O
presente que as crianças mais querem.
Por Maria Helena Masquetti*
Quem já não participou de uma conversa animada
entre amigos quando o assunto eram fatos vividos na infância? Volta e meia,
essas recordações acontecem e raramente o que nos salta primeiro à lembrança
são os presentes que ganhamos, exceto quando vinham carregados de alguma
história ou significado especial.
No entanto, como em todos os anos, muitos pais e
familiares estarão às voltas nestas festas com a busca de presentes para suas
crianças. É claro que a intenção de fazê-las felizes é a maior razão de tantos
sacrifícios de tempo ou dinheiro, porém, presenteá-las com algo valioso e
inesquecível, gastando o mínimo e ainda gerando recordações que as acompanharão
para sempre, também é perfeitamente possível. A questão é o quanto estamos
determinados a resgatar das mãos do marketing o conceito de felicidade com o
qual ele tenta revestir produtos e serviços diversos.
Diferentemente desta felicidade artificial que o
marketing tanto propaga, as crianças, quando livres no seu brincar, encontram
prazer e alegria em coisas que quase nem percebemos. Numa viagem rápida pela
própria imaginação, elas mergulham em cenários cuja beleza nenhum brinquedo –
ainda mais concebido e fabricado por adultos – pode reproduzir.
Diferentemente desta felicidade artificial que o
marketing tanto propaga, as crianças, quando livres no seu brincar, encontram
prazer e alegria em coisas que quase nem percebemos. Foto: Shuttestock
Forçando um pouco a memória, talvez nos recordemos
de uma boneca de pano ou do carrinho de lata que alguém nos ajudou a fazer.
Provavelmente nos volte à memória a euforia com a qual acordávamos para uma
viagem de férias ou mesmo para a casa de um parente mais próximo. Ir encontrar
os avós, fosse no aeroporto ou num ponto de ônibus, podia nos render horas de
expectativa.
Enfileirar cadeiras na sala para apresentar à família envolvida
uma risonha e mambembe peça teatral era um espetáculo e tanto. Construir um
brinquedo com o envolvimento de um adulto então, melhor que não ficasse pronto
tão cedo a fim de prolongar um momento tão bom. Exemplos assim são fragmentos
minúsculos do arsenal de ideias que podemos colocar em prática, usando o tempo
que iremos gastar percorrendo lojas nos shoppings atrás de objetos que perderão
a felicidade que prometem antes mesmo que a inclemente fatura do cartão de
crédito nos seja entregue.
Se perguntarmos, hoje, a uma criança alvejada por
comerciais sobre o que ela deseja ganhar, na maioria das vezes, sua resposta
será automática, além de praticamente em coro com milhões de outras crianças
que estarão pedindo por um mesmo produto, da mesma marca, do mesmo tamanho ou
até da mesma cor. E isto sem que nos debrucemos a pensar sobre o quanto essa
padronização do desejo pode afetar a construção da identidade dos pequenos e,
mais tarde, suas próprias convicções adultas.
Ante a perspectiva de ver nossas crianças crescerem
desejando o que o marketing deseja para elas, é de pasmar o contrassenso
expresso nas assinaturas de tantos comerciais; “Para você que sabe o que quer”
ou “Quem sabe o que quer, vai mais longe!”. Neste contexto contraditório das
vendas, essas assinaturas são ocas de fundamento, ao passo que podem se tornar
verdadeiras se estivermos com nossas crianças, nomeando suas características
individuais e gerando condições para sua expressão própria.
Dado o bombardeio diário e das bem engendradas
mensagens endereçadas aos pontos mais frágeis das crianças, provavelmente a
maioria delas prefira os produtos anunciados muito mais do que os presentes
marcados pelo afeto e pela correspondência com seus anseios legítimos. Cabe, no
entanto, àqueles que realmente querem o melhor para elas, não abrir mão do que
acreditam. Nada é mais convincente para uma criança do que ver nos adultos de
quem elas dependem a convicção de que ser é melhor do que ter e a alegria de
construir junto com elas uma felicidade possível e uma história de infância
rica de inventividade e ternura que elas não se cansarão de lembrar e contar.
* Maria Helena Masquetti é graduada em
Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e
realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de
redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana.
Fonte: ENVOLVERDE
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