quarta-feira, 15 de maio de 2019


O cenário conturbado da gestão ambiental brasileira.


Por Sucena Shkrada Resk

A condução da gestão socioambiental no Brasil, neste ano de 2019, causa apreensão aqui e no exterior. Uma série de medidas estão sendo tomadas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), sob comando do ministro Ricardo Salles, e têm causado polêmica ao acelerar a redução da competência da pasta nas ações de comando e controle. Seus críticos analisam que isso compromete o papel de fiscalização e conservação em associação à significativa redução de orçamento e algumas transferências de competências a outras pastas. Este pacote de ações tem suscitado reações de vários segmentos no Brasil e, inclusive, no âmbito das relações internacionais. O mesmo ocorre com projetos de lei (PLs), que tramitam, há anos, no Congresso Nacional, com estes mesmos tipos de propostas, que agora, voltam à cena.

Em ritmo de “hard news”, as notícias de novas medidas são veiculadas diariamente. Para começar a entender o que está em questão, é interessante partir da leitura da Medida Provisória (MP) 870/2019, que está sob análise no Congresso, o que pode significar modificações, o que exige acompanhamento.

O editorial do portal Direto da Ciência também explica o congelamento de recursos da pasta a programas e ações ambientais, neste ano, devido a contingenciamento determinado em decreto governamental em parte do orçamento liberado na Lei Orçamentária Anual para despesas não obrigatórias. Outra fonte interessante é um estudo de 2018 divulgado pelo WWF-Brasil em parceria com a ONG Contas Abertas, que também aponta que o orçamento da pasta, em um período de cinco anos, foi reduzido em R$ 1,3 bilhão. Uma análise de contexto de retrospectivas em uma área que sempre sofreu pressão na estrutura governamental.

Reações: efeito em cadeia

A mais recente manifestação à acentuação da fragilização da atuação da pasta é a carta assinada, nesta semana, por oito ex-ministros do MMA, desde a gestão em 1995, que pertencem a diferentes gestões e correntes partidárias. Assinaram o documento: os ex-ministros Rubens Ricupero (1993-1994), Gustavo Krause, Sarney Filho (1999-2002 e 2016-2018), José Carlos Carvalho (2002), Marina Silva (2003-2008), Carlos Minc (2008-2010), Izabella Teixeira (2010 – 2016) e Edson Duarte (2018).

“O MMA perdeu o poder de governança…e também há um falso dilema. Ao se destruir a água e solo (sem conservação e fiscalização), o agronegócio será prejudicado”, afirmou Carvalho, em coletiva à imprensa, no último dia 8, com os demais ministros, com exceção de Krause, que não compareceu por motivos de saúde. Sarney Filho também enfatizou: “Agora o MMA é uma extensão do Ministério da Agricultura e há um desmonte…”.

Marina Silva alertou que a atual gestão quer acabar com o Sistema Nacional do Meio Ambienta (Sisnama) e como Ricúpero, destacou a importância de não desmerecer a construção da memória histórica da gestão ambiental brasileira, que vem desde o pioneiro Paulo Nogueira-Neto (veja no Blog Cidadãos do Mundo – Paulo Nogueira-Neto: história que se funde com o ambientalismo brasileiro) .

Os argumentos dos ex-ministros foram rebatidas pelo ministro, em nota, que logo foi apoiada por comunicado da Sociedade Rural Brasileira (SRB). Também, nesta semana, mais de 80 organizações não governamentais e movimentos socioambientais emitiram nota de repúdio ao PL 3729/2004, que flexibiliza o licenciamento ambiental e tramita em regime de urgência na Câmara, como também a revisão da Medida Provisória 867, que sofreu emendas, e altera o atual Código Florestal, o tornando também mais flexível, com medidas como a retirada de prazo para o Cadastramento Ambiental Rural (CAR). O ministro em entrevistas já disse ser favorável à flexibilização.

A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente (Abrampa) divulgou uma nota pública contra o teor do PL, que segundo a organização, poderia causar insegurança jurídica. Mais um PL, que causa polêmica, está sendo desarquivado. É o que libera a caça profissional de animais silvestres.

O que é possível observar na área legislativa é acentuação do que já existia em anos anteriores. De um lado, uma grande bancada que representa a Frente Parlamentar da Agropecuária – hoje, em torno de 260, entre deputados e senadores – e de outro lado, a frente parlamentar ambientalista, em menor proporção, que tenta reverter e trazer à tona, por meio de audiências ou em comissões, uma discussão que incorpore a sociedade. Ao mesmo tempo, há uma novidade, neste jogo de forças. Depois de muitas legislaturas, pela primeira vez uma mulher indígena assume a cadeira de deputada. É a advogada Joênia Wapichana, que criou e lidera a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas.

Participação da sociedade

Uma atmosfera desconcertante gera polêmicas sucessivas e se estende a todas as instâncias de gestão do MMA. Após uma conturbada reunião, em março, conselheiros do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) fizeram uma moção de repúdio reivindicando a permanência da gestão participativa no órgão, devido a intervenções ocorridas no encontro. O MMA anunciou que deve reduzir o número de representantes, o que infere o distanciamento à gestão compartilhada desta agenda.

