O cenário conturbado da gestão ambiental brasileira.
Por Sucena Shkrada Resk
A condução da gestão
socioambiental no Brasil, neste ano de 2019, causa apreensão aqui e
no exterior. Uma série de medidas estão sendo tomadas pelo
Ministério do Meio Ambiente (MMA), sob comando do ministro Ricardo
Salles, e têm causado polêmica ao acelerar a redução da
competência da pasta nas ações de comando e controle. Seus
críticos analisam que isso compromete o papel de fiscalização e
conservação em associação à significativa redução de orçamento
e algumas transferências de competências a outras pastas. Este
pacote de ações tem suscitado reações de vários segmentos no
Brasil e, inclusive, no âmbito das relações internacionais. O
mesmo ocorre com projetos de lei (PLs), que tramitam, há anos, no
Congresso Nacional, com estes mesmos tipos de propostas, que agora,
voltam à cena.
Em ritmo de “hard news”, as
notícias de novas medidas são veiculadas diariamente. Para começar
a entender o que está em questão, é interessante partir da leitura
da Medida Provisória (MP) 870/2019,
que está sob análise no Congresso, o que pode significar
modificações, o que exige acompanhamento.
O
editorial do portal Direto da Ciência também explica o congelamento
de recursos da pasta a programas e ações ambientais, neste ano,
devido a contingenciamento determinado em decreto governamental em
parte do orçamento liberado na Lei Orçamentária Anual para
despesas não obrigatórias. Outra fonte interessante é um
estudo de 2018 divulgado pelo WWF-Brasil em parceria com a ONG Contas
Abertas, que também aponta que o orçamento da pasta, em um período
de cinco anos, foi reduzido em R$ 1,3 bilhão. Uma análise de
contexto de retrospectivas em uma área que sempre sofreu pressão na
estrutura governamental.
Reações: efeito em cadeia
A mais recente manifestação à
acentuação da fragilização da atuação da pasta é a
carta assinada, nesta semana, por oito ex-ministros do MMA, desde
a gestão em 1995, que pertencem a diferentes gestões e correntes
partidárias. Assinaram o documento: os ex-ministros Rubens Ricupero
(1993-1994), Gustavo Krause, Sarney Filho (1999-2002 e 2016-2018),
José Carlos Carvalho (2002), Marina Silva (2003-2008), Carlos Minc
(2008-2010), Izabella Teixeira (2010 – 2016) e Edson Duarte (2018).
“O MMA perdeu o poder de
governança…e também há um falso dilema. Ao se destruir a água e
solo (sem conservação e fiscalização), o agronegócio será
prejudicado”, afirmou Carvalho, em coletiva à imprensa, no último
dia 8, com os demais ministros, com exceção de Krause, que não
compareceu por motivos de saúde. Sarney Filho também enfatizou:
“Agora o MMA é uma extensão do Ministério da Agricultura e há
um desmonte…”.
Marina Silva alertou que a atual
gestão quer acabar com o Sistema Nacional do Meio Ambienta (Sisnama)
e como Ricúpero, destacou a importância de não desmerecer a
construção da memória histórica da gestão ambiental brasileira,
que vem desde o pioneiro Paulo Nogueira-Neto (veja
no Blog Cidadãos do Mundo – Paulo Nogueira-Neto: história que se
funde com o ambientalismo brasileiro) .
Os argumentos dos ex-ministros foram
rebatidas pelo ministro, em nota,
que logo foi apoiada por comunicado da Sociedade Rural Brasileira
(SRB). Também, nesta semana, mais de 80 organizações não
governamentais e movimentos socioambientais emitiram nota de repúdio
ao PL
3729/2004, que flexibiliza o licenciamento ambiental e tramita em
regime de urgência na Câmara, como também a revisão da Medida
Provisória 867, que sofreu emendas, e altera o atual Código
Florestal, o tornando também mais flexível, com medidas como a
retirada de prazo para o Cadastramento Ambiental Rural (CAR). O
ministro em entrevistas já disse ser favorável à flexibilização.
A Associação Brasileira dos
Membros do Ministério Público do Meio Ambiente (Abrampa) divulgou
uma nota pública contra o teor do PL, que segundo a organização,
poderia causar insegurança jurídica. Mais um PL, que causa
polêmica, está sendo desarquivado. É o que libera a caça
profissional de animais silvestres.
O que é possível observar na área
legislativa é acentuação do que já existia em anos anteriores. De
um lado, uma grande bancada que representa a Frente Parlamentar da
Agropecuária – hoje, em torno de 260, entre deputados e senadores
– e de outro lado, a frente parlamentar ambientalista, em menor
proporção, que tenta reverter e trazer à tona, por meio de
audiências ou em comissões, uma discussão que incorpore a
sociedade. Ao mesmo tempo, há uma novidade, neste jogo de forças.
Depois de muitas legislaturas, pela primeira vez uma mulher indígena
assume a cadeira de deputada. É a advogada Joênia Wapichana, que
criou e lidera a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Povos
Indígenas.
Participação da sociedade
Uma atmosfera desconcertante gera
polêmicas sucessivas e se estende a todas as instâncias de gestão
do MMA. Após uma conturbada reunião, em março, conselheiros do
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) fizeram uma moção
de repúdio reivindicando a permanência da gestão participativa
no órgão, devido a intervenções ocorridas no encontro. O MMA
anunciou que deve reduzir o número de representantes, o que infere o
distanciamento à gestão compartilhada desta agenda.
