Ofensiva contra evasão fiscal
exclui países mais pobres.
por Carey
L. Biron, da IPS
Menina carregando um bebê em Luanda. Angola deixará
de integrar a lista de países menos adiantados em 2015. Foto: Louise
Redvers/IPS.
Washington, Estados Unidos, 6/11/2014 – Enquanto
ganha força uma importante campanha mundial para reduzir a evasão fiscal,
ativistas contra a indigência afirmam que a iniciativa passa por alto em
relação aos Estados mais pobres. No dia 29 de outubro, 51 países de quatro
continentes acordaram trocar sistematicamente informação tributária até 2017,
com o objetivo de permitir às autoridades registrarem imediatamente qualquer
desigualdade.
A evasão mundial de impostos saltou para o alto da
agenda global após a crise financeira de 2007-2008 e as resultantes restrições
financeiras que governos de todo o planeta sofreram. Embora os compromissos
adotados tenham que ser apoiados por acordos bilaterais separados, o novo pacto
é elogiado como um grande passo à frente na matéria.
“Esse grande êxito na luta contra a evasão fiscal
internacional seria impensável há poucos anos”, escreveu o ministro das
Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, no jornal The Washington Post,
no dia 3. “Precisamos garantir que o criativo planejamento tributário, sob a
forma de transferência de lucros e redução artificial dos mesmos, já não seja
um modelo empresarial lucrativo”, acrescentou.
Os novos compromissos foram assumidos na reunião
anual do Fórum Global sobre Transparência e Intercâmbio de Informação com Fins
Tributários, que funciona no contexto da OCDE. Nesse encontro, realizado em
Berlim, os 123 participantes aprovaram, também formalmente, um projeto da OCDE
conhecido com padrão global único sobre a troca automática de informação entre
as autoridades fiscais do mundo, detalhando qual informação será coletada, quem
o fará e como será intercambiada.
Mas na lista daqueles a quem foi pedido para
participar no novo compromisso figuram quase unicamente países industrializados
ou conhecidos paraísos fiscais, que governos ricos estão particularmente a
favor de enfrentar. Isso é motivo de preocupação para alguns, pois o impacto
dos manejos financeiros ilegais são sentidos particularmente nas economias mais
vulneráveis.
“O novo padrão da OCDE sobre troca automática de
informação é um grande passo para a abordagem dos fluxos financeiros ilegais”,
apontou em um comunicado o analista Andres Knobel, da britânica Tax Justice
Network (Rede para a Justiça Tributária). “No entanto, sérios obstáculos à
inclusão de países em desenvolvimento e várias lacunas não resolvidas impedirão
sua efetividade, permitindo a indivíduos ricos com abundantes opções evitar o
aporte de informação”, acrescentou.
Embora o Fórum Global sobre Transparência e
Intercâmbio de Informação com Fins Tributários tenha 123 membros, foi
solicitado a apenas 95 que participem das novas trocas automáticas. Unicamente
um dos selecionados, Vanuatu, um Estado insular do Oceano Pacífico muito
conhecido como paraíso fiscal, integra a lista de países menos adiantados da
Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo funcionários da OCDE, muitos países em
desenvolvimento não foram convidados a integrar essa rodada inicial de
compromissos devido às preocupações com suas capacidades institucionais. “Os
países em desenvolvimento que não têm centros financeiros apontaram suas
dificuldades em matéria de escassa capacidade para implantar (a troca
automática de informação fiscal) seguindo um calendário tão ambicioso”,
explicou à IPS Monica Bhatia, presidente da secretaria do Fórum Global.
“Por outro lado, esses países foram incentivados a
participarem com um calendário mais flexível e lhes foi oferecido apoio para
facilitar sua participação, por meio de projetos-piloto. Já há seis países em
desenvolvimento que solicitaram esses projetos, e o Fórum Global está
comprometido em ajudar outros países em desenvolvimento que também desejarem”,
acrescentou Bhatia.