“Está havendo o enfraquecimento dos conselhos que a sociedade civil participa”, criticou o ex-ministro Rubens Ricúpero. Essa medida foi tomada, por meio da MP, pelo Governo Federal em mais de 50 conselhos e colegiados de diferentes setores, sendo que alguns foram extintos. Mas mais reviravoltas estão ocorrendo, no âmbito da análise do Congresso Nacional. No Senado Federal, em notícia do dia 9 de maio, o relatório o relatório do senador Fernando Coelha Bezerra (MDB-PE), por exemplo, recria o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Agora, para ter validade, deverá ser votado na Câmara e Senado e ser sancionado pelo Palácio do Planalto.

Outras manifestações partem da Associação Nacional de Servidores da Carreira de Meio Ambiente (Ascema Nacional), que em abril, divulgou uma carta aberta à sociedade na qual repudia declarações feitas pelo ministro sobre a gestão ambiental brasileira e os servidores.

Na esfera internacional, houve o manifesto de um grupo de mais de 600 cientistas e de 300 organizações indígenas à União Europeia, pedindo pressão de cunho comercial para o cumprimento das agendas ambientais pelo Brasil, divulgado em abril, que também foi rebatido pelo ministro.

Para conseguir compreender este quebra-cabeças, é necessária uma certa imersão. Seguem alguns dos principais pontos de medidas no MMA, que têm gerado reações:

No capítulo de combate às mudanças climáticas, o Brasil declinou de sediar a Conferência das Partes da Convenção do Clima, da Organização das Nações Unidas – COP25, devido a uma nova postura “negacionista” quanto às mudanças climáticas, retroagindo a acordos internacionais que haviam sido ratificados no país. O governo chileno será o anfitrião.

Esta postura infere medidas que estão sendo tomadas, afrouxando a fiscalização quanto ao desmatamento no país, em especial, na Amazônia, incluindo a extinção da Secretaria de Mudanças Climáticas. O MMA também perdeu o prazo para a apresentação do plano de aplicação e de formação do conselho para a gestão do Fundo Clima., que tem como uma das principais atribuições apoiar ações na área de adaptação às mudanças climáticas. Este é um retrocesso, segundo o ex-ministro Edson Duarte, como também a possibilidade de descontinuação do Fundo Amazônia.

“Neste ano, o Fundo terá de passar por nova negociação de financiadores internacionais, como Alemanha e Noruega, para 2020”, explicou.

Esses posicionamentos geram incertezas quanto à participação do Brasil no Acordo de Paris, que está atrelado ao cumprimento da Política Nacional de Mudança do Clima.

“O negacionismo climático é grave. Havia um protagonismo brasileiro e agora temos a possibilidade de comprometimento de credibilidade no âmbito internacional”, alerta a ex-ministra Izabella Teixeira. 

Segundo ela, estes posicionamentos podem acarretar até em medidas protecionistas contra o Brasil.

Quanto à conservação da biodiversidade, o Brasil não ratificou a adesão ao Protocolo de Nagoya da Biodiversidade, o que o retira de qualquer protagonismo nesta agenda internacional, na qual foi articulador em todo processo da Convenção da Diversidade Biológica.

No âmbito da estrutura da gestão, a Agência Nacional de Águas (ANA), com papel estratégico, na Política de Recursos Hídricos, e o Serviço Florestal Brasileiro foram transferidos para o Ministério da Agricultura. Medida criticada por Ricúpero.

O Departamento de Educação Ambiental foi suspenso no Ministério da Educação. “No Ministério do Meio Ambiente agora não passa de citação na área de ecoturismo”, alertou Edson Duarte. Hoje ainda é possível ver todo rico acervo da área no link https://www.mma.gov.br/educacao-ambiental.html.

Idas e vindas

Também houve o avanço do sucateamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (Funai). “Houve um atentado à sua função nas demarcações de terras indígenas, que têm sido salvaguarda de proteção no Brasil”, completou o ex-ministro. Suas responsabilidades haviam sido passadas ao Ministério da Agricultura. Mas em decisão da Comissão Mista da Medida Provisória 870/19, na Câmara, no último dia 9 de maio, foi aprovada emenda do deputado Túlio Gadelha (PDT_PE). O texto determina que as atribuições voltem à Funai, que deverá deixar a atual pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e ser subordinada ao Ministério da Justiça. E o processo continua no Congresso.

No caso do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão das unidades de conservação federais, teve sua diretoria substituída por policiais militares recentemente o que causou reações por parte das equipes técnicas do órgão.

O ministro Salles anunciou recentemente que vai rever a instituição de todas as unidades de conservação do Brasil, que são cerca de 350, e deverá alterar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Ele questiona “critérios técnicos” para a criação de áreas protegidas.

Neste contexto, uma medida questionada pelos ex-ministros foi a de o Ibama autorizar a exploração petrolífera do Pré-Sal, na região do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, apesar de parecer técnico contrário. “A baleia-jubarte havia saído da lista de ameaça de extinção e agora o governo libera o pré-sal”, questionou Carlos Minc.

E assim caminha a gestão ambiental brasileira… uma arena ainda que exige muita discussão e ambiente democrático.

*Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.



Fonte: ENVOLVERDE

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