As pedras da Lua e a biocivilização.
Por Dal Marcondes, da Envolverde
Em 1969, quando os astronautas
Neil Armstrong e Buzz Aldrin pisaram na Lua, um grande objetivo foi
alcançado pela humanidade. “Um pequeno passo para o homem, mas um
grande passo para a humanidade”, como ficou imortalizado o feito na
fala de Armstrong. 50 anos depois a humanidade tem a frente
muitos novos desafios que precisam de união e orgulho em ser uma
espécie inteligente. O texto abaixo foi escrito alguns anos
atrás apenas para mostrar que ir à Lua não foi apenas um passeio,
mas um desafio civilizatório. Confira!
Na foto, o astronauta Buzz Aldrin,
piloto do módulo lunar, caminha sobre a superfície da lua. Foto:
Nasa.
Em 1961 o presidente Jonh Kennedy
lançou um desafio à sociedade americana, levar um homem à Lua e
trazê-lo de volta em segurança. Mais do que isso, o feito deveria
ser realizado antes do final da década. Em 1963 Kennedy foi
assassinado, mas os Estados Unidos seguiu em frente e se lançou em
um dos mais importantes desafios para o processo civilizatório de um
dos tempos mais prolixos em realizações, o século 20. Em 20 de
julho de 1969 a nave espacial Apollo 11 estabeleceu um novo marco na
história humana. Pela primeira vez um ser humano pisa em um
território que não pertence ao Planeta Terra. De lá foram trazidos
385 quilos de pedras, nas diversas missões Apollo, que ainda
aguardam estudos mais detalhados por parte dos cientistas. “Muito
dinheiro dos contribuintes para nada”, disseram conservadores e
jornais da época.
Kennedy, ao lançar o desafio
certamente não estava pensando no valor científico ou econômico do
que seria encontrado na Lua. Estava, na verdade, estabelecendo metas
para um grande salto tecnológico, que tirou o mundo de um cenário
restrito do pós-guerra, para lançá-lo em um real processo de
transformação científica, tecnológica e de globalização. Da
decisão tomada em 1961 surgiu toda uma nova perspectiva planetária
a partir do desenvolvimento de computadores menores e mais
eficientes, tecnologias de comunicação, satélites, microships,
universalização do acesso à internet e às telecomunicações em
geral.
A sociedade e a economia que
emergiram desta decisão é mais rápida, trabalha com mais
informação e saber e é educacionalmente mais qualificada do
que tudo o que havia existido antes. Claro que não conseguiu
resolver todos os problemas e mazelas da humanidade, teve uma parte
expressiva de suas tecnologias destinadas a usos militares e criou
novos problemas. No entanto, é inegável que mudou o mundo.
Seria possível continuar a linha de
tempo sem os avanços da micro-computação e sem os saltos da
tecnologia da informação? Certamente que sim. No entanto o novo
padrão científico e tecnológico se espalhou de forma capilar e
estrutural pelo mundo, o que criou novos cenários e novas
oportunidades de geração de conhecimento, empregos, renda e riqueza
não mais limitados a porções geográficas do “mundo ocidental”.
Nesta primeira década do século
XXI surge um novo desafio, enfrentar as mudanças climáticas de
forma criativa e com grande capacidade de transformação para a
humanidade como um todo. Da mesma forma que a conquista da Lua foi um
fator decisivo para a transformação civilizatória do final dos
anos 90, a busca de conhecimento, ciência e tecnologias para o
desenvolvimento de uma economia limpa, eticamente comprometida e
includente sob o ponto de vista de acesso a bens e serviços é o
fator que vai alavancar o crescimento da oferta de riquezas nos
próximos anos, bem como sua distribuição de forma mais justa.
Manter os mesmo parâmetros de
desenvolvimento, sem mudar os usos e costumes da economia não vai
levar a humanidade muito além de onde chegou. A estabilidade do
business as usual não oferece os desafios necessários para que
empresas, governos e pessoas se superem em busca de horizontes mais
amplos para cada um destes atores.
A biocivilização preconizada pelo
economista Ignacy Sachs, uma mente brilhante a serviço de construir
e propor hipóteses de desenvolvimento realmente inovadoras, é, sem
dúvida, a transformação necessária para a criação de desafios
capazes de mobilizar as forças extraordinárias do mercado e da
sociedade em direção a um modelo econômico não planetariamente
antropofágico.
Sachs acredita que a produção e
usos de biomassas podem alavancar uma modelagem econômica com novas
empresas e novas tecnologias, com mais distribuição de renda pelo
trabalho e com uma imensa capacidade de regeneração de biomas e
ecossistemas. Ele vê biomassa como matéria-prima para quase todos
os usos que a humanidade possa precisar. São matérias-primas
florestais para energia e indústria, biotecnologia de base para o
desenvolvimento de produtos, bioenergia a partir de celulose, o que
transforma qualquer resíduo vegetal em combustível e assim por
diante. Além disso, uma organização social diferente, com
estruturas de mobilidade coletiva e alto valor para educação e
cultura completam o quadro de um desenvolvimento limpo.
A existência de combustíveis
fósseis fartos, muito mais do que se poderia imaginar na metade do
século XX, tem sido um argumento forte para que os investimentos em
uma biocivilização não ganhem escala. No entanto, esta é uma
argumentação que peca em uma das bases estruturais do pensamento
sustentável. A ex-ministra norueguesa Gro Brundtland, ainda nos anos
80 do século passado, quando desenvolveu a pedido das Nações
Unidas o relatório “Nosso Futuro Comum”, onde descreveu pela
primeira vez o conceito mais aceito de sustentabilidade, estabeleceu,
também, o conceito de solidariedade entre gerações: “Ser
sustentável é trabalhar para prover as necessidades da atual
geração de humanos sem comprometer a capacidade das futuras
gerações em prover suas próprias necessidades”.
Dentro deste raciocínio, é muito
importante que a atual geração olhe para uma matéria-prima da
importância do petróleo com mais responsabilidade. De todos os usos
que se pode dar a este recurso, o pior e menos nobre é queimar em
motores de automóveis. Existe toda uma indústria petroquímica e de
química fina e farmacêutica criando produtos a partir do petróleo.
São produtos que poderão não estar disponíveis no futuro apenas
porque setores da economia do século XXI não se esforçam
para buscar transformações estruturais em seu modo de ser e de
agir. E, entre estes setores não estão apenas empresas, mas também
governos que não veem com bons olhos pedir que seus eleitores mudem
a forma como vivem. Mesmo que isto signifique grandes transtornos no
futuro.
A busca da ciência e da tecnologia
necessária para a transição para uma economia de baixo carbono
pode ser a alavanca necessária para melhorar a performance do
sistema educacional, pode representar um novo complexo industrial
capaz de absorver milhões de trabalhadores em áreas pobres do
planeta e, certamente, não significa o desmantelamento do atual
parque industrial mantido pela dobradinha montadoras de
veículos/petroleiras. É apenas uma nova maneira de olhar para
velhos problemas e buscar o uso mais racional e eficiente de recursos
naturais.
A biocivilização tem o potencial
de levar parte de seus processo e de sua geração de renda para os
rincões de miséria do mundo. Será preciso trabalhar em todas as
potenciais áreas agrícolas e com tecnologias menos agressivas em
termos de uso do solo. O mundo precisará de mais especialistas em
ciências da vida, em conhecimentos tradicionais e em gestão de
processos e pessoas. Principalmente, uma economia limpa deverá ter a
capacidade de inovar em situações onde o conhecimento tradicional
está cristalizado.
Recentemente a Alemanha anunciou o
retorno de uma das mais antigas tecnologias do mundo para mover
navios, as velas. Um cargueiro de 30 mil toneladas usa uma vela de
última geração para reduzir em 20% seus gastos de combustível em
alto mar. A vela é controlada por um piloto automático e demonstrou
excelente eficácia. Não é um retrocesso, mas um avanço
significativo e com alto potencial de redução de custos para os
transportadores.
A busca pela reputação de
sustentabilidade está fazendo com que grandes empresas globais atuem
para entender melhor suas cadeias de valor, de forma a visualizar
oportunidades que unam conceitos de responsabilidade socioambiental e
redução de custos. Isto tem dado certo. Mas, o mais importante
deste movimento, é que as empresas que enveredam pela busca honesta
pela sustentabilidade não podem voltar atrás e dizer: “agora não
quero mais brincar de ser sustentável, cansei”. O recuo seria
muito mau visto pelos clientes e por todos os públicos desta
empresa.
A transição para uma economia
limpa se dará nos próximos anos. Será pela necessidade objetiva de
mudanças nos padrões de produção e consumo, pelos problemas
impostos pelo atual modelo, ou pela vontade de mudar. Se a sociedade
conseguir gerar um pacto de transição, envolvendo empresas,
governos, ongs e pessoas, as mudanças podem ser mais eficazes sob o
ponto de vista de organização social, e talvez custem menos em
recursos materiais, ambientais e sociais.
A busca por uma economia limpa será
a “Conquista da Lua” do século XXI. Será o uso de todos os
conhecimentos acumulados pela humanidade e de todos os recursos e
riquezas à disposição do mundo apontando em direção ao futuro.
Tudo o que sabemos e podemos deverá ser direcionado a fazer do
futuro um bom lugar para se viver.
- Dal Marcondes é jornalista especializado em jornalismo econômico, diretor e editor responsável da Envolverde – e presidente do Instituto Envolverde.
Fonte:
ENVOLVERDE
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