Diversidade genética em áreas
restauradas de Mata Atlântica surpreende pesquisadores.
por
Karina Toledo, da Agência Fapesp
Parâmetros encontrados são semelhantes aos de
remanescentes florestais. Análise teve como foco quatro espécies de plantas com
potencial fitoterápico. Foto: divulgação/APTA.
Agência Fapesp – Ao comparar a diversidade genética
vegetal de três remanescentes florestais de Mata Atlântica com a de duas áreas
em processo de restauração, todas no interior de São Paulo, pesquisadores da
Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) não observaram diferença
significativa na maioria dos parâmetros analisados.
Apenas em termos de riqueza alélica (número de
alelos diferentes para uma mesma região do genoma) e de riqueza de alelos
privados (exclusivos de uma determinada população) as porcentagens encontradas
nas áreas nativas foram maiores em relação às reflorestadas.
A análise, realizada com apoio da FAPESP, foi
centrada em quatro espécies com potencial fitoterápico: araribá (Centrolobium
tomentuosum, anti-inflamatório e anti-leishimania), cabreúva (Myroxylon
peruiferum, antibiótica e analgésica), guaçatonga (Casearia sylvestris,
anticancerígena) e pau-jacaré (Piptadenia gonoacantha, antioxidante).
Os dados foram apresentados pela pesquisadora Maria
Imaculada Zucchi, da APTA, durante a 7ª Reunião de Avaliação do Programa
BIOTA-FAPESP, realizada em São Paulo no dia 7 de agosto.
“A diversidade genética está diretamente
relacionada com a longevidade de uma população e com a sua capacidade de evoluir
em resposta a mudanças ambientais. No entanto, há algumas décadas, os projetos
de restauração foram implantados com alta diversidade interespecífica [muitas
espécies diferentes], mas pouca ou nenhuma atenção foi dada à diversidade
intraespecífica [sementes oriundas de poucas matrizes de cada espécie]. Por
esse motivo o resultado do estudo nos surpreendeu”, disse Zucchi.
O uso de sementes coletadas de um pequeno número de
matrizes, explicou a pesquisadora, pode restringir a base genética nas áreas de
restauração florestal, resultando em uma população constituída de plantas
aparentadas.
“Inicialmente, não se observa nenhum problema.
Contudo, ao chegar à fase reprodutiva, haverá grande número de cruzamentos
entre indivíduos aparentados, causando a endogamia e podendo aumentar a
frequência de alelos deletérios ou letais nessas populações, levando-as à
diminuição ou ao declínio”, explicou Zucchi.
Outra consequência da utilização de plantas com
base genética restrita em áreas de reflorestamento é o chamado “efeito
fundador”, ou seja, o estabelecimento de uma nova população formada por um
pequeno número de genótipos.
Para verificar se áreas reflorestadas de São Paulo
estavam sofrendo com esse fenômeno, os cientistas da APTA e alunos do programa
de Pós-graduação em Genética e Biologia Molecular do Instituto de Biologia (IB)
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) coletaram amostras das quatro
espécies fitoterápicas na região de Cosmópolis, em processo de restauração há
54 anos, e em Iracemápolis, em restauração há 24 anos.
Também foram feitas coletas nos remanescentes da
Estação Ecológica de Caetetus, ligada ao Instituto Florestal e situada na
região de Gália; na Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de Tietê (UPD-Tietê),
da APTA; e na Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) Mata de Santa
Genebra, no município de Campinas.
Ao todo, foram coletadas 414 amostras de araribá,
182 de cabreúva, 546 de guaçatonga e 394 de pau-jacaré. Desse total, foram
selecionadas 20 matrizes produtoras de sementes de cada espécie com o intuito
de estudar a taxa de cruzamento. O passo seguinte foi fazer a extração de DNA
das amostras, a genotipagem – por um método semelhante ao usado nos testes de
paternidade humanos – e o cálculo das frequências dos diferentes alelos
encontrados.
De acordo com Zucchi, não houve diferença
significativa entre as áreas estudadas na maioria dos parâmetros de diversidade
genética – que leva em conta vários fatores populacionais como, por exemplo, o
número de indivíduos heterozigotos encontrados.
Uma diferença pequena foi encontrada nas
porcentagens de riqueza alélica. No caso da guaçatonga, os números foram 64%
nas áreas naturais e 36% nas áreas restauradas. Para a cabreúva, as
porcentagens foram de 54% e 46%, respectivamente. Para o araribá, foram 52% e
48% e, para o pau-jacaré, 56% e 44%.
Os pesquisadores também compararam os valores dos
chamados alelos privados – aqueles que são exclusivos da população estudada.
Nesse caso ficou mais evidente a discrepância entre áreas sendo que, para a
guaçatonga, as porcentagens foram 92% nos remanescentes em relação a 8% nas
áreas restauradas. No caso da cabreúva, as porcentagens foram 74% e 26%,
respectivamente. Para o araribá foram 70% e 30% e, para o pau-jacaré, 68% e
32%.
Uma possível explicação para a pouca variação nos
parâmetros de diversidade genética seria a ocorrência de fluxo de genes de
remanescentes para as áreas reflorestadas próximas – processo que, segundo
Zucchi, ficou evidente ao analisar os dados da cabreúva.
“Os indivíduos jovens das áreas restauradas
possuíam alelos que não eram comuns aos indivíduos adultos da mesma área, mas
eram semelhantes aos alelos encontrados em adultos de remanescentes florestais
próximos, sugerindo a ocorrência de fluxo gênico da área natural para a
restaurada”, comentou a pesquisadora.
O estudo da taxa de cruzamento mostrou que as
espécies estudadas apresentam sistema misto de cruzamento, ou seja, podem tanto
se autofecundar (autogamia) quanto cruzar com outros indivíduos da mesma
espécie (alogamia). A exceção foi o araribá, que apresentou tendência à
alogamia.
“Ao elaborar um projeto de conservação, uma das
primeiras coisas a serem estudadas é a taxa de cruzamento, para entender como
as espécies se reproduzem. Isso é importante, por exemplo, para calcular
quantas matrizes diferentes serão utilizadas em uma determinada área a fim de
garantir a diversidade genética necessária”, explicou Zucchi.
Genômica populacional
Nas últimas décadas, segundo Zucchi, a restauração
florestal deixou de constituir o simples plantio de árvores para recobrir uma
área desmatada, transformando-se na ciência que visa a reconstruir interações
ecológicas complexas em comunidades vegetais degradadas pelas ações antrópicas.
Em artigo publicado no Journal
od Biotechnology and Biodiversity, pesquisadores da APTA e da Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo
(USP) discutem como os conceitos de genética de populações podem contribuir
para tornar as políticas de restauração ainda mais eficientes.
“Indicadores de diversidade genética de populações,
associados a outras ferramentas de conservação, são importantes para que
consigamos implantar áreas reflorestadas com os níveis mínimos de riqueza
alélica e de diversidade genética, que auxiliarão a conexão de remanescentes
naturais, restaurando os processos ecológicos e garantindo ecossistemas
funcionais, biologicamente viáveis e perpetuados no tempo”, opinou Zucchi.