Precisamos falar sobre a geoengenharia.
por David
Keith – ClimaInfo
Vários cientistas pensam na
geoengenharia solar como aliada à redução das emissões de carbono
no combate às mudanças climáticas. Neste artigo, o professor David
Keith, de Harvard, defende um programa aberto de pesquisas na área
desenhado de forma a ter equipes de pesquisa e equipes de crítica e
análise de resultados. Para ele, a restrição do debate e da
pesquisa sobre essas novas tecnologias pode aumentar o risco de
termos usos indevidos no futuro.
As negociações sobre as
tecnologias de geoengenharia terminaram em impasse na Assembléia
das ONU Meio Ambiente deste ano em Nairóbi, no Quênia, quando
uma proposta apoiada pela Suíça para nomear um painel de
especialistas da ONU sobre o assunto foi retirada em meio a
desacordos sobre a linguagem. É uma pena, porque o mundo precisa de
um debate aberto sobre novas formas de redução dos riscos
climáticos.
O impasse resultou de uma disputa
dentro da comunidade ambiental em torno do crescente interesse
científico na geoengenharia solar – a possibilidade de refletir
deliberadamente uma pequena quantidade de luz solar de volta ao
espaço para ajudar a combater a mudança climática. Alguns
ambientalistas e representantes da sociedade civil, convencidos de
que a geoengenharia solar será prejudicial ou mal utilizada,
opõem-se a mais pesquisas, análises políticas e debates sobre o
assunto. Outros, incluindo alguns grandes grupos ambientalistas,
apoiam uma investigação cautelosa.
Ao refletir a luz solar para longe
da Terra – por meio, por exemplo, da injeção de aerossóis na
estratosfera – a geoengenharia solar poderia compensar parcialmente
o desequilíbrio energético causado pelo acúmulo de gases de efeito
estufa na atmosfera. A investigação, que utiliza a maioria dos
principais modelos climáticos, sugere que a geoengenharia solar pode
reduzir riscos climáticos importantes, como alterações na
disponibilidade de água, precipitação extrema, elevação do nível
do mar e da temperatura. Mas qualquer versão dessas tecnologias
acarreta
riscos próprios, incluindo poluição do ar, danos à camada de
ozônio e mudanças climáticas imprevistas.
A pesquisa sobre geoengenharia solar
é altamente controversa, o que tem limitado o financiamento da
pesquisa a alguns programas minúsculos, embora um número maior de
cientistas climáticos esteja começando a trabalhar neste tópico
usando fundos existentes para a pesquisa climática.
Porquê a controvérsia? Muitos
temem, com razão, que o lobby da indústria de combustíveis fósseis
explore a geoengenharia solar para se opor aos cortes de emissões.
Mas a maioria dos pesquisadores não é movida por tais interesses. A
grande maioria dos que pesquisam a geoengenharia solar – ou
defendem a sua inclusão nos debates sobre políticas climáticas –
também apoia uma ação muito mais forte de redução de emissões.
Ainda assim, é muito provável que o Big Fossil – que vai
das empresas multinacionais de energia às regiões dependentes do
carvão e petróleo – venha a usar a discussão da geoengenharia
para combater as restrições de emissão.
Mas esse risco não é razão
suficiente para o abandono ou a supressão da pesquisa em
geoengenharia solar. Os ambientalistas passaram décadas lutando
contra a oposição do Big Fossil à proteção do
clima. E embora o progresso até agora tenha sido insuficiente,
alguns sucessos foram alcançados. O mundo investe hoje mais de 300
bilhões de dólares por ano em energia de baixo carbono e os jovens
estão trazendo uma nova energia política à luta por um clima mais
seguro.