Porém, outros sugerem que, independentemente de sua
capacidade, todos os países deveriam ser capazes de receber informação fiscal
quanto a seus próprios cidadãos terem contas bancárias não declaradas no exterior.
“No contexto do acordo atual, os paraísos fiscais que não têm um imposto de
renda para seus cidadãos não precisam trocar essa informação”, explicou à IPS
Heather Lowe, da organização Integridade Financeira Mundial (GFI).
“Isso tem sentido do ponto de vista lógico, mas os
organizadores nem mesmo consideram um período semelhante de inclusão
progressiva para os Países Menos Adiantados. Pode ser que pensemos realmente
que há muitos britânicos ou norte-americanos com dinheiro na, digamos, Nigéria?
Provavelmente, não. E é provável que haja muitos nigerianos com dinheiro nos
Estados Unidos ou na Grã-Bretanha? Sim.”, afirmou Lowe.
Dados pioneiros divulgados pela GFI, entidade com
sede em Washington dedicada a supervisionar a transparência fiscal, indicam que
os países em desenvolvimento podem estar perdendo US$ 1 trilhão por ano em
razão de uma variedade de manejos financeiros obscuros. Enquanto todas essas
atividades contribuem para atentar contra os cofres públicos, o novo plano
cobre apenas a evasão fiscal.
“Embora uma parte dos fluxos financeiros ilegais
esteja pautada pela evasão fiscal, outra boa parte da mesma também é
impulsionada por outros delitos, como narcotráfico, escravidão sexual,
corrupção e fraude”, destacou Lowe. “No contexto atual, há o risco de se perder
essas outras modalidades criminosas importantes ou se manter essa informação
sob chave das autoridades tributárias e longe dos investigadores do governo e
de fiscais”, acrescentou.
O Fórum Global diz que quer incorporar a maior
quantidade possível de países em desenvolvimento ao novo sistema de
intercâmbios, e afirma que atualmente há múltiplas iniciativas para que assim
seja. Na semana passada, a entidade anunciou a mais significativa delas: um
projeto dirigido a fortalecer o alcance e a capacidade sobre o tema na África.
A Iniciativa Africana, controlada pelo Fórum
Global, pelo Grupo do Banco Mundial e outros, se centrará inicialmente em 17
países, cerca de um terço do continente. Mas um folheto da OCDE diz que esse
número poderia aumentar “significativamente” nos três anos de vida do programa.
Até agora não há nenhuma iniciativa semelhante na Ásia ou na América Latina,
embora o Fórum Global considere que ainda se possa criar esse tipo de projeto.
“O ímpeto pela Iniciativa Africana procede de nossos
Estados membros africanos, devido a um foco maior no problema dos fluxos
financeiros ilegais a partir de países africanos dos quais a evasão fiscal é um
componente significativo”, observou Kathryn Dovey, analista de políticas
tributárias do Fórum Global, entrevistada pela IPS por correio eletrônico.
“O Fórum Global está comprometido a trabalhar com
todos os países em desenvolvimento e estará feliz de semear e apoiar
iniciativas semelhantes em outras regiões. Se os países e organizações da
região e organizações internacionais relevantes se apresentarem para colaborar,
a Iniciativa Africana poderá ser replicada, com o passar do tempo, em outras
geografias estratégicas”, afirmou.
De todo modo, Lowe ressaltou que a criação de
capacidade poderá ser um objetivo secundário, depois de se incorporar os países
mais pobres sobre uma base não recíproca. “A África é um lugar forte para
começar, porque os investimentos ali cresceram muito nos últimos anos, e nesse
continente há muitos governos que realmente começam a se comprometer com esse
assunto”, acrescentou.
“Entretanto, não vejo porque não podemos começar
com informação não recíproca para os Países Menos Adiantados e depois trabalhar
esses programas de criação de capacidade para permitir que a correspondência tenha
lugar depois. Comecemos pelo prático”, enfatizou Lowe.
Fonte: ENVOLVERDE
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