucano é considerado uma das
áreas de biodiversidade mais importantes para a conservação da Mata Atlântica,
bioma brasileiro mais desmatado, ameaçado e fragmentado, do qual restam apenas
cerca de 8% de cobertura original. De acordo com uma análise feita em 2005 pelo
Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan), a avifauna do Centro de
Endemismo Pernambucano (CPE) possui 434 espécies, sendo 26 aves endêmicas da
região, ou seja, que não são encontradas em nenhum outro lugar do planeta.
Entre essas espécies registradas no CPE, 40 estão incluídas em alguma categoria
de ameaça de extinção, conforme critérios do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
“Devido às altas taxas de
endemismo na região, o CPE se tornou chave para conservação da Mata Atlântica
nordestina, especialmente da avifauna. Por isso é preciso investir em pesquisa
científica para que a flora e a fauna da região sejam conhecidas de modo
adequado, permitindo a promoção de políticas públicas para a conservação
efetivas”, afirma o coordenador de Ciência e Informação da Fundação Grupo
Boticário, Emerson de Oliveira.
De acordo com o Cepan, das vastas
florestas da Mata Atlântica nordestina, restam apenas 2% de pequenos fragmentos
de áreas nativas. A criação de Unidades de Conservação (UCs), como aponta
Oliveira, é uma estratégia importante para a proteção do que restou da fauna e
flora da Mata Atlântica no Nordeste. “Uma das saídas para evitar a extinção de
outras espécies é proteger o que sobrou dos remanescentes de Mata Atlântica,
por meio da criação de áreas protegidas e corredores ecológicos que garantam a
conexão entre elas. Além disso, oferecer educação ambiental às comunidades do
entorno dessas áreas, ressaltando a importância da conservação da natureza,
também contribui para que outras espécies não tenham o mesmo destino dessas
três aves que podem estar para sempre extintas da natureza”, finaliza Oliveira.
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