Uma discussão aberta sobre a
geoengenharia solar não enfraqueceria o compromisso dos defensores
do meio ambiente, porque eles sabem que as emissões devem ser
reduzidas a zero para que alcancemos um clima estável. Na pior das
hipóteses, tal debate poderia fazer com que alguns, no amplo e
desenfreado meio de batalha climática, se interessassem menos pelos
cortes de emissões de curto prazo. Mas mesmo isso não é certo; há
evidências empíricas de que a consciência pública da
geoengenharia aumenta o interesse em reduzir as emissões.
É sensato se concentrar na redução
de emissões, e razoável se preocupar com a possibilidade da
discussão sobre a geoengenharia solar possa nos distrair desta luta.
Mas é errado ceder à uma monomania na qual os cortes nas emissão
se tornam o único objetivo da política climática.
Por mais vital que seja, a
eliminação das emissões simplesmente deixa de aumentar o fardo do
dióxido de carbono na atmosfera. O CO2 da era dos
combustíveis fósseis e as mudanças climáticas daí resultantes
persistirão. Precisamos nos adaptar para aumentar a resiliência às
ameaças climáticas.
Mas a adaptação por si só não é solução.
Nem a geoengenharia solar. Também não somente a remoção de CO2 da
atmosfera – outro conjunto emergente de tecnologias que foram
consideradas na proposta apoiada pela Suíça em Nairóbi.
Como disse o escritor americano H.L.
Mencken, “há sempre uma solução bem conhecida para todos os
problemas humanos – limpa, plausível e errada”. Problemas
complexos como a mudança climática raramente têm uma única
solução.
Minha esperança é que os cortes de
emissão, a geoengenharia solar e a remoção de carbono possam
trabalhar juntas para reduzir os efeitos humanos e ambientais da
mudança climática além do que é possível apenas com cortes nas
emissões.
Esta esperança se justifica? A
comunidade de pesquisa em geoengenharia é pequena e dominada por um
grupo restrito de membros, a maioria dos quais são (como eu)
brancos, homens e baseados na Europa ou na América, e é bem
possível que tenhamos desenvolvido um viés de pensamento em grupo.
Podemos simplesmente estar errados. Seria imprudente implantar a
geoengenharia solar com base apenas na esperança e na pesquisa
inicial.
Ao invés disso, um programa
internacional de pesquisa de acesso aberto poderia, dentro de uma
década, melhorar drasticamente a compreensão dos riscos e da
eficácia da geoengenharia solar. Tal programa custaria uma pequena
parte da soma atualmente gasta em ciência climática, e muito menos
de 0,1% das despesas para reduzir as emissões. Um programa sábio
reduziria o viés do pensamento de pequeno grupo ao aumentar a
diversidade de pesquisadores e ao estabelecer uma tensão deliberada
entre equipes de pesquisa que desenvolvem cenários específicos para
implantação e outras encarregados de examinar criticamente como
esses cenários poderiam dar errado.
A governança é o desafio mais
árduo para a geoengenharia. Um programa de pesquisa global deve,
portanto, ser associado a uma discussão internacional muito mais
ampla sobre estas tecnologias e sua governança. Infelizmente, esse
debate foi interrompido na assembleia de Nairóbi.
Embora minha geração muito
provavelmente não venha a usar a geoengenharia solar, parece
plausível que, antes de meados deste século, uma catástrofe
climática dramática leve alguns governos a considerá-la. Ao
abandonar agora o debate e a pesquisa sobre geoengenharia, os líderes
políticos podem estar esperando eliminar os riscos de seu uso
indevido no futuro. Mas sua postura pode, na verdade, aumentar esse
perigo.
Os humanos raramente tomam boas
decisões quando escolhem a ignorância ao invés do conhecimento, ou
preferem a política à portas fechadas ao debate aberto. Ao invés
de manter as futuras gerações no escuro em relação à
geoengenharia solar, devemos lançar tanta luz quanto pudermos sobre
ela.
David Keith é professor de física
aplicada na Harvard’s School of Engineering and Applied Sciences
(SEAS), professor de políticas públicas na Harvard’s Kennedy
School of Government, e fundador da Carbon
Engineering.
Fonte: ENVOLVERDE
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