“Está havendo o enfraquecimento
dos conselhos que a sociedade civil participa”, criticou o
ex-ministro Rubens Ricúpero. Essa medida foi tomada, por meio da MP,
pelo Governo Federal em mais de 50 conselhos e colegiados de
diferentes setores, sendo que alguns foram extintos. Mas mais
reviravoltas estão ocorrendo, no âmbito da análise do Congresso
Nacional. No Senado Federal, em notícia do dia 9 de maio, o
relatório o relatório do senador Fernando Coelha Bezerra (MDB-PE),
por exemplo, recria o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (Consea). Agora, para ter validade, deverá ser votado na
Câmara e Senado e ser sancionado pelo Palácio do Planalto.
Outras manifestações partem da
Associação Nacional de Servidores da Carreira de Meio Ambiente
(Ascema Nacional), que em abril, divulgou uma
carta aberta à sociedade na qual repudia declarações feitas
pelo ministro sobre a gestão ambiental brasileira e os servidores.
Na esfera internacional, houve o
manifesto
de um grupo de mais de 600 cientistas e de 300 organizações
indígenas à União Europeia, pedindo pressão de cunho
comercial para o cumprimento das agendas ambientais pelo Brasil,
divulgado em abril, que também foi
rebatido pelo ministro.
Para conseguir compreender este
quebra-cabeças, é necessária uma certa imersão. Seguem alguns dos
principais pontos de medidas no MMA, que têm gerado reações:
No capítulo de combate às mudanças
climáticas, o Brasil declinou de sediar a Conferência das Partes da
Convenção do Clima, da Organização das Nações Unidas – COP25,
devido a uma nova postura “negacionista” quanto às mudanças
climáticas, retroagindo a acordos internacionais que haviam sido
ratificados no país. O governo chileno será o anfitrião.
Esta postura infere medidas que
estão sendo tomadas, afrouxando a fiscalização quanto ao
desmatamento no país, em especial, na Amazônia, incluindo a
extinção da Secretaria de Mudanças Climáticas. O
MMA também perdeu o prazo para a apresentação do plano de
aplicação e de formação do conselho para a gestão do Fundo
Clima., que tem como uma das principais atribuições apoiar
ações na área de adaptação às mudanças climáticas. Este é um
retrocesso, segundo o ex-ministro Edson Duarte, como também a
possibilidade de descontinuação do Fundo Amazônia.
“Neste ano, o Fundo terá de
passar por nova negociação de financiadores internacionais, como
Alemanha e Noruega, para 2020”, explicou.
Esses posicionamentos geram
incertezas quanto à participação do Brasil no Acordo de Paris, que
está atrelado ao cumprimento da Política Nacional de Mudança do
Clima.
“O negacionismo climático é
grave. Havia um protagonismo brasileiro e agora temos a possibilidade
de comprometimento de credibilidade no âmbito internacional”,
alerta a ex-ministra Izabella Teixeira.
Segundo ela, estes
posicionamentos podem acarretar até em medidas protecionistas contra
o Brasil.
Quanto à conservação da
biodiversidade, o Brasil não ratificou a adesão ao Protocolo de
Nagoya da Biodiversidade, o que o retira de qualquer protagonismo
nesta agenda internacional, na qual foi articulador em todo processo
da Convenção da Diversidade Biológica.
No âmbito da estrutura da gestão,
a Agência Nacional de Águas (ANA), com papel estratégico, na
Política de Recursos Hídricos, e o Serviço Florestal Brasileiro
foram transferidos para o Ministério da Agricultura. Medida
criticada por Ricúpero.
O Departamento de Educação
Ambiental foi suspenso no Ministério da Educação. “No Ministério
do Meio Ambiente agora não passa de citação na área de
ecoturismo”, alertou Edson Duarte. Hoje ainda é possível ver todo
rico acervo da área no link
https://www.mma.gov.br/educacao-ambiental.html.
Idas e vindas
Também houve o avanço do
sucateamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (Funai). “Houve
um atentado à sua função nas demarcações de terras indígenas,
que têm sido salvaguarda de proteção no Brasil”, completou o
ex-ministro. Suas responsabilidades haviam sido passadas ao
Ministério da Agricultura. Mas em decisão da Comissão Mista da
Medida Provisória 870/19, na Câmara, no último dia 9 de maio, foi
aprovada emenda do deputado Túlio Gadelha (PDT_PE). O texto
determina que as atribuições voltem à Funai, que deverá deixar a
atual pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e ser
subordinada ao Ministério da Justiça. E o processo continua no
Congresso.
No caso do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão
das unidades de conservação federais, teve sua diretoria
substituída por policiais militares recentemente o que causou
reações por parte das equipes técnicas do órgão.
O ministro Salles anunciou
recentemente que vai rever a instituição de todas as unidades de
conservação do Brasil, que são cerca de 350, e deverá alterar o
Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Ele questiona
“critérios técnicos” para a criação de áreas protegidas.
Neste contexto, uma
medida questionada pelos ex-ministros foi a de o Ibama autorizar a
exploração petrolífera do Pré-Sal, na região do Parque Nacional
Marinho de Abrolhos, apesar de parecer técnico contrário. “A
baleia-jubarte havia saído da lista de ameaça de extinção e agora
o governo libera o pré-sal”, questionou Carlos Minc.
E assim caminha a gestão ambiental
brasileira… uma arena ainda que exige muita discussão e ambiente
democrático.
*Sucena Shkrada Resk é jornalista,
formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em
Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP,
e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada
Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com),
desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e
sustentabilidade.
Fonte: ENVOLVERDE
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