Duplamente punidas.
Por Julia Dolce, da Agência
Pública
Infográficos: Ana Karoline Silano,
Bruno Fonseca.
O moralismo do judiciário nega a
prisão domiciliar a mulheres gestantes ou com filhos sob a alegação
de que são mães “perniciosas” e com “personalidade
distorcida”
Há dois anos sem ver a filha, um
dos principais medos de Elaine é que a bebê não a reconheça Julia
Dolce/Agência Pública.
“É você que vai me fazer
chorar?”, questiona Marlene Cataldo, irônica, sem dar chances para
que eu comece as perguntas. O som do cadeado pesado fechando atrás
de nós ecoa no ambiente sem janelas, vibrando pelas paredes
coloridas com tons pastel. A ala da maternidade da Penitenciária
Feminina de Pirajuí, no centro-oeste paulista, foi a escolhida pela
diretoria para as entrevistas.
Para algumas detentas que
concordaram em dar seus relatos, o local ainda era desconhecido. Para
outras, os sujos tapetes de EVA eram uma lembrança dolorida da
última amamentação antes de seus bebês serem levados para fora da
unidade. Marlene parecia confortável: entrou e logo espalhou em cima
de uma mesa as fotos de seus filhos, que deixa penduradas nas paredes
da cela onde dorme com mais duas mães.
“A Rafa tava assim quando eu
entrei, pequenininha. Agora tá assim”, disse, apontando para a
imagem de uma menina de quatro anos toda vestida de rosa e, em
seguida, para o mesmo rosto, alguns anos crescido. Marlene não vê
Rafaela ou seus outros cinco filhos há três anos e quatro meses,
desde que foi presa por tráfico de drogas.
Reincidente, Marlene ficou um ano e
cinco meses presa provisoriamente antes de ter confirmada sua
sentença de seis anos, nove meses e 20 dias em regime fechado.
Ela poderia, justamente por ser mãe
de filhos pequenos, estar cumprindo sua pena em prisão domiciliar,
como determina a Lei n° 13.256, de 8 de março de 2016, conhecida
como Marco Legal da Primeira Infância. Entre vários pontos, a lei
estabelece que presas provisórias aguardem em prisão domiciliar o
julgamento caso sejam gestantes ou mães de crianças de até 12
anos. Mas não é o que geralmente acontece.
Diante da negligência dos tribunais
brasileiros com relação à lei, em fevereiro de 2018, o Supremo
Tribunal Federal (STF) concedeu um Habeas Corpus coletivo (HC
143641), pedido por uma série de organizações que trabalham com
justiça e direitos humanos no país, com o objetivo de reiterar a
prisão domiciliar para essas mulheres.
Com o advento do HC, as unidades
prisionais ficaram encarregadas de pedir a saída das mulheres. No
caso de Pirajuí, 80% das 820 detentas são mães e mais de cem
conseguiram a prisão domiciliar ao longo do último ano. Marlene
tentou. Na decisão do juiz, no entanto, a preventiva foi mantida sob
o argumento de que “mulher que se dedica à venda de drogas não
tem condições de criar sua prole, uma vez que não tem piedade para
com seu próximo, ou seja, causa a desgraça dos filhos de outras,
provocando a desagregação das famílias”.
Marlene não vê seus seis filhos há
mais de três anos Julia Dolce/Agência Pública.
No entendimento que negou o
provimento do HC de Marlene, por viverem em um ambiente “tão
pernicioso”, suas crianças “muito provavelmente também se
tornarão viciadas e traficantes”. Culpada pela ausência na
criação dos filhos, Marlene tentou se suicidar, cortando os pulsos
dentro da cela.
Uma colega chamou a emergência.
“Eu não tenho nem mais lágrima
pra chorar, acho que secou. Eu posso ter mil defeitos, mas deixar
meus filhos jogados eu nunca deixei, isso ninguém pode falar. Minha
companheira de cela me convenceu que eu tinha que ser forte. Hoje eu
tô mais calma”, conta. Desde então, Marlene mal sai da cela.
Ainda não consegue trabalhar nem frequenta mais cursos.
Ela lembra que tinha grande
esperança quando foi pedida sua prisão domiciliar. Os filhos mais
novos, de 15, 10, 9 e 7 anos, estão atualmente sob cuidado de sua
irmã, outro está vivendo em um abrigo, e o mais velho foi morar na
rua. Ela continua tentando voltar para casa, escrevendo cartas para a
vara de Bauru que analisou seu caso e até mesmo para o STF. Na sua
opinião, os juízes deveriam investigar melhor a história de cada
mãe antes de negar o provimento do HC.
“Eu queria sair não por mim, mas
por eles. Eu tinha tanto medo de eles serem adotados que comecei até
a tomar calmante para conseguir dormir. Esse lugar é muito triste.
Eu não estava mesmo traficando, mas conheço muitas que estavam para
dar sustento para os filhos. Para uma pessoa dar uma sentença, na
minha opinião, ela tem que perguntar para assistentes sociais se a
pessoa é uma boa mãe”, opina.
Natural de Araras, Marlene vivia em
Taguaí, município de 12 mil habitantes no interior de São Paulo, e
trabalhava como assistente de segurança em rodeios. “Ele podia ter
ligado e perguntado: ‘Como é a convivência dessa mãe?’. Ele só
leu meu processo e disse que não aceitaria”.
Desesperada pela impotência e
distância dos filhos, Marlene tentou suicídio dentro da
prisão. Julia Dolce/Agência Pública.
Maíra Coraci Diniz, coordenadora do
setor Mães em Cárcere da Defensoria Pública, política instituída
em 2013, afirma que em 12 anos como defensora nunca viu uma decisão
em primeiro grau “se preocupar com o contexto social em que a
mulher vive”. “Não sabem se ela foi coagida, se estava em
situação de pobreza a ponto de aceitar ser mula do tráfico, nada”,
completa.
No último 20 de fevereiro, a
decisão do HC coletivo no STF completou um ano. Mas uma série de
pesquisas realizadas pelas mesmas entidades por trás do HC –
algumas apresentadas aqui em primeira mão – prova que os juízes
brasileiros ainda resistem em aplicar a lei, mantendo essas mães
presas no regime fechado.
Dados da Secretaria de Administração
Penitenciária do Estado de São Paulo mostram que, de 3.343 HCs
julgados em um ano, apenas 42,21% foram deferidos.
Cartas escritas pelas detentas, a
pedido da reportagem, em resposta à decisão dos juízes que negaram
seus Habeas Corpus.”Gostaria de rever está situação, pois queria
meu direito ser novamente uma cidadã de bem. Meu direito de ser mão
novamente.” – Marlene Ferreira Cataldo.
Já uma pesquisa do Instituto de
Defesa do Direito de Defesa (IDDD) na própria penitenciária de
Pirajuí analisou 350 pedidos de prisão domiciliar. Do total, 113
tiveram a manutenção da prisão preventiva, 34 tiveram omissão
completa da Justiça, 31 ainda estavam com análise pendente e apenas
cinco tiveram o pedido de prisão domiciliar ou de liberdade
provisória deferidos.
O medo de Elena
O maior medo de Elena* é que, ao
ser levada pela polícia para cumprir os cinco anos e dez meses em
regime fechado aos quais foi condenada, seja algemada em frente ao
filho. Isso porque, quando o ex-marido foi preso, em 2016, o menino,
hoje com 14 anos, logo perguntou à mãe: “Colocaram algema no meu
pai?”. Sem saber o que responder na hora, ela negou. “Ai que bom,
então meu pai não é bandido”, disse Fernando*, aliviado.
Desde maio de 2018, quando foi
determinada sua condenação por tráfico, Elena se esquiva do
cumprimento do mandado de prisão que considera injusto e ilegal.
Diz ela que prefere a morte à voltar para a penitenciária. “Eu
não aguentaria”. Em 2017 ela ficou seis meses em prisão
preventiva, após ser detida por agentes carcerários carregando
cocaína em frente à penitenciária onde seu ex-marido está
preso.
O “corre”, primeiro e
único de sua vida, foi feito para tentar ajudar o ex-marido,
traficante preso naquela unidade, que estaria ameaçado por ter
prejudicado o comando do PCC. Depois de presa, ela descobriu que a
história era mentira. Elena chorou todas as noites por seis meses
de saudade do filho.
Em resposta ao terceiro pedido
de HC, o juiz responsável pelo caso decidiu pela sua liberdade
provisória. Com isso, Elena foi mandada para casa, mas o tempo em
que ficasse lá não seria considerado cumprimento de pena, e sim
uma espera para a decisão em primeira instância.
Foi durante a festa de
aniversário de sua irmã que Elena procurou, na internet, a
decisão do processo, descobrindo que teria que voltar ao regime
fechado. A memória dos banhos gelados, da comida estragada, da
infestação de baratas e pernilongos e, principalmente, do tempo
em que ficou sem Fernando, veio como um afogamento. Quando as
lágrimas secaram, ela tomou uma decisão: sairia de casa com o
menino, dificultando para ser encontrada pela polícia.
Há um ano, Elena e seu filho
dividem o aluguel de uma casa, morando com uma amiga e seu bebê.
Há um ano, ela vive com medo de ter qualquer contato com o Estado,
seja indo a postos de saúde quando está doente, renovando o RG do
filho ou dirigindo. A última vez em que Elena conduziu um carro
foi enquanto levava os pertences para o novo endereço.
Elena abaixou os vidros
insulfilmados para os policiais perceberem que dentro do carro
havia apenas uma mãe e seu filho, uma medida nem sempre efetiva
para evitar o excesso policial, como mostraram os acontecimentos do
último mês.
Elena continua trabalhando na
mesma empresa que já vinha assinando sua carteira na última
década antes de sua prisão. O chefe, satisfeito com seu trabalho,
considerou que o que havia acontecido fora da firma “não
interessava”. No entanto, hoje em dia ela não faz mais horas
extras: tem medo de percorrer sozinha o caminho escuro entre o
ponto de ônibus e sua atual casa na volta do trabalho, e acabar
sendo abordada por policiais. *A identidade foi preservada
Melhor sem elas?
Penitenciária: 80% das mais de 800
detentas na Penitenciária Feminina de Pirajuí são mães. Entre
os principais argumentos para a negativa do recurso estão “juízos
morais” sobre a competência. Julia Dolce/Agência Pública
Entre os principais argumentos para
a negativa do recurso estão “juízos morais” sobre a competência
da maternidade de mães encarceradas pelo tráfico e “se sua
presença na vida dos filhos é benéfica ou não”, como afirma
Irene Maestro, pesquisadora do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
(ITTC).
O tráfico é considerado crime não
violento, outro critério estabelecido pelo STF para tirar tais
mulheres do regime fechado. Apesar disso, e de o tráfico ser o
responsável por 62% do encarceramento de mulheres no país, para
alguns juízes – como o que negou o HC a Marlene –, se a mãe
cometeu tal crime, seus filhos estão melhor sem ela.
Trechos de sentenças presentes em
um mapeamento feito por uma parceria entre o IDDD e a Defensoria
Pública de São Paulo apontam esse moralismo nas negativas do HC às
detentas presas em Pirajuí:
“O tráfico de drogas vem
assombrando a comunidade ordeira, destruindo famílias”; “a
acusada é reincidente na prática do crime de tráfico de drogas,
não se revelando crível que agora passará a cuidar dos filhos”;
“voltou a ser presa em flagrante pela mesma infração, revelando
personalidade distorcida e incompatível com o exercício da
maternidade”; e “A ré é condenada por tráfico e associação
para o tráfico, o que comprova que sua filha estava sob os cuidados
de alguém enquanto ela agia […], ela traz consigo um considerável
risco à infante, que fica exposta aos atos espúrios da genitora.”
Irene explica, ainda, que grande
parte dos argumentos utilizados para negar o HC não são
justificativas legais. Em outubro de 2018, após terem identificado a
resistência no cumprimento da transferência para pena alternativa
justamente nos casos de tráfico, as entidades responsáveis pelo HC
entraram com novo recurso no STF, apresentando dados sobre a
ineficiência do anterior.
Na época, novamente, o ministro
relator do HC, Ricardo Lewandowski, reiterou que o tráfico não se
enquadra em uma situação excepcional, afirmando que não há amparo
legal no entendimento de que mães que traficam colocam sua prole em
risco. O ministro afirmou também que “não há razões para
suspeitar que a mãe que trafica é indiferente ou irresponsável
para o exercício da guarda dos filhos”.
Outros argumentos dados por
magistrados, de acordo com Irene, não são de responsabilidade da
própria presa, como o caso de HCs negados por falta de prova da
existência de filhos ou gravidez. “Ninguém anda na rua com uma
certidão de nascimento ou com um pré-natal. É uma prova
impossível, o HC já deixou claro que basta a palavra da mãe, mas
eles invertem o ônus da prova”, explica.
Para Nathalie Fragoso, advogada do
Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos, uma das organizações
responsáveis pelo HC, a resistência na sua aplicação já era
prevista. “Há uma frustração, porque temos observado esse
comportamento resistente do Judiciário, que enxerga excepcionalidade
em situações não excepcionais e mantém mulheres presas de maneira
ilegal. No entanto, já antecipávamos que seria difícil porque é
um problema que existe justamente por conta de um padrão decisório
do judiciário. As próprias autoridades que criam o problema estão
sendo incumbidas de resolvê-lo”, opina.
Segundo Marina Dias, diretora
executiva do IDDD, as negativas de HCs para mães que se enquadrariam
no benefício refletem ainda o conservadorismo do Poder Judiciário
brasileiro. “É uma cultura extremamente punitiva, que aposta na
prisão como forma de lidar com questões e conflitos, além de uma
violação sistemática do princípio da presunção da inocência.”
De acordo com a segunda edição do
Infopen Mulheres, lançado em maio de 2018, 45% das mulheres
encarceradas no Brasil estão presas sem condenação. O relatório
mostra ainda que 74% de toda a população de mulheres encarceradas
são mães. Na opinião de Marina, essas mães não são julgadas
apenas pela respectiva infração.
“A mulher é duplamente punida:
pelo crime que cometeu e por ter descumprido com o papel que é
esperado dela na sociedade. Você nunca vê um juiz perguntando onde
os filhos estavam quando um homem comete um crime. Ou ouve um juiz
comentando que agora o homem está chateado sem os filhos, mas quando
cometeu o crime não pensava neles. Isso uma mulher encarcerada ouve
rotineiramente”, afirmou.
Já um estudo do ITTC, que
acompanhou 601 processos de mulheres em conflitos com a lei, chegou à
conclusão de que, quanto mais alta a instância para qual o HC
143641 é pedido, maior a chance de as mulheres conseguirem cumprir a
pena em suas residências.
Em 201 audiências de custódia
acompanhada pelo ITCC, 106 mulheres se enquadravam nos critérios
estabelecidos pelo HC, podendo receber o benefício. No entanto,
dessas, apenas nove receberam a prisão domiciliar (7,5%); e, dos 200
processos de mulheres já em prisão preventiva que se enquadravam no
benefício, apenas 32,7% conseguiram o deferimento do HC. Já nos
tribunais superiores, o número cresce para 63% de pedidos atendidos.
Mas, segundo Irene Maestro, o número
de mulheres que conseguem acessar os tribunais superiores, via
advogados particulares, é reduzido, e seu perfil, elitizado. Ela
destaca que as mulheres negras e jovens continuam sendo as principais
vítimas do encarceramento e do processo de guerra às drogas. “Elas
não têm podido acessar esse regime alternativo para exercer
plenamente sua maternidade, e o Estado reitera sua condição social
ao prendê-las”, opina, explicando que as mulheres presas por
tráfico, na grande maioria das vezes, estão “na ponta da ponta”
de sua hierarquia.
Em muitos outros casos, a existência
de outros familiares, principalmente mulheres, que poderiam cuidar
dos filhos da acusada, já é motivo suficiente para garantir sua
prisão preventiva. “Estão jogando o peso para outras mulheres,
que não foram ouvidas e sequer estão no processo. Se existem essas
familiares, o Judiciário tranquilamente dá uma canetada dizendo que
o filho será cuidado por outra pessoa, porque entende que a mãe não
é imprescindível”, diz.
É o caso de Fabiana Ribeiro
Martins. O fato de ter filhos maiores de idade “que poderiam se
responsabilizar pelos menores” foi um dos argumentos utilizados
pelo juiz que negou seu HC.
Fabiana é mãe solo de cinco
filhos, os mais novos com 11 e 15 anos. Quando nos encontramos na
Penitenciária de Pirajuí, seu rosto formava uma expressão de
surpresa e desapontamento ao saber que a entrevista que daria seria
para uma reportagem. Até a semana anterior ela não havia sido
informada da negativa do seu pedido de prisão domiciliar e, apenas
quando foi chamada para autorizar a conversa com a Pública,
tomou consciência de que não voltaria para casa.
Fabiana foi informada que seu pedido
de HC foi negado somente quando a consultaram sobre a entrevista para
a Agência Pública.
Os cinco filhos de Fabiana vivem
juntos e estão passando por problemas financeiros desde a prisão da
mãe.
“Eu estava aguardando a decisão,
sempre com aquela expectativa de notícia boa, porque meus filhos
precisam muito de mim lá fora. Se eu tivesse pelo menos um parente,
uma família do lado deles, eu ficaria melhor aqui”, explicou. Seus
filhos mais novos são cuidados pelos irmãos mais velhos, Weasley,
de 23 anos, e Karina, de 22. Recentemente, porém, Karina descobriu
que está grávida.
“Ela manda carta falando que a
situação não tá fácil, que quando não falta o feijão lá em
casa falta o arroz. É difícil, para mim eles são todos uns bebês”,
confessa. Natural do município de Marília (SP), Fabiana lamenta não
ter visto a filha desde o anúncio de sua gravidez. “Tem três
meses que ela não vem visitar porque fala que, se tirar dinheiro
para vir me ver, os irmãos vão ficar sem o que comer. Eu entendo
ela, não peço nada. Mas para mim ficou ainda mais difícil saber
que meu primeiro neto vem ao mundo e eu estou aqui”, lamenta.
“Meus filhos precisam de mim. A
situação para eles não está sendo fácil. Principalmente na
educação, e acredito que eu estando distante a situação acaba
muito mais difícil.”
Antes de ser presa, Fabiana
trabalhava como faxineira em uma academia de crossfit.
Ela namorava havia alguns meses um pintor e conta que estava dando
carona para ele ir trabalhar quando dois colegas entraram no seu
carro depois de terem praticado um roubo à mão armada. A placa do
automóvel foi identificada, e como estava no seu nome ela “caiu”
junto com eles.
O artigo 157 do Código Penal,
teoricamente, por envolver violência, não se enquadraria no HC.
Porém, por alegar inocência e desconhecimento de que o crime seria
praticado, Adriana tentou a prisão domiciliar. “Sempre estive com
meus filhos, sempre acompanhei na escola, nas tarefas”. Fabiana foi
sentenciada, em janeiro, a sete anos e quatro meses de prisão.
Ao final da entrevista, com os olhos
marejados, Fabiana aguardou a oficial abrir o portão para levá-la
novamente à cela, segurando, atrás das costas, um envelope com as
fotos de seus filhos.
O Legado de Joana
Julia Dolce/Agência Pública
Joana* foi presa para “pagar
castigo”. Foi o que ouviu dos policiais que a torturaram entre às
6h e às 11h, na frente do filho, então com 4 anos. Graduanda de
pedagogia e professora do ensino básico, ela fora casada por 12 anos
com um músico que se tornou usuário de drogas e acabou entrando
para o tráfico.
No dia em que sua vida virou
do avesso, o ex-marido a trancou em casa, em São Gonçalo,
município da zona metropolitana do Rio de Janeiro, depois de ter
escondido colegas do tráfico na residência. Ele voltaria no dia
seguinte para soltá-la, mas o Batalhão da Polícia foi mais
rápido. Ao invadir sua casa e encontrar os traficantes, bateram
nela por horas questionando o paradeiro do ex-marido. As marcas das
pancadas que levou com a madeira do cabideiro do armário estão
presentes na sua perna até hoje.
Depois disso, Joana foi
transferida para Bangu, onde viveu por 66 dias. “Parece pouco,
mas é tudo tão intenso que cada dia parece durar um mês. Você
acaba conversando muito com as outras detentas. Eu escrevia bem,
então escrevia suas cartas e ficava sabendo de suas histórias.
Quando finalmente saí, parecia que não via carros há anos.”
Joana conseguiu prisão
domiciliar em 2012, anos antes do Marco Legal da Primeira Infância
ou do HC coletivo para mães e gestantes, justamente por ter um
filho pequeno. Na época, sua estrutura familiar permitiu a
contratação de um bom advogado particular, o que a tornou exceção
à regra de encarceramento de mães. Eventualmente, foi absolvida.
Ela conta que na época era
praticamente impossível sair da prisão com essa justificativa.
“Eu vivi em uma cela comum com 11 mulheres, das quais dez eram
mães. Todas primárias. Nenhuma delas conseguiu sair. Os filhos
foram cuidados por avós, tias, em um dos casos até mesmo por uma
pastora da comunidade onde a mãe morava, que depois acabou
deixando a criança em um abrigo. Algumas mulheres recebiam a
notícia que os filhos foram abrigados, outras ficavam meses, anos,
sem receber notícias”, conta.
Uma pesquisa realizada pela
Defensoria Pública do Rio de Janeiro entre agosto de 2018 e
fevereiro de 2019 mostrou que, de 161 mulheres que poderiam receber
prisão domiciliar em audiências de custódia, apenas 10%
receberam prisão domiciliar.
Depois de ter conquistado
prisão domiciliar, Joana enfrentou um difícil processo
psicológico, se afastando do tema do encarceramento e perdendo o
contato com as colegas que havia feito. Depois de um tempo, no
entanto, ela se uniu à uma organização que tem como objetivo
fomentar e qualificar o debate sobre o direito de presos e
egressos. Assim, Joana conta que reestabelece sua saúde mental
compartilhando sua experiência com outras egressas.
“No coletivo a gente
encontra um espaço para falar sobre essas questões que ficarão
conosco pelo resto da vida. Nem todo mundo compreende, as pessoas
criticam muito mais do que entendem. Você não pode julgar uma
realidade que não conhece. Algumas mulheres podem até ser do
tráfico, mas isso não influencia na forma como são mães”,
conclui. * A Identidade foi preservada .
“Eles acham que eu os abandonei”
“Eles acham que eu os abandonei”
Para as mães entrevistadas, perder
o crescimento dos filhos é uma das questões apontadas como mais
difíceis do encarceramento. Ao comentar a aproximação de um dia
específico, no mês de junho, os olhos de Elaine Procópio
umedeceram e os lábios se apertaram. Ela não apenas deixou quatro
filhos vivendo com a sogra no município de Agudos, a 70 km dali, mas
também teve sua filha mais nova retirada de seus braços dentro da
própria Penitenciária de Pirajuí.
Julia Dolce/Agência Pública
Brenda nasceu quando Elaine estava
presa na Penitenciária de Pirajuí. Após seis meses de amamentação,
a detenta teve que se despedir da filha.
“Caro senhor excelentíssimo juiz,
venho através dessa carta expor minha situação. Meu nome é Elaine
Maria Procopio, me encontro detida na penitenciária feminina de
Pirajuí faz 2 anos e 2 meses. Aonde dei a luz a minha 5ª filha e de
onde ela foi retirada aos 6 meses.”
Elaine é um dos casos de mulheres
que foram presas ainda gestantes. Aos seis meses de gravidez, e com o
quarto e enxoval de Brenda já montados, policiais entraram em sua
casa e encontraram 100 gramas de maconha de cuja existência ela
afirmou não saber. Seu ex-companheiro, pai da bebê, foi preso pelas
acusações feitas no mesmo B.O. Elaine foi diretamente levada para
Pirajuí, sem acesso à audiência de custódia, e ficou 90 dias em
prisão preventiva até ser condenada.
Apesar de todos os seus filhos serem
pequenos e de estar grávida, o HC que a diretoria da penitenciária
pediu em seu nome foi negado devido à sua reincidência. Ela já
havia sido presa em 2013 por tráfico de drogas, e conta que na
época, realmente foi responsável pela infração ao qual foi
condenada. “Eu entrei no tráfico com 12 anos porque com 11 fui
abusada pelo meu tio e deixei a casa da minha mãe. Ele era
evangélico e abusava de mim dentro de uma igreja. Eu só voltei para
casa com 18 anos e já tinha dois filhos, o Diego e a Bia. Morei na
rua, já passei fome, entrei no tráfico, já me prostituí várias
vezes”, enumera.
Segundo Maíra Diniz, a reincidência
é outro critério não estipulado como exceção na decisão de
Lewandowski, mas que tem sido utilizado para negar a prisão
domiciliar às mães. “Mesmo se as mulheres tiverem realmente
outros processos que transitaram em julgado, o benefício da prisão
domiciliar não deve analisar as situações pretéritas”, explica.
Elaine teve Brenda em um hospital de
Bauru e logo em seguida teve seu HC negado. Passou os seis meses
seguidos acreditando que sua filha seria levada para um abrigo, por
falta de parentes que poderiam ficar com a menina. Seus outros filhos
estavam sendo cuidados pelas respectivas ex-sogras, e sua mãe estava
adoecida com uma severa depressão que causava perda de memória.
“O Conselho Tutelar achava que
minha mãe não tinha condições de ficar com a bebê por causa da
saúde mental”, conta. Elaine chegou a acompanhar outras grávidas
e mães indo para casa durante o tempo em que ficou na ala da
maternidade, onde não voltava desde então. “Eu tive esperança,
mas pediram meu HC antes de existir a decisão do STF. Aí eu ganhei
minha filha e logo chegou o tempo de entregar. Eu desci para o raio e
vi que minha mãe tinha ido buscá-la, que estava melhor. Entreguei
ela, com o peito cheio de leite, fiquei até depressiva também”,
conta. Uma semana depois de a filha ter sido levada, sua sentença de
cinco anos de prisão foi confirmada.
“Quando minha mãe veio buscá-la,
eu pedi perdão por ter ganhado ela aqui dentro. Só quem ganha filho
aqui sabe a dor, você se sente um lixo. Com o passar dos meses, dos
aniversários, é o mais difícil. Arrancar um filho seu sem você
pode fazer nada é a pior sensação que tem. Agora, se ela vier, não
sei se vai me reconhecer, se vai me rejeitar. Minha vontade é só
beijar ela e pedir desculpas por todo esse tempo que ela tá longe de
mim”, disse.
Antes de ser presa, Elaine
trabalhava com carteira assinada na empresa produtora de laranjas
Cutrale. “Se eu tivesse conseguido a domiciliar, eu faria de tudo
pra cuidar deles, nem que fosse pra catar papelão e latinha na rua,
porque eles acham que eu os abandonei.”
O medo do abrigamento dos filhos não
é infundado. A advogada Nathalie Fragoso conta que a situação é
mais frequente do que se imagina. “Acontece com muitas crianças,
temos muitos casos de perda familiar. Casos de mulheres presas
provisórias que foram condenadas e quando saíram as crianças já
haviam sido adotadas. Ou que a situação já tinha sido alterada do
ponto de vista jurídico, mas era irreversível para aquela mãe
voltar a ter a convivência familiar.”
Na teoria, as mães encarceradas não
perdem a guarda dos filhos, mesmo quando eles são abrigados por não
terem familiares disponíveis para o cuidado. No entanto, quando a
pena determinada para as mães é muito alta, e as crianças, muito
jovens, as varas da família e da infância costumam determinar a
perda da guarda. A defensora pública Maíra Diniz afirma que há
casos em que as mulheres nem mesmo são avisadas de que perderam a
guarda dos filhos, ou que o Estado considera seu desaparecimento ou
abandono sem procurar saber se estão presas ou não.
“Há uma má vontade dos juízes,
porque o mínimo que eles têm que fazer é uma pesquisa para saber
se a pessoa está presa. Por isso criamos o Mães em Cárcere, porque
entendemos que quando a mulher é presa, enquanto núcleo da família,
ela precisa de um atendimento multidisciplinar. Se os defensores não
trabalharem em conjunto, você perde a guarda dos filhos. Sempre que
vou atender uma mãe, a primeira coisa que ela pergunta é onde estão
os filhos”, afirma.
As conquistas de Andreza
Aos 42 anos e esperando a sétima
filha, Andreza Augusto Ruiz já passou por diferentes lados dessa
complexa teia judiciária. Ex-usuária de crack, ela foi presa pela
primeira vez em 2006, confundida com traficante enquanto comprava
droga em um hotel da cracolândia paulistana. Na época, quando a
prisão domiciliar de mães e gestantes era uma questão ainda mais
distante de ser conquistada, seus filhos foram abrigados. Ao sair da
prisão, cinco anos depois, ela tentou recuperar a guarda de um por
um.
Andreza conseguiu prisão
domiciliar, mas foi condenada e detida novamente quando estava
grávida de oito meses.
Julia Dolce/Agência Pública
“Estou há dez anos limpa, parei
de fumar quando saí. Pensei que havia perdido meus filhos por causa
da droga, então me fortaleci. Não precisei ir para a clínica,
nunca tive uma recaída, nada. Meu objetivo era seguir em frente. Eu
era uma escrava da droga, era uma doença”, conta. Com o passar dos
anos, porém, seu filho Pedro, hoje com 14 anos, já tinha sido
adotado por outra família, apesar de ainda estar em seu nome.
Andreza passou cinco anos tentando
criar os filhos com bicos, enquanto lutava pela guarda de Pedro. Em
2017, vendia fones de ouvido no trem de São Paulo quando os guardas
tomaram toda a sua mercadoria e a deixaram revoltada. “Então eu
fiz besteira. Já conhecia a cracolândia, precisava pagar as contas,
mesmo que a justificativa não venha ao caso. A polícia me pegou
tentando vender 48 porções de crack e cinco de maconha”. Na
ocasião, grávida de três meses, Andreza foi presa no Centro de
Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha.
“Fiquei lá até completar oito
meses como gestante. No Pavilhão 2 tinham mais de 120 mulheres
gestantes. Eu só fiz o pré-natal uma vez”, denuncia. Aos nove
meses de gravidez, foi transferida para o Centro Materno da
Penitenciária Feminina da Capital, em Santana, zona norte de São
Paulo. Lá teve sua filha Laura e a amamentou por cinco meses.
Faltando um mês para ter que entregá-la aos cuidados de alguém,
Andreza conseguiu a prisão domiciliar através do HC 143641.
Desde então, ela entrou para o
projeto Responsa, que trabalha com a reinserção social de egressas.
Há um ano e meio, Andreza trabalha como costureira em uma confecção.
No dia 11 de fevereiro, uma semana
antes do aniversário de um ano do HC coletivo, e novamente grávida
de oito meses, Andreza foi recebida em sua casa, no município
metropolitano de Francisco Morato, por dois policiais. Descobriu que
havia sido condenada a cinco anos e oito meses de prisão. “Fiquei
18 dias em uma detenção provisória, em uma sala minúscula com
mais duas moças. Eu nem sabia que estava sendo procurada, não sabia
de nada. Dezoito dias sem ver o sol, três dias sem tomar banho, sem
comer. Era o caos.”
Com a parceria do advogado Rafael
Kalil, associado ao IDDD, o Instituto Responsa conseguiu que Andreza
voltasse para casa, sob a tese de que se encontrava em uma gravidez
de risco. O recurso foi acolhido em segunda instância e ela teve sua
condenação convertida em prisão domiciliar durante o tempo de
amamentação. Agora, a defesa tenta conseguir confirmar a decisão,
liminar, também no julgamento do mérito. “Não vai ser fácil,
mas se conseguirmos essa confirmação em mérito, será muito
importante para gerar precedentes”, afirma Kalil.
Sentada com a mão apoiada na
barriga, que em uma semana daria vida à pequena Lívia, Andreza
conta que desta vez está confiante no seu futuro. “Tenho carteira
registrada, então já ganhei um ponto por isso. Mas há muitas
mulheres que conseguiram a domiciliar e estão voltando para a prisão
depois de condenadas. É o cúmulo. Se ele dá uma prisão
domiciliar, por que ele manda voltar para o fechado de novo?”,
questiona.
Por que teve filho se estava com problemas?
Arquivo pessoal
Marília Cristina Lacerda
Possa já havia cumprido três anos e sete meses no regime fechado
e um ano e sete meses no semiaberto quando conseguiu o benefício
da prisão domiciliar. Aos 23 anos, ela voltou para casa, quando
engravidou do namorado e teve seu filho, Theo, hoje com um 1 ano e
7 meses.
Desde então, Marília cumpre
as respectivas medidas cautelares estabelecidas primeiro pela sua
prisão domiciliar e atualmente pela sua liberdade condicional. Ela
não usa tornozeleira, por falta do equipamento no estado, mas tem
que comunicar quando vai sair para trabalhar e estudar, não pode
ficar na rua depois das 22h ou antes das 6h, ir a festas, bares ou
beber.
Ela diz que nada disso seria
um problema se não fosse pela condição de Theo. Logo que nasceu,
ele foi diagnosticado com mielomeningocele, hidrocefalia e prolapso
retal. “As medidas cautelares me atrapalham muito, porque muitas
vezes eu tenho que levá-lo ao hospital de madrugada, e não posso.
Tem muita Polícia Federal no caminho, e, se eu for pega, eu teria
que voltar para o regime fechado”, explica.
Mensalmente, quando vai
assinar os documentos de sua condicional, Marília pensa em
explicar a situação do filho, mas tem medo de isso prejudicar
ainda mais seu caso. “Eles costumam falar: por que você fez o
bebê se sabia que estava com problema?”.
Moradora de Paraíba do Sul,
município da Serra Fluminense, ela foi flagrada, aos 18 anos,
atuando como mula de um ex-namorado envolvido com o tráfico.
Apesar de não ter sido mãe na época em que ficou em regime
fechado, ela lembra as cenas que presenciou no antigo Complexo
Penitenciário de Bangu.
“As mães ficam péssimas,
conheci muitas mulheres nessa situação. Já presenciei muitos
partos dentro das penitenciárias, crianças nascendo no corredor
do Bangu 8. As guardas se negavam a ajudar as gestantes, com medo
de doenças contagiosas. Muitas mulheres morriam por omissão de
socorro. Várias crianças nasciam mortas também. Eu me perguntava
para onde iam os fetos.”
Marília forma atualmente o
corpo de egressos da organização Eu Sou Eu, atuando em campanhas
pelo direito das presas e construindo iniciativas como uma cartilha
com informações para familiares e visitas. “Todo mundo merece
uma segunda chance. É uma forma de grito. A cadeia é uma nuvem
muito negra na vida de uma pessoa. Se ela for boa, ela sai de lá
mais ou menos. Se for ruim, sai pior. Eu fiquei muito abalada
psicologicamente. Mas qual o risco que vou passar para o meu filho?
Ninguém melhor do que eu para cuidar dele”, declara.
Hoje, Marília sonha em
concluir o ensino médio e estudar letras. “Gosto muito de falar,
escrever e contar histórias.”
Condenadas a perder os filhos
De fato, a condenação em regime
fechado de mães beneficiadas pelo HC tem movido novas preocupações
e jurisprudências no Judiciário brasileiro. No dia 25 de outubro de
2018, ao reiterar a aplicabilidade do HC, o ministro Lewandowski
estendeu o benefício para mulheres que ainda não têm sentença
definitiva, mesmo que condenadas em segunda instância.
No entanto, desde então, o STF
confirmou a legitimidade da execução provisória da pena após
decisão em segundo grau, determinando o início da execução da
pena. No último 19 de abril, Lewandowski mudou novamente a
jurisprudência do STF, revertendo uma decisão do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) e concedendo HC para que dois condenados em segunda
instância aguardem em liberdade o trânsito em julgado da decisão.
Além disso, no dia 28 de novembro,
o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei
10.269/18 do Senado, que prevê prisão domiciliar para mulheres
responsáveis por pessoas com deficiência. A matéria, no entanto,
também estabelece a chamada progressão acumulativa da pena, uma
possibilidade de mudança de regime para mães ou gestantes já
condenadas. Para isso elas precisam ter cumprido ao menos um oitavo
da pena no regime fechado, ser rés primárias e ter bom
comportamento. O texto foi sancionado pelo então presidente Michel
Temer (MDB) no dia 19 de dezembro.
Porém, assim como o HC, a Lei
10.269/18 também tem encontrado resistência no Judiciário, e a
perspectiva de voltar ao regime fechado depois de conquistarem a
prisão domiciliar assusta mães que recentemente voltaram a se
encontrar com os filhos.
É o caso de Aline Cordeiro do
Amaral. Catadora de pinhas na zona rural do pequeno município de
Campina de Fora (SP), e na época desempregada, ela aceitou uma
proposta para ser mula de tráfico, carregando droga em uma viagem de
ônibus. Abordada pela polícia já na rodoviária, ela foi presa em
flagrante em 2017 e ficou oito meses afastada do filho Érick, hoje
com 10 anos, e da filha Lara, com 3.
Após três tentativas de HC, ela
conseguiu a prisão domiciliar. Porém, alguns meses depois de sua
audiência, descobriu que havia sido condenada a 12 anos em regime
fechado por tráfico e mais um por porte de armas. O motivo é que,
além de cocaína, a sacola que portava na cintura continha também
munição.
“Eu já conhecia maconha, mas
nunca tinha usado. Quando ele abriu, falou que tinha cocaína,
parece, e crack. Mas eu não conhecia, nunca tinha visto na vida. Em
Votorantim, penitenciária onde fiquei presa, as meninas davam
risada, falavam que eu era muito inocente mesmo, porque quando o
policial abriu a sacola eu achei que fosse uma bola de sabão”,
conta.
Agora, Aline aguarda a decisão de
um recurso protocolado pelo seu advogado para que continue o
cumprimento da pena em regime domiciliar. “O meu maior medo, se ele
não conseguir, é pelos meus filhos. Tô pedindo a Deus por eles.
Eles eram o que eu mais pensava lá na prisão, é como se eu tivesse
morrido nesses meses. Minha filha não queria comer, não queria
dormir, tinha febre. Se teve um dia que não chorei lá dentro, deu
pra contar”, afirma.
Questionada sobre os argumentos de
juízes que consideram que sua prisão seria melhor para seus filhos
e para a sociedade, Aline apela para a experiência pessoal. “Não
me fez bem nenhum o tempo em que fiquei presa. Um dia uma senhora
veio me chamando de reeducanda, e eu disse que era melhor ela me
chamar logo de presa. Perguntei pra ela: ‘A senhora já parou pra
pensar que isso não educa ninguém? Que a gente sai ainda mais
revoltada?’”, lembra.
Segundo Nathalie Fragoso, a
expectativa das entidades que protocolaram o HC há pouco mais de um
ano é que todas as mulheres que tenham o direito à substituição
de fato a alcancem. O aumento do conservadorismo do Judiciário, no
entanto, é apontado pela advogada como um obstáculo ao objetivo.
“Temos uma tendência de
recrudescimento da justiça penal, e isso está colocado no espaço
do Legislativo. Esperamos que o STF funcione como anteparo, garantido
a defesa desses marcos normativos, a eficácia da decisão e que
essas mulheres não sejam alcançadas por essa onda punitiva”, diz.
Segundo dados do Ministério da
Justiça de junho de 2016, os mais recentes disponíveis, mais de 41
mil mulheres estão atrás das grades no Brasil, número que cresceu
138% desde a aprovação da atual Lei de Drogas, em 2006. O Coletivo
de Advocacia em Direitos Humanos estima que até novembro de 2018
mais de 5,5 mulheres tenham alcançado a prisão domiciliar ou a
liberdade provisória por causa do HC coletivo. Ainda segundo
estimativas da organização, a partir do cruzamento de dados com o
Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 9,2 mil mulheres que
poderiam ser beneficiadas continuam ilegalmente presas.
Julia Dolce/Agência Pública
Fonte: ENVOLVERDE
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