terça-feira, 30 de abril de 2019


O socioambientalismo Página 1 – Nasce um movimento nacional.

por Samyra Crespo – 

Às vésperas da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, seu Secretário Maurice Strong veio ao Brasil para decidir as candidaturas das cidades que desejavam ser anfitriãs. Tínhamos a candidatura de São Paulo, de Brasília, de Manaus na emblemática Amazônia e Rio de Janeiro.

Decidiu -se pelo Rio. Por quê? Maurice se encantou com a DIVERSIDADE dos atores sociais da cidade e como protagonistas de diferentes movimentos pareciam conviver e colaborar entre si. Era um Rio de Betinho, (do IBASE e da futura Campanha de combate à fome) de Rubem César Fernandes (ISER – que organizaria a vigília dos líderes espirituais no Aterro do Flamengo e mais tarde criaria o Viva Rio), do Jorge Durão (da FASE, educação popular), da trinca de Ouro Alfredo Sirkis (Os Carbonarios), Gabeira e Carlos Minc, os três às voltas com a criação de um Partido Verde aos moldes do que foi instituído na Alemanha. Strong queria que a sociedade estivesse atenta e participasse da Conferência. No Rio havia as condições ideais para a mobilização que desejava: uma efervescência jovem e colorida, carregada de otimismo.

Nesta Conferência, lembremos, nasceu o conceito de STAKEHOLDERS – os parceiros do desenvolvimento sustentável. E a ideia inclusiva de que todos, absolutamente todos tinham nele um papel.

Tudo era novo e o ambiente político brasileiro era o da redemocratização. Os anistiados voltavam e encontravam antigos companheiros, alguns traziam experiências novas. Havia um fluxo de recursos da Cooperação animando novas agendas como as da Ford Foundation (identidade negra, feminismo), a Heinrich Boll, a Cooperação americana de apoio a projetos na Amazônia. Os ambientalistas ainda não conheciam o boom da década seguinte, os anos pós Conferência. Tinham ainda uma atuação exclusivamente local e seus militantes eram um bando de idealistas sem formação específica na área, necessitando sempre da expertise e boa vontade das universidades.

Recursos de pequena monta.

Pois bem, o Rio foi escolhido. Dinheiro, esperança e uma certa euforia com a queda do Muro de Berlim e a utopia de um só mundo.

A tarefa seguinte era chamar as ONGs e grupos de ativistas de todo o País.

Era preciso articular gente e idéias. Quem teria essa capacidade?

Logo as ONGs mais estruturadas se apresentaram: IBASE e FASE. No Rio os grupos ambientalistas tinham se unido em torno do que chamavam Assembleia Permanente do Movimento Ambiental.- APEDEMA.

Surgia o FÓRUM DAS ONGS, articulação nacional para a participação na Conferência que seria cunhada como ECO 92.

Um saco de gatos.

Do ponto de vista político havia uma disputa pela hegemonia entre os que historicamente estavam ligados às agendas sociais e os que se reconheciam como ambientalistas e com direitos especiais.

Afinal não era uma conferência de meio ambiente?

Era a primeira vez, no Brasil – que ambientalistas de todos os matizes se sentavam com lideranças dos movimentos sociais para estabelecer uma agenda comum.

Eu atuava no ISER, ONG ecumênica que fazia assessoria às igrejas progressistas em sua “inserção social”.

Consegui um financiamento para fazer a primeira pesquisa nacional sobre o ecologismo e sobre o que pensavam os brasileiros a respeito.

Havia no bastidor uma luta que não favoreceria nenhum dos lados se fosse à frente.

Se ouvíssemos os ambientalistas dizia -se que era preciso “ambientalizar” os movimentos sociais. Se perguntássemos às lideranças sociais, diziam que era preciso “socializar “, politizar os ambientalistas.

A solução do impasse conhecemos bem. Betinho se afastou, a FASE passou a representar o segmento social e um colegiado de ONGs socioambientalistas se formou.

Institucionalmente resolvido o impasse, vamos ao que interessa: às propostas.
Mas destas falarei amanhã.

Este texto faz parte de uma série que venho publicando no site Envolverde/Carta Capital. O objetivo é fazer conhecida a história recente do ambientalismo brasileiro e requalificar seu papel nas disputas políticas atuais, num governo francamente anti-meio ambiente.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.

Fonte: ENVOLVERDE